sexta-feira, setembro 19, 2008

Essa temporada em NY está me fazendo repensar seriamente minha moradia no Rio. A gente vive mal demais no Rio. O custo de vida é alto pra cacete, como aqui, mas você não tem a qualidade de vida daqui. Aliás, acho que é igual em quase todas as grandes idades brasileiras, mas só posso falar da que eu mais conheço. Faz toda a diferença você poder andar na rua sem estar ligada o tempo todo. Poder sair e pensar que pode voltar a qualquer horário e ir em qualquer lugar - tá, ir ao Bronx as duas da manhã não é uma boa idéia, mas é diferente. Poder andar com as coisas e não ser assaltada.
E outra grande diferença cultural. Exemplo: marquei a conversação de inglês com o Jimmy, meu amiguinho. Marquei pra 9:30 da manhã. O interesse era meu, porque ele disse que podíamos falar em inglês o tempo todo, já que ele mora com um brasileiro. Ele tava sendo super gente boa de me encontrar. Ele trabalha e faz mestrado. Pensei comigo: claro que ele não vai estar lá na hora. Cheguei dez minutos atrasada - juro, só 10 - porque em geral sou uma pessoa pontual e, no Brasil, 10 minutos atrasada para um encontro entre amigos é ser suuuper pontual. Ele já estava lá. Morri de vergonha, pedi desculpas e ele disse: "não, tudo bem! Sei que você é carioca então já sabia que você ia chegar 10 minutos atrasada" (lembrando que ele já morou no Rio).
Morri de raiva e vergonha. 1) Não sou carioca, sou fluminense, papa-goiaba ou gothamcitiana, se preferirem e me orgulho de minhas raízes interioranas (tá, não orgulho, não, mas também não escondo); 2) Me identifico pouquíssimo com a cultural carioca; 3) Quando isso é sinônimo de bagunça, detesto.
Esse mesmo menino disse que adorou o Rio, que tem tudo a ver com ele porque as pessoas passam o dia na praia, não são estressadas e não vivem pra trabalhar.
(Pausa)
Eu sei, amigos cariocas. Eu sei que a gente trabalha muito no Rio. Mas a cultura é da vagabundagem. Desde o malandro da Lapa dos anos 30. É bonito e bacana você ser vagabundo. Você viver na praia. Até quando se trabalha muito, isso não é visto como uma coisa boa, como o paulista. Exemplo: quando eu perco um fim de semana de sol enfurnada dentro de casa, no Rio, estudando, as pessoas acham que eu sou um alien. Aliás, meus amigos se dividem em dois grandes grupos: os que acham que eu não faço porra nenhuma da vida e os que acham que eu sou uma nerd/maluca/velha que passa o dia lendo. (Os dois estão certos e errados em alguma medida).
E, pontualidade...bom, isso vocês todos têm que concordar que nenhum carioca é pontual. Cara, isso me irrita muuuuito. Vocês não tem noção. A pessoa fica de te ligar as 5 da tarde e te liga as 7:45, dizendo que ficou enrolada. Fica de te encontrar e não vai, sequer dá satisfação, depois liga no dia seguinte e sequer se dá ao trabalho de dar uma desculpa elaborada. "Ah, mas eu tava ocupada!". Eu eu não, né amigo?! Eu não faço porra nenhuma da vida! Em qualquer encontro entre amigos no Rio se você não chega com pelo menos 15 minutos de atraso fica até feio. Parece que você tá ansioso pra ver a pessoa. Mesmo em reuniões de trabalho um atraso de quinze minutos é mais do que aceitável. Em aula, nem se fala. Aula que não começa com 30 minutos de atraso em federal e pelo menos 15 em particular não é aula. E festa? Se a pessoa marca pra 9, 9:30, isso quer dizer que você pode chegar a partir das 10, 10:30.
Alguns dos meus amigos aqui são um casal brasileiro de São Paulo (ele) e ela do Sul e ambos moram no Sul hoje em dia. Conversando sobre as diferenças que a gente vê entre a cultura daqui e a do Brasil - inúmeras - sempre quando chegamos no quesito horário, responsabilidade eles dizem "ah, não. Isso é porque você mora no Rio. Em SP e no Sul tb é assim".
Esse mesmo amigo estava procurando um livro chamado "O trabalhador carioca". Daí ele chegou numa livraria em SP e perguntou. O vendedor olhou pra ele, com a cara mais séria do mundo e disse: "é um livro de ficção científica, né? Só pode".
