quinta-feira, setembro 25, 2008

Sonhos de uma tarde de outono

A medida em que as primeiras folhas vão caindo lentamente, em proporção inversa à temperatura - que despenca rapidamente dia a dia - um sentimento vai crescendo dentro de mim. Talvez um sentimento que eu já soubesse que tinha e que todas as pessoas de certa forma pressentissem isso e me dissessem antes de eu vir pra cá. Um sentimento de que eu não vou mais voltar pro Brasil.

Calma, Formiga Mãe. Calma. É claro que eu volto dia 15 de dezembro. Eu tenho uma tese a defender. Eu tenho um visto que expira nesse dia me dando apenas mais 30 dias de prazo e eu nunca, jamais, em tempo algum ficaria ilegal aqui – sou arrogante demais pra ficar num lugar que não me querem. Eu tenho compromissos a honrar com a minha agência de fome(nto). Que diabos. Eu sou uma pessoa que honra compromissos. Mas eu vou voltar pra cá. Pode até não ser no ano que vem, mas eu volto. Por quanto tempo fico aqui não sei. Não sei se ficaria o resto da vida, mas quem sabe o que vai fazer pro resto da vida? Quem sabe o que é o resto da vida? Dois anos ou quarenta?

O fato é que eu sempre soube que eu me sentia desajustada dentro de minha própria pele. Estrangeira no meu próprio país. E não é que subitamente o mundo faça sentido pra mim, mas pela primeira vez as coisas se encaixam. Minimamente. Um mínimo de plausibilidade foi tudo o que eu sempre quis.

Ao mesmo tempo eu vejo que eu vim exatamente quando tinha que vir. Nem um dia a mais nem outro a menos. Todo tempo em que eu esperei e tive medo e não vim e pensava que nunca seria capaz foi exatamente o tempo certo que eu precisava.

Se você me perguntar, amando leitor, do que eu mais gosto em Nova York, eu te diria: estar em Nova York. Mesmo que em casa – e, God knows o quanto a minha casa não é exatamente um local que inspire a permanência – eu acordo e penso: eu estou em Nova York. Eu tenho mais 24 horas de NY. Eu gosto de ver TV em NY. Pensar que chegou o fim de semana e eu vou na laundry e vou fazer compras e vou ao Central Park se quiser, ou aos museus ou ao cinema ou simplesmente andar por aí, sozinha. Se quiser posso encontrar pessoas, mas o que eu mais gosto é de ficar sozinha.

Eu ando pelas ruas e penso que estou na mesma cidade que Woody Allen e Paul Auster – ok, no Rio eu também estou na mesma cidade do Rubem Fonseca. Eu ando pelo lado sujo de NY – o Lower East Side, que hoje em dia de sujo não tem mais nada...assim como a maioria das regiões de NY é caro pra caramba – e entendo a música dos Ramones e o wild side do Lou Reed. Ao contrário da grega que tem vontade de ouvir música brasileira a medida em que vai ficando frio eu tenho vontade de ouvir rock. Me sento da Union Square para comer meu almoço comprado na Whole Food – o supermercado politicamente correto, onde tudo é orgânico/reciclável – e vejo a mistura de homeless, traficantes, doidões, malucos em geral, pingaiadas e estudantes com seus laptops. Ninguém se mistura com ninguém, ao mesmo tempo em que estão todos no mesmo lugar. Ado, ado, ado. Cada um no seu quadrado. O presidente da empresa pega o mesmo metrô que o seu empregado – ok, quando eles chegam em casa há uma “pequena” diferença na moradia.

Vejo os homeless com suas plaquinhas. E os músicos de rua. E o hippies, com carinha de quem foram criados no Sustagem, mas simplesmente se cansaram de tanta opulência. O sonho americano que não deu certo para várias pessoas. Por vários motivos.

Eu penso que há quase 200 anos o Edgar Allan Poe também percorria as ruas dessa cidade e via os mesmos fantasmas que eu vejo. E o Walt Whitmam. E, é claro, ele só podia ter escrito Leaves of Grass em uma cidade como Nova York. Afinal, aqui há leaves. Leaves que caem e foram grass.

