quinta-feira, maio 31, 2007

Os russos e eu e as propagandas cretinas


Esse semestre estou tendo um profundo contato com a literatura russa. Estamos assim ó: unha e carne. A Nevsky pra mim é a Praia do Flamengo e a rua Arbat, a de Botafogo. A princípio o romance russo é um pouco complicado porque as pessoas têm três nomes: o nome, o patronímico e o sobrenome. O patronímico é o nome do seu pai com a terminação específica: mais ou menos “vitch” para homens e “ievna”, para mulheres – devo estar errando uma ou outra letra, me desculpem. Então se seu pai se chama Ivan e você José, seu nome será José Ivanovitch + o sobrenome (que é algo lotado de consoantes e igualmente impronunciável). Se você também se chama Ivan, seu nome será Ivan Ivanovitch + sobrenome. Fora o hipocorístico, que é uma redução carinhosa do nome, tipo um apelido. Que, para nós, não tem nada a ver com o nome. Exemplo: o hipocorístico de Sofia é Sônia; de Tatiana é Tânia; de Afanási é Afonka; de Andriéi é Andriucha; de Aleksei é Alióchenko; de Fiódor é Fédia; de Mikhail é Micha; de Pável é Pacha ou Pachka; e, na minha opinião, o mais incompreensível de todos: de Aleksander ou Aleksandra é Sach, Sacha ou Sachka.

Aí você está lendo tranqüilamente seu romance russo e de repente surge uma Sacha ou um Afonka no meio da história e você não entende da onde. Ou um personagem chama o outro pelo sobrenome e na outra frase pelo nome e patronímico e beleza. Até eu entender isso demorou um pouco. E até hoje faço listinha dos personagens, para não me perder. Sem contar que os nomes, para nós, são todos muito complexos e impronunciáveis. E às vezes se diferenciam um do outro por duas letras. Mas tudo bem. Um dia eu chego lá.

A pior situação é de uma amiga que tem como objeto do seu doutorado a literatura russa. Daí ela teve que aprender russo para ler no original. O quê? Alfabeto cirílico? Hahaha!! Diz ela que isso é o mais fácil. O problema é que o russo, assim como o alemão e o latim (não sei quais outra línguas têm isso também), possuem as famosas derivações. A palavra “vira” substantivo ou adjetivo ou sei lá mais o quê dependendo do lugar que ocupa na frase (me corrijam, pois eu devo estar falando algo errado, mas é mais ou menos isso). Você vai meio que "criando" as palavras. Que vão ter uma terminação diferente dependendo desse lugar. Os verbos tem lugar fixo ao final da frase e outras maluquices desse tipo. Quer dizer, dicionário não adianta de muita coisa. No alemão existem quatro ou cinco derivações, eu acho – de novo: me corrijam leitores que me acessam da Alemanha! – e no russo parece que são sete. Quer dizer: é justo que ela também tenha apenas 4 anos pra fazer a tese dela, como todo mundo?

Hoje comentávamos sobre a infame propaganda da Net com um general russo. Eu já disse aqui e repito: de onde a Net tirou essa idéia medonha? Isso quer dizer o quê exatamente? Que minha TV por assinatura é da época da perestróika? Tão moderna quanto a múmia de Lênin? Fala sério! Enfim, voltando ao assunto, essa minha amiga dizia que umas 3 pessoas já vieram perguntar pra ela o que significa “skavusca” por causa da propaganda! Povo sem loção!!

E o pior – como assim agora é que vem o pior? – é uma outra amiga que estuda um pintor russo – Malevitch - do início do século XX que pinta, dentre outras coisas, quadrados pretos e vermelhos! (Claro que não são “apenas” quadrados, mas...enfim, são quadrados). Aí tinha uma época em que a coca cola light fez uma série de propagandas cretinas: “para você que canta e letra sem falar inglês...uma coca cola light”, se lembram? Tinha uma que era: “pra você que olhou para aquele quadrado preto na parede e disse: é apenas um quadrado preto...uma coca cola light”. Ela ficava muito puta! Porque "apenas esse quadrado preto” tem tudo a ver com a concepção política do sujeito, que é um dos expoentes do suprematismo russo e blá blá blá. "Só" é, ao lado de Marcel Duchamp, um dos pais da arte moderna - mas porque é russo não tem tanta fama quanto amigo francês. Ah, mas você precisa saber disso tudo para apreciar o quadro? Precisa, leitor. Esse é (um dos) dilemas da arte moderna. (Ouviram, crianças? Se vocês não estudarem vão virar todos publicitários e fazerem propagandas cretinas!).