E isso é visto como qualidade. Os cariocas são descontraídos. São leves. São festeiros. O paulista é mala. Estressado. Trabalha muito. Cara...foda-se. Caguei. Não sou assim, não quero ser assim e vou parar de tentar ser. Morei 12 anos numa porra de uma cidade que não tem absolutamente nada a ver comigo, tenho alguns amigos lá, alguns cariocas, mas...tem uma hora que chega, né? Você fica se perguntando se vai passar a vida num lugar que não tem nada a ver com você, tentando se adaptar, gostando das coisas que não são exatamente a marca regristrada da cidade - museus, teatros, cinemas, livrarias, cafés, Centro do Rio...- e detestando as que todo mundo gosta - praia, samba e futebol. E pensando que há alguma coisa de errada com você, por querer trabalhar, por querer chegar no horário das coisas...se você é mala. É, talvez você seja mala. Assuma. Eu sou uma mala. Não quero ficar que nem uma tia minha, carioca, que morou grande parte da vida no interior de SP sempre reclamando e querendo voltar pro Rio - agora ela finalmente vai voltar.
Quando eu mudei pro Rio eu odiava a cidade. Depois de um tempo eu me acostumei, passei a gostar, em função de certas coisas que eu fazia (como o teatro). Cheguei a gostar até muito, baseado no tanto que eu detestava. Cheguei a achar que passaria a minha vida ali. Mas agora eu vejo que não. Outro mundo é possível. E Nova York é o anti-Rio. É mais parecida com Andrelândia do que com o Rio (ambas têm segurança, ambas têm bons programas de graça, ambas são muito frias e muito quentes, ambas não têm praia, ambas têm pessoas gentis e não mal educadas como no Rio...). Por isso esse sentimento anti-Rio tem crescido dentro de mim.
Esse meu amigo paulista diz que NY se parece muito com SP. Não sei se me adpataria em SP. Mega-engarrafamentos...mas quem sabe, se eu tivesse um bom emprego e morasse perto? Quem sabe...
Sei lá. Chega uma hora que chega, né? Não falam que todo mundo que vem pra NY sai de dentro do armário? Pois é. Saí do armário. Sou uma pessoa urbana, cinzenta, ranzinza, rabugenta e anti-Rio. Me estressei em Salvador! Vocês conhecem alguém que se estressa em Salvador? Eu! Tudo muuuuito lerdo. Muito demorado. Sim, os estrereótipos são verdadeiros, a princípio. Eu disse a princípio.
E as pessoas ainda dizem: "ah, mas a beleza do Rio o redime de qualquer problema". Redime só se for pra você, cara pálida. Pra mim não redime porra nenhuma. "Ah, mas não tem cidade mais bonita que o Rio". Bom, eu conheço pouca coisa, mas conheço algumas capitais e cidades da Europa e da América Latina e discordo veementemente.
Engraçado é que antes de eu vir pra cá eu já estava voltando pra Gotham - que também é uma cidade que eu não sei se quero morar pra sempre. E as pessoas me olhavam espanatadas, como se fosse uma derrota, um retrocesso, como se eu tivesse pondo tudo a perder - como se não fossem só duas horas entre as duas cidades e como se não fosse uma decisão que pudesse ser desfeita a qualquer momento (também porque eu estava "voltando pra casa dos pais" e, enfim...minha família é mala e as pessoas se metem nas vidas umas das outras o tempo todo e quando você é a caçula, mais ainda). Aí quando saiu essa bolsa as mesmas pessoas disseram "ufa, que alívio! Essa viagem vai te abrir os horizontes!". Com certeza me abriu. Me abriu pra pensar: Rio, se Deus quiser, nunca mais.
Mas meu destino depende dos concursos pra faculdades públicas. Onde tiver, eu tô indo. E aposto que agora só porque eu não quero vai ter um no Rio.
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Como diria algum escritor que não me recordo agora: "nada mais provinciano do que querer morar na Capital". Tenho longas considerações sobre esse embate Capital x Interior. Mas deixa pra depois. Porque no final das contas isso não faz a menor diferença. Mas você só sabe disso depois de morar nas duas.
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Essa outra garota com quem eu troco conversações tem um percurso profissional/acadêmico super curioso. Ela fez graduação em Literatura Hispânica e o objetivo dela é trabalhar com ONGs, terceiro setor na América Latina. Então, ela procurou um mestrado em Administração Pública e Literatura/Cultura Latina. Não achou - talvez porque não exista, né? - e resolveu fazer um mestrado só em administração. Aí eu perguntei pra ela de onde vem esse interesse pela cultural hispano-latina. E ela disse que fez uma viagem com 13 anos pra Espanha e isso abriu a cabeça dela. Que ela começou a achar a cultura dela extremamente chata e as festas na casa dos amigos sempre mais legais, a família mais legal, a cultura mais legal.