E penso nesse país onde as pessoas são isso ou aquilo, isso e aquilo, mas nuca issoaquilo. Num país – ou numa cidade, melhor dizendo – que aceita as diferenças desde que elas permaneçam como diferenças. Que aceita a mistura desde que a mistura fique separada. Onde as pessoas ou são pretas ou brancas. Ou índias ou asiáticas. O que é bom e ruim. Mas que é muito o que eu sou. Sim, talvez NY desperte o meu melhor e o meu pior lado. Desperta certas características minhas não muito saudáveis, como um extremo senso competitivo, uma vontade de dizer “ah é? Então vamos ver quem é que vence” e uma misantropia ainda maior. Desperta meu lado sociável ao mesmo tempo em que me dá uma vontade cada vez maior de ficar sozinha. Uma cidade que tá o tempo todo cuspindo as pessoas pra fora dela. Ao mesmo tempo em que é a cidade mais acolhedora do mundo.

Eu não sei. Sinceramente eu não sei. Eu sou uma pessoa um tanto quanto volúvel. Posso mudar de idéia a qualquer minuto. Mas hoje, se vocês me perguntarem o que eu quero da minha vida, seria: oito meses aqui e 4 no Brasil, pode ser? O recesso de Natal e Reveillon no Brasil, daí eu volto antes do Carnaval, fico aqui e volto nos meses de verão: junho, julho e agosto (particularmente os de inverno no Brasil). Onde eu vou arrumar um emprego que me dê tudo isso de férias? Na universidade, caro leitor! Ou você acha que professores são professores pelo prazer de ensinar? Um boooom salário (como o daqui) conta bastante, também. Além de férias garantidas e possibilidade de passar o dia escrevendo e lendo.

Realmente a única coisa que me balança quando eu penso em morar aqui é minha família e amigos. A única. Se eu pudesse ter todos os meus amigos e família aqui eu não faria a menor questão de viver no Brasil. Não tem absolutamente nada de lá que eu esteja sentindo falta. Nada. A não ser meus amigos. Cordialidade brasileira? Eu realmente preciso responder?

Eu acho muito engraçado quem viaja pra Paris, por exemplo, e volta dizendo “Paris é a minha cara!”. A gente sempre pensa: é cara de todo mundo! Pois é claro que um lugar onde as pessoas vivem bem sempre vai ser a cara de todo mundo. Mas eu digo com certeza: por mais que eu tenha adorado Paris, não é a minha cara. Londres que eu jurava que era...também não é. Itália muito menos. Espanha...talvez...Barcelona, talvez (Madrid, não). Mas NY definitivamente é a minha cara. Tem a exata mistura de cultura pop e erudita. De civilização e podreira.

Pode ser porque eu estou por pouco tempo e há pouco tempo...não sei. O fato é que eu nunca me senti tão bem num lugar. Em Buenos Aires, talvez. Sim, Buenos Aires é outro lugar “a minha cara”.

Enfim. Vamos vendo. Vamos tocando o barco e vendo onde isso tudo vai dar. Não me cobrem coerência daqui a dois posts.

18 comentários:

Anônimo disse...

Estive por aí em agosto, adoro essa cidade, me sinto também totalmente local, adoro andar de metrô e observar as pessoas. Fique. Quando eu voltar, te convido para um sushi no Nobu.
Beijos
Fernanda

Lenissa disse...

Não sei porque minha flor, mas eu também sabia disso.
Talvez só NY pra te entender, e só você pra entender NY. Maybe?

Vanessa Ornella disse...

Taí, gostei do sentimento. Keep it warm!

Anônimo disse...

coerencia pra que?

ah, voce nao esta falando dos hippies. voce esta falando dos hipsters. eh diferente.

espero que a zorba tenha tomado banho. mas, sabe, eu tambem acabei simpatizando com ela. esse neutralizador de ions simplesmente atrai as particulas de poeira. funciona, sim! eu tenho. eh coisa de quem tem asma, em geral.

nao escrevi pra voce. perdao. o trabalho tem ocupado os finais de semana.

uma coisa que adoro em ny: as pessoas tem multiplos interesses. nao falam so de trabalho, como ems eattle, por exemplo.


beijao!

natalia/ny

ps - eu tenho vontade de andar pelas mesmas praias que o woody allen nos filmes. isso interessa a voce, ou as praias do rio dao de mil? eu fui a uma praia aqui perto, achei linda, na verdade. mas eu sou mineira, ne?

ah, e joey ramone eh o nome de um "place". ficav perto de onde era o cbgb, east village. a area eh bacana, tem museus, cinemas, cemiterios.

