Chamamos um eletricista pra instalar meu ventilador de teto, já que Rui meio que amarelou e eu resolvi não insistir, afinal depois o ventilador cai na minha cabeça ou dá um curto circuito e aí danou-se.
Audinei é o nome dele. Audinei trabalha em famosa – e única – metalúrgica em Gotham City. Sim, Audinei.
Fiquei pensando o que leva um ser humano a colocar o nome do filho de Audinei. Será que o pai chamava Ney e a mãe Audinéia? Será que o pai se chamava Edney e a mãe Aurélia? Ou será que o pai chamava Ney e sonhava em ter um Audi? Mistérios tão insondáveis quanto o de Coralha. Quem sabe na casa dele há um Claudinei e aí pra não repetir – mais ao mesmo tempo ficar parecido – colocaram um Audinei? Quem sabe há inclusive um Baudinei, um Daudineu, um Eudinei, um Faudinei, um Gaudinei, um Laudinei, um Maudinei, um Naudinei, e – pasmem! – quiçá um Paudinei!!!!!!!
Mamãe logo achou que ele era muito chique – tem até e-mail, minha filha! – e que devia ser careiro. Não, mãe. Vasmos acreditar na democratização da informação.
O cara marca depois das seis, pois trabalha até esse horário.
Assim que ele entra no meu quarto, dispara: “Que panorama, hein?”
Oi? Fiquei pensando se ele falava da minha vista ou dos meus peitos, afinal vista pras chaminés que fazem com que o céu fique rosa, vermelho, e todas as nuances de laranja? - daí Gotham City (copyright do meu amigo Denis). Ok, eu acho bonito, mas, sabem como é...eu sou estranha. Panorâmica?
A gente já tinha falado pelo telefone o que era, mas chegando aqui minha mãe vem com idéias de botar aquelas paradinhas que você desliga a luz perto da cama. Aí ia inutilizar a tomada e ter que fazer outra. Em suma: um serviço maior do que ele supunha. E a minha mãe é uma pessoa um pouco agitada que fala pelos cotovelos e tende a não ouvir a resposta dos outros. E Audinei é caaaaaalmo.
Audinei diz então que preferia fazer o serviço todo no outro dia, já que pra abrir hoje e abrir no outro dia, seria uma burrice – melhor fazer tudo de uma vez. Justo. Daí ficou dizendo o que faria e o que precisaria.
“Sabe? Eu considero meu trabalho como o de um médico. Você não chega num médico pedindo pra ele te operar. Você marca uma consulta, ele vê o que você tem, se for preciso opera”.
Fui ao delírio. Adoguei.
“Esses dias eu fiz uma proposta pra loja Sbrubles. A moça queria câmera de segurança e mais não sei o quê. Cheguei lá com um caderno de propostas. Ela achando que eu ia entregar o quê? Um pedaço de papel de pão com uns rabiscos?”.
Vamos trocar caderninhos, vamos trocar caderninhos!!! Tava quase dando um dos meus caderninhos que eu trouxe de NY com as minhas propostas, afinal eu adoro um caderno, uma agenda, um calendário, um planejamento...
“Essa é minha metodologia de trabalho”.
Então dá uma olhada na minha tese, Audinei! Afinal metodologia é uma das áreas mais problemáticas da minha pesquisa.
“Colega, qual seu nível de preocupação estética?”
Olha...o cabelo tá numa fase boa, a pele também, mas o corpinho...sabe como é...sempre dá pra perder uns 10 quilos, né?
“Eu tenho um cargo que não é dos mais simples”
Humm...falou, Audinei. Valorizando o material. Eu também falo que doutorado é a coisa mais difícil do mundo, que é pras pessoas acharem que eu não passo o dia escrevendo em blog e vendo Encontro com 316 pastores na Record.
“Então eu sou acostumado com burocracia”
Em quanto fica um tree way, uma tomada e dois relatórios?!! Eu odeio burocracia.