Em compensação ela chegou falando português bem melhor. Eu disse pra ela: "você andou estudando?" e ela: "sim". Ela é super ocupada, tem dois empregos + mestrado, tem a possibilidade de ir pro Brasil daqui um ano e mesmo assim encontra tempo de estudar um pouco todo dia. Eu estudo inglês desde os 13 anos de idade, sempre sem muito afinco, parando e voltando, e, mesmo antes de vir pra cá não estudei muito porque jurava que não ia conseguir a bolsa.
Engraçado demais esse olhar estrangeiro sobre a "nossa" cultura - latinos em geral. É, se for pensar sob o ponto de vista da minha família e amigos eu não trocaria a minha cultura por nada desse mundo. Mas eu gostaria de falar três línguas, como ela. Aí as pessoas vem com esse papo de "um meio termo entre as duas". Não dá, amiguinho. Não existe meio termo. Meio termo seria descaracterizar qualquer uma das duas culturas. O que ambas tem de bom são também seus defeitos. Aliás, cada vez mais acho que o que as pessoas têm de melhor são os seus defeitos.
Mas que eu fico chocada com o profissionalismo e o quanto eles são focados, isso eu fico. É algo que no Brasil seria visto como piada.
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É, tá foda. Tô repensando profundamente meus rumos aqui. Porque também não sei se eu viveria aqui pelo resto da vida. Complicado demais. NY é o máximo, mas assim como o resto dos EUA, é muito legal se você se insere no seu nicho. Se você é afro americano, aja como afro americano, lute pelos seus direitos, contra o racismo e tal. Se você é gay, se assuma, saia do armário e lute pelos seus direitos. As diferenças são super toleradas desde de que você esteja, de fato, em um grupo (ou vários). A mistura não é tolerada. "Gosto de hispânicos, mas meu filho não estudaria num colégio de hispânicos". "Não sou racista, mas os indianos fedem". Aqui há grupos de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros; Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros Judeus; Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros Afro Descendentes; Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros Católicos e por aí vai.
Esses dias eu vi uns pré-adolescentes no metrô, todos eles latinos. Os meninos provocando as meninas e vice-versa (naquela idade em que você fica provocando, porque não sabe dizer que gosta. Bom, alguns permanecem nessa idade pra sempre). E eles se xingavam dizendo: "Você é da Bolívia?". E a menina fazia uma cara de "claro que não". Confesso que na hora do Brasil não entendi muito bem, porque o menino disse: "ah, nem vou perguntar se vc é do Brasil..." mas eu não ouvi o resto. Bom, fica pra pensar. Aqui ser latino é um xingamento. A não ser que você se assuma enquanto latino e fique no seu nicho. Nada de tentar entrar no círculo WASP.
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Vocês querem saber qual é o meu sonho, tipo o meu graaaaande sonho, mesmo? Posso falar só pra vocês? Vocês não contam pra ninguém? Fica só entre nós? Então cheguem aqui pertinho: meu sonho é ser uma graaaaaaaaande escritora, tipo o Rubem Fonseca, morar no meio do mato - em Santana do Garambéu, quem sabe - numa puta casa, com tuuuudo, com muitos cachorros e gatos, com muitos quartos pra receber pessoas, ter uma super rede wireless, uma super antena parabólica, e passar metade do ano entre Europa e EUA, dando conferências em universidades, cursinhos rápidos, e o resto do ano no Brasil, enfurnada na minha casa, sem ter que conviver com muita gente a não ser meus amigos, alguma família, sem precisar dar aula, sem aguentar alunos chatos, mal educados e burros de universidade particulares, nem folgados e arrogantes das federais, nem esse climinha de cadimia (não de ginástica). Não eu não quero melhorar meu país. Eu não quero contribuir. Eu não quero ser empreendedora - aliás, odeio essa palavra.


