sexta-feira, agosto 31, 2007

Linhas emaranhadas


Há algum tempo uma questão de cunho existencial dependurou-se no trapézio do meu cérebro e pôs-se a dar piruetas nas horas mais impróprias. Ei-la: por que cargas d’água as pessoas têm uma necessidade quase compulsiva de avisar umas às outras que os seus cadarços encontram-se desamarrados? Pessoas estranhas, meros transeuntes em ruas lotadas que se dão ao trabalho de interromper suas trajetórias para avisar a um completo desconhecido que seu cadarço está desamarrado.

O leitor mais afoito, ali no canto dirá: mas é porque você pode cair e se machucar! Reflitamos, caros. Reflitamos. As chances de você já ter visto que o seu cadarço já se encontra em desalinho são grandes. Pois, como mamãe nos ensina, é bom olhar por onde se pisa. De modos que, se você ainda não se abaixou para amarrar o dito cujo, tal fato pode ter várias explicações: você pode estar com várias coisas na mão, o que dificulta a tarefa; você pode estar prestes a entrar em algum lugar, e assim terá mais calma para efetuar a operação ou pode ser simplesmente uma nova moda. Sendo assim, você tomará cuidado para não pisar no próprio cadarço enquanto caminha. Além disso, tropeçar é sempre um risco em nossas calçadas incertas e o cadarço é o menor dos perigos, na minha opinião.

E por que me irrita tanto esse hábito aparentemente inofensivo e repleto de boas intenções (mas como diz o ditado, de boas intenções...)? É que me impressiona muito – muito mesmo - a necessidade quase fisiológica que as pessoas têm de avisar o desamarrado dos calçados alheios. É um excesso de zelo que me choca. Eu não vejo essa gentileza se manifestando em nenhum outro lugar, em nenhum outro setor, a não ser nos cadarços desamarrados. Por vezes chego a levar tanto susto quando alguém me avisa que quase caio em função do aviso e não do cadarço. Pessoas sinalizando com veemência, apontando para os seus pés com cara de espanto, falando alto, insistindo mesmo quando você está ouvindo música no último volume – fazendo com que você tenha que interromper sua atividade musical para escutar o que eles tentam te dizer...e eu me pergunto: há necessidade de tanta celeuma? E não é apenas uma pessoa ou duas; às vezes são tantas, mas tantas, que simplesmente é mais fácil você se abaixar e amarrar para evitar o incômodo de ser interpelado a todo o momento por estranhos.

Eu nunca aviso que o cadarço dos outros está desamarrado. Como já disse, vai que é uma nova moda? Da mesma forma que as pessoas acham um risco andar com o cadarço desamarrado eu acho um enorme risco andar de salto agulha em plena calçada. E nem por isso me meto nos hábitos calçadísticos alheios. As chances de você prender o salto em uma das reentrâncias das nossas péssimas calçadas são ellllooooormes! Já pensou se eu saísse avisando: oi, seu salto é agulha! Dãâ, diria a mulher. Eu sei! Pois é. Eu também sei que meu cadarço está desamarrado. E levo mais susto com as pessoas tentando me avisar do que com qualquer ameaça de tombo. Acho que têm pessoas cujo objetivo ao andar pelas ruas é olhar pros cadarços dos outros. Elas acham que estão salvando a vida do ser humano. Por que essas mesmas pessoas não auxiliam idosos a atravessar as ruas ou qualquer outra boa ação?

A leitora ali do canto está rindo e dizendo que eu estou muito ranzinza. Sou, mas não por isso, caríssima! O que me impressiona é que esse excesso de gentileza contrasta com o restante do comportamento do indivíduo na sociedade. Ninguém é capaz de ceder o lugar a uma mulher ou a uma pessoa mais velha em um transporte coletivo; ninguém cede o lugar na fila do banco; ninguém se oferece para pegar os seus embrulhos quando você está atolada pegando a correspondência na caixa de correio – o máximo da gentileza é segurarem o elevador pra você –; ninguém deixa você passar na frente na fila do supermercado quando você está apenas com um pãozinho, então PORQUE CARALHOS PRECISAM AVISAR INSISTENTEMENTE QUE O CADARÇO ESTÁ DESAMARRADO?? O sujeito escarra em público, joga um papel de bala no chão e em seguida diz seu cadarço está desamarrado. Eu queria entender a lógica por trás dessa frase. Não é possível que seja apenas uma preocupação com a minha segurança. Aliás, é bem capaz de, durante um assalto, o meliante olhar pra você e dizer isso é um assalto - seu cadarço está desamarrado - passa tudo. Tamanho acesso de gentileza que as pessoas têm em alertar estanhos na rua sobre o estado de seus cadarços.