“Sabe, eu tenho registro no CREA”
Ah, Audinei! Pra cima de moi, neguinho? Tu tem registro é no CRÉÉÉÉÉU, cumpadi!
“Eu fiquei assustado com a sala de vocês. Eu nunca entrei numa sala tão grande. Só já vi sala desse jeito em novela!”
Ai, meu Deus! Vai achar que a gente é rico, vai cobrar mais, vai querer assaltar, vai dar o serviço pros comparsas...a gente é pobre, cálega! PO-BRE. Tô devendo até as calças. Não vendi o corpinho ainda porque não acho quem compre. Fizemos essa casa no final dos anso 70, resquícios de milagre econômico, a Fábrica ainda era estatal e tudo era mais barato. Além disso, eram cinco filhos! Tinha que ter lugar pra criançada correr, andar de bicicleta, chamar os cáleguinhas pra lanchar, tomar banho de mangueira, assar umas carne na laje, fazer chapéu refrescante no quintal...
“Hoje em dia há uma mudança de valores. A arquitetura mudou muito em função disso”.
Agora ele pede um livro do Bauman emprestado! Ah, pede! Daí eu faço um grupinho de estudos aqui em casa: Audinei e Rui discutindo o atual estágio do capitalismo avançado e o caráter de descartibilidade que as mercadorias adquiriram, com ênfase na arquitetura e construção e prestação de serviços.
“Esses dias eu fui na casa do Dr Fulano de Tal e o quarto dele é metade desse seu. Só que no andar de cima ele tem uma área de lazer com banheira de hidro com lugar par oito pessoas. Por quê?”
Surubazinha básica? Adepto do swingue? Reunião com os Titãs?
“porque ele passa os dias dias na rua, trabalhando, e quando chega em casa quer relaxar na sua área de lazer, receber pessoas”
Recebe pessoas na banheira de hidro? Jisus, como eu sou antiquada!.
Por fim, após muito proseio e orçamentos ele foi até o consultório de Formiga Irmã, porque ela queria fazer um serviço lá. A parte que se segue foi relatada por ela, não tendo mais eu ouvido nada.
“As pessoas me perguntam porque eu trabalho tanto. Eu ganho bem, sabe? Eu não precisava estar trabalhando em mais de um lugar. Mas eu digo: eu tenho mulher. Dois filhos. E eles têm sonhos”.
Fofo.
- “Eu tinha vontade de ir a um psicólogo. Por nada. Apenas por ir”
- Formiga Irmã: puxa, mas sem motivo nenhum?
- "Ah, mas eu não posso querer ir apenas para desabafar?”
- Ah, mas isso já é um motivo. Quer uma água, Audinei?
Achei que ela já fosse se sentar e dizer: como era a sua relação com a sua mãe?
Comentário de Formiga Mãe:
- Ele é bonitinho, né? Todo redondinho. Até o nariz é redondinho. Parece até um porquinho.
- Eu: será que é porque ele é eletricista?
Há-hãn? Pegaram? Nariz de porquinho-focinho-tomada... Ãhn...pois é...quente hoje, né?
Tirando o fato algumas informações meios desencontradas - pra mim ele disse que faz turno de zero hora (tendo o dia de folga e podendo atender as pessoas neste horário) e pra minha irmã ele disse que só poderia fazer depois do serviço, pois não faz mais turno de zero hora (explicação: não fazer mais zero hora já é um status) além das tirações de onda básicas, acredito que Audinei é de confiança. Veio aqui e fez o serviço (infelizmente eu perdi sua segunda visita porque estava no Rio) e até agora eu ainda estou viva e nada caiu na minha cabeça.
Hoje eu leio na Quem Acontece que a Isadora Ribeiro está dando palestras para metalúrgicos (outras empresas, também, mas o foco dela são os metalúrgicos. Aliás, impagável, a entrevista. Escreverei sobre ela em breve).
Fiquei imaginando o Audinei tendo que assistir a uma das palestras da Isadora Ribeiro.