Eu quero ter uma banda de rock que nem o Stephen King: só por curtição. Minha banda seríamos eu,
Cósnis, Kadu, Cássio e mais quem quisesse.Tocaríamos Ramones, Nirvana, Pixies, Red Hot, Cachorro Grande, Mutantes... Eu ia cantar. E a gente ia se apresentar no Campestre Clube de Andrelância e na San Remo e em São Vicente e em Arantina e Bom Jardim, tb. Tomando cachaça. E eu faria performances teatrais.E leríamos poesias do Cósnis. E as pessoas viriam me ver, que nem elas vão ver o Woody Allen tocar clarineta. E as revistas me citariam como uma pessoa "estranha" e "excêntrica" avessa a badalações do meio literário, misantropa e esquisitona. E me achariam maluquinha. E eu seria muito cool. Sem precisar ir a grandes cidades. Com minha obra sendo adaptada para a TV e o cinema - ah é: poderia escrever alguns roteiros pro cinema e peças de teatro para minha amiga Ju Torres - ganhando muito dinheiro (igualzinho ao Rubem). Eu só iria as grandes cidades para as minhas estréias.


Eu criaria meu "paraíso artificial". Sem ópio. Com cachaça, amigos, literatura, rock and roll, antepassados (vivos e mortos) convivendo pacificamente entre bebês, muitas crianças pra eu conversar - ah é, eu também teria filhos nesse meu sonho - muitos livros. Mais ou menos a idéia do Paul Auster em "Desvarios no Brooklyn", quando ele compara Edgar Allan Poe e Henry David Thoureau e fala em juntar todas as pessoas que ele ama em uma só casa e viver isolados, já que o Bush acabou de ganhar as eleições.



Enfim, mas é só um sonho. Só um delírio. Mas já que é pra delirar, que seja completo o delírio.

7 comentários:

Marcia disse...

Eu acho que o esterótipo do carioca vagabundo já deu o que tinha que dar. Eu trabalho uma média de 10/12 horas por dia. Nunca chego em casa antes das 22 horas. A maioria das pessoas que conheço trabalha muito. São todos cariocas. Quando eu ligo para a filial de São Paulo às 18 horas (hora em que o expediente teoricamente termina) não encontro ninguém. Só a secretária eletrônica. Afinal os paulistas têm horas e horas de engarrafamento pela frente até chegar em casa.
Claro que existe a galera da vagabundagem, mas isso existem em qualquer cidade do Brasil. Apenas convencionou-se dizer que o carioca é vagabundo, que não sai da praia, etc e tal.

Anônimo disse...

Caramba, esse seu paraíso é demais...

Hetie & Claudio disse...

Bom, meu amor, se eu aguentasse o frio dai, eu estaria morando ai ao inves de Miami...eu amo NYC ...mas o que fazer...ainda me rebelo e vou morar ai, custo os resfirados que custarem...agora, morar no Brasil, so se eu ficar MAIS alzheimeirada e meus filhos me amarrarem e me mandarem de volta pra la...
cuidado, heim!!!! vou deixar no meu will que se eu ficar MAIS lele,e me mandarem para o BR, vou dar o endereco dessa sua casa que vc vai ter e vc, como vai ser rica, pode me dar um prato de comida, certo? beijos
(rsrsrsrsrsrsrsrsr)

Anônimo disse...

Então este é o efeito de você ficar sem televisão em uma sexta-feira à noite.

Carrie, a Estranha disse...

Joel,

HAHAHAHAHA...muito bom, seu comentário. POde ser, pode ser...

Hetie, fofa!

Eu cuido de vc! Eu cuido! Pode vir que eu cuido!

Peterson,

É, meu paraíso é bem legal. Ele aceita inscrições. ;)

Marcia,

Por isso eu disse q é um estereótipo.

Bjs a todos

Helena disse...

O meu sonho, não contes para ninguém, tem fortes semelhanças com o teu. Um dia nós conseguimos!

Júlio César Meireles de Andrade disse...

Cosnis, gostei do delírio, inclusive nossa banda poderia chamar-se deliriun´s band, ou deliriun´s bar, ou algo assim (risos).
Gostei dos comentários no meu blog.
Aquela foto do João Francisco se escondendo é demais. Me deu tanta inspiração que não escrevi nada, somente postei a foto que já fala por si.
Estou com saudades,
um abraço.