quarta-feira, setembro 19, 2007

Conversa de portaria I


No prédio onde moro, passamos anos submetidos à tirania do déspota seu Zêlho, o porteiro Zé Pentelho, que oprimia a todos nós, moradores indefesos que só queríamos entrar com nossos módicos saquinhos de compra pela entrada social. Eis que finalmente caiu a Bastilha do meu prédio, cabeças rolaram e o síndico foi deposto, junto a dinastia de porteiros tiranos – sim, pois nenhum porteiro mala sobrevive sem a conivência de um síndico cretino.

Seu Zêlho era realmente o terror. Meus parentes, amigos, namorados detestavam-no. Só um exemplo do que eu passava nas mãos do velho Zêlho. Eu tenho direito a uma vaga na garagem. Só que não tenho carro. Logo, a vaga fica vaga (dã). Formiga Mãe tem o controle da garagem. Mas, obviamente, meus amigos não. Então toda vez que alguém chegava de carro eu interfonava pedindo pra que ele abrisse a porta. Nada mais natural, certo? A vaga é minha, eu tenho direito. Mas ele sempre respondia, com seu indefectível porterês: “mar, nu tem o controle? O controle, nu tem? Nu posso abrir se nu tem o controle, todo moradô tem que tê o controle. Controlecontrolecontrole”. Cacete. Se ele tivesse o controle eu não pediria para abrir, não é Seu Zêlho? Tempos negros...

Os novos porteiros são gentis, gente boa e até bonitos – sim, o da noite é um gato, mas já descobri que ele é de Jesus e, sabe como é, concorrer com Jesus não dá. Levaram um susto enorme quando eu pintei o cabelo de preto. Desde que eles assumiram o poder eu já era ruiva. Logo, acho que o impacto foi maior. E eles gostaram, fizeram comentários elogiosos ainda que respeitosos (menos o da noite, claro, que é sério, muito sério, pois é de Jesus).

Um deles, particularmente, sempre que eu chego com as compras vem me ajudar (seu Zêlho se bobear ainda jogavam pedra nas minhas sacolas para que elas ficassem mais pesadas). Sempre comenta como eu sou forte, que as compras estão muito pesadas e tal. Na última semana eu vinha com uma bolsa realmente pesada. Ele vem pra me ajudar... “Dona Carrie, eu não acredito que a senhora conseguiu carregar essa sacola do supermercado até aqui! Mas tá pesada demais!”. Pensei em revelar minha identidade secreta de X-Man, de bebê nascido na clínica do Walmor Chagas em Santos, mulher de Gotham City (daquelas que confundem as histórias todas, né?), cujas articulações são de aço – o que me faz um tanto quanto inflexível, mas me dá força – mas apenas sorri e disse apenas: “que isso. Levinha!”, deixando-o embasbacado e confuso, sem saber se eu falava sério ou brincava.

Isso, aliado a minha falta de horários e de rotina deve contribuir para minha fama de superheroína. Movida a pizzas e entregas de farmácia fora de hora. Houve um tempo que o estado do Rio fez uma propaganda contra seqüestros, dizendo para que você denunciasse caso morasse perto de alguma casa de horários estranhos, com muita entrada de homem e movimento de quentinhas. Juro que eu fiquei seriamente preocupada com o fato de que alguém me denunciasse. Enfim.

2 comentários:

Anônimo disse...

Aiai, queria que os porteiros daqui também ajudassem a carregar sacolas, abrissem a porta de elevador e outras gentilezas...

anna v. disse...

nossa, seu porteirês foi o melhor que já vi, eer, sob a forma escrita. muito preciso.
aqui no meu prédio não tem nem porteiro, nem elevador. o que significa que eu, enquanto gestante, não posso trazer nada que pese mais de 1kg pra casa. ou seja, sou eu, a grávida inútil.