Eu tento amarrar os meus cadarços de maneira firme – às vezes dando aquela dupla volta – a fim de evitar a abordagem de estranhos. Mas aí caio em outro dilema existencial, a saber: a dificuldade de desamarrar ao chegar em casa. Escolhas. A vida é feita de escolhas. Na dúvida, saio de sandália ou sapatos que não possuem cadarços. Mas às vezes a caminhada é longa e um bom tênis é a melhor opção.

Queria saber se isso é algo tipicamente brasileiro – ou carioca até. Merece estudos mais aprofundados. Teses sociológicas: “O mito da cordialidade no seu cadarço está desamarrado”. Até lá aceito sugestões dos meus sábios leitores. Vocês acham que o cadarço desamarrado é de fato uma ameaça e eu estou pondo em risco minhas saúde ao neglicenciá-lo? Vocês avisam as pessoas na rua que seus cadarços estão desamarrados? Aguardo comentários.

10 comentários:

Anônimo disse...

Poxa, eu nunca passo por isso porque meu nó duplo nunca desamarra... Acho que vou fazer essa experiência um dia, porque é realmente intrigante, Carrie. Musiquinha do Twilight Zone.

Marcia disse...

é o mesmo problema do "a porta está aberta" ou "o farol está aceso".

Anônimo disse...

Assim como o nervocalm, meu nó duplo também não desamarra. Ao chegar em casa é só tirar o tênis, o laço continua intacto. Muito prático!

Carrie, a Estranha disse...

Nervocalm e Azure,

Mas esse é o dilema: se o nó é duplo, como tirar o tenis com facilidade chegando em casa? Como o nós permanece intacto? então é sinal que ele não estava muito firme. E na hora de calçar novamente o tenis vc terá q desfazê-lo.

Marcia,

Sim, Formiga Irmã fez essa mesma observação q vc fez ao ler esse texto. A pessoa quase bate, te dá uma fechada, tudo para avisar q sua porta está aberta.

Mas a minha angústia continua, caros.

bjs

Anônimo disse...

Hehehe... Embora não consiga me lembrar de ter acontecido comigo - acho que dou sorte com cadarços, ou talvez os amarre com muita força - sua abordagem é muito perinente... Quem sabe seja uma forma de as pessoas sentirem-se seres humanos melhores sem muito esforço. Porque ajudar velhinhos a atravessar a rua, ou segurar embrulhos, são coisas mais trabalhosas. Já pra avisar do cadarço, nem é preciso parar. Não se perde tempo nem se faz qualquer esforço... Bom. É uma teoria...
Bjs.

Anônimo disse...

Ah, Carrie, não sei te dizer. Eu tiro/calço o tênis com a maior facilidade e o laço fica lá, bonito. Acho que já fiquei uns 5 meses sem ter que amarrar o cadarço. Vai ver tem alguma técnica oculta envolvida...

Monica disse...

Carrie,

Eu nunca aviso... e pra não passar pelo incomodo do cadarço do meu tênis desamarrado x pessoas desconhecidas enchendo a paciencia... prendo o cadarço na lateral do tênis... fica torto sim, mas ninguem perturba... :-D

Anônimo disse...

sabe o que adoraria que me avisassem?
coisas úteis, tipo: vc esqueceu de cortar a etiqueta da sua blusa, tá todo mundo vendo que ela custou R$9,90. Ou: para de ficar rindo pra todo mundo, tem um caroço de feijão no seu dente!
Que ngm me venha com cadarços desamarrados!

leila disse...

uma senhora me avisou que o meu cadastro estava desamarrado. foi lá na rua 25 de março

Anônimo disse...

Por isso compro tênis sem cadarço.

Quando é um zíper aberto ou uma sujeira nos dentes ninguém avisa né? incrível...

Beijos