E eu ainda reclamo porque o Rubem Fonseca não fala comigo.

8 comentários:

Anônimo disse...

Hahahaha!Quase morri de stress lendo um pouco de literatura russa.E desisti dos filmes japoneses.No filme A Balada de Narayama não sabia se chorava ou tentava decorar os nomes e rostos.
Beijos.

Anônimo disse...

oi carrie,
nossa imagino q russo seja mesmo bizarro. eu tive um aluna q fazia letras: português-russo. foi a única q conheci. mas até q tinha vontade de aprender algumas línguas exóticas! adoro essas coisas.
então, o lance q rola com latim, alemão e tal eu aprendi como "declinações" e não "derivações" - não sei esse termo tb é usado...se não me engano no latim são 6 e no alemão 4.
é mais ou menos aquilo mesmo q vc explicou - a palavra adquire uma terminação diferente se for sujeito, objeto, predicativo, etc. na verdade, mtas vezes ela pode vir em qq parte da frase sem a famosa ordem suj. + verbo + obj. pq sua terminação dá sua função, então não é ordem q dá o sentido.
deu pra entender mais ou menos? a coisa é complexa mesmo!
adorei a explicações sobre os nomes russo - agora devo poder ler meu "crime e castigo" sem problemas!
bjks

Carrie, a Estranha disse...

Oi, Bella!

Isso, isso, isso! Obrigada pelas explicações! É, são declinações! Como eu disse, alguma bobagem eu estava falando!

Ah, eu lamento não ter nascido na época em que os alunos eram obrigados a estudar latim na escola. Perda irreparável!

bjs

Anônimo disse...

Ah, pois é, declinações, pelo que me lembro também. E elas variam de acordo com a função sintática, com a classe gramatical e também de acordo com o gênero, que em alemão pode ser masculino, feminino ou "neutro", que eu sempre achei uma concepção sensacional e ultramoderna.

Sérgio Mayor de Andrade disse...

E o diminutivo carinhoso de Ivan (João) é Vânia.

Anônimo disse...

Adorei o texto. Senti a mesmíssima dificuldade quando fui ler "Irmãos Karamázov" pela primeira vez, lá nos meus idos 18 anos... Mítcha ser apelido para Dimitri, que coisa mais esquisita... por outro lado, imaginei que para eles entender que "Chico" é apelido de "Francisco" e "Caíque" é apelido de "Carlos Henrique" também deve ser meio estranho, embora para nós seja óbvio.

Vou começar a estudar alemão no semestre que vem... será que é assim mesmo tão difícil?

Anônimo disse...

Meu, eu também já cocei muito a cabeça vendo a tal propaganda da Net. "Mas por que um russo? Que que tem a ver? De onde saiu essa idéia?" Eu gostaria de freqüentar, na condição de mosquinha, essas reuniões de publicitários, marqueteiros e afins pra melhor entender a humanidade.

E quanto aos personagens russos, trecho de um dos meus livros preferidos:

Nunca consegui acabar uma novela russa. São tão trabalhosas... Aparecem milhares de tipos e afinal verifica-se não serem mais de quatro ou cinco. Quando começas a tomar conhecimento de um senhor chamado Alexandre, logo verificas que se chama Sacha e logo Stachka e logo Sachenka e de repente algo grandioso como Alexandre Alexandrovitch Bunine e mais tarde passa simplesmente a Alexandre Alexandrovitch. Mal acabas de te orientar e já te despistam novamente. É coisa de não terminar: cada personagem parece uma família.

É do Túnel, do Ernesto Sábato.

Uf, comentariozão.

Carrie, a Estranha disse...

Clarissa,

Obrigada, obrigada. Insista. Os russos valem a pena.

Ah...Nervocalm,

Muito bom o trecho citado. Não conheço o autor.

bjs