Alice] disse...

Pra ajudar, ou não, no sonho: http://www.reason.com/images/07cf533ddb1d06350cf1ddb5942ef5ad.jpg

Alice] disse...

Desculpe, eu odeio sistema de comentários, e eles tbm não gostam de mim. Aqui vai o link sem cortes:
http://tinyurl.com/4lyol2

Carrie, a Estranha disse...

Natália!

Adorei a ultima frase do comentario! "museus, cinemas, cemitários..." HAHAHAHA. ADORO cemiterios!

É, eu sei q o Joey Ramone é nome de place. É isso q eu quero ver! Place, rua...whatever...quero chgar na plaquinha.

O q são hipsters (interrog)

Tá se sacanagem com esse papo de neutralizador de ions! Isso é coisa de quem estuda fisica! É, eu tb gosto dela, apesar de tudo.


Alice,

Puxa, nao consegui ver. O q era (int)

Bjsc

Carrie, a Estranha disse...

Oi Alice! Agora vi!

Ah, mas eu nao preciso ser citzen. Green card já tá bom. E, tipo...quem tá com pressa (interrog).

E é lóóógico q eu so ficaria se fosse a melhor opção pra mim - as melhores respostas do quadrinho.

Anônimo disse...

hipster eh o carinha ou a garota de classe media ou classe media alta que decidiu viver uma vida meio hippie, ouvir musica que eu acho boa (hehehe) e viver com um monte de roomates num lugar tipo williamsburg. as vezes, durante o dia, eles sao executivos, mas a noite se vestem de artistas e vao para alguma balada num porao. moram em lugares que eram ruins, tipo harlem ou partes do brooklyn, mas que foram "desbravados" pelos hippies. o problema eh que, como os hipster tem grana, os lugares para onde se mudam passam a ser caros e badalados. ja foi em williamsburg? precisa. embora os hipsters sejam considerados meio que umas pragas de ny. veja essa capa da time out: http://www.timeout.com/newyork/export_images/609/609.x231.cover.jpg

Anônimo disse...

xi, a capa nao saiu, mas era um pe chutando um hipster.

natalia

Anônimo disse...

aqui vai a foto de uns hipsters bem tipicos, entao: http://www.blaker.de/wordpress/wp-content/uploads/Brick%20Lane%20hipsters.jpg

Carrie, a Estranha disse...

Natália,

mas eu vi uns caras que fedem e pedem esmolas na rua. Tipo, os caras devem ser mendigos a menos de um ano, pois eles ainda têm dentes e tal, mas vivem na rua, com cachorros, gatos...e fedem muuuito, sao muuuito sujos...e tem cara de chapados. Será q é isso? Alguns beeeem bonitos. Me lembrou a história do Into the wild.

Carrie, a Estranha disse...

Ah nao. Esse tão muito limpinhos.

Carrie, a Estranha disse...

Olha que legal isso que eu achei, natalia: http://www.urbandictionary.com/define.php?term=hipster

Tem definiçoes tanto positivas qto negativas.

Anônimo disse...

mas os hipsters sao limpinhos. comem comida organica, ate. andam de bicicleta. esses que fedem nao sao hipsters, em geral.

o urban dictionary nem sempre eh exato, hehe. qualquer um entra com sua definicao.


natalia

Anônimo disse...

definitivamente, o cara do into the wild nao era hipster (nao sei como ficou no filme, mas o cara do livro nao era). li o urban dictionary. as definicoes favoraveis foram escritas por hipsters. mas eu nao vejo como algo completamente negativo. o jeremy me chama de hipster de brincadeira, as vezes. e a gente pensa em morar em williamsburg. vamos la qulauquer dia, tem feirinhas e tudo mais. =)

nat

Helena disse...

«Pouco importa o tempo ou o lugar (...). Eu estou convosco e sei como é a vida.»
Folhas de Erva, Walt Whitman


Adorei este teu poste tão confessional. Gosto muito da forma como escreves.Seja o que for que decidas em relação a ficar ou ir, que seja bom para ti.

Anônimo disse...

Adorei o texto. Emocionante.

Concordo totalmente.

Bjs,
Marcelo