segunda-feira, junho 30, 2008

Bonde sinistro, bonde do terror


Quando eu digo que Volta Redonda (vulgo Gotham City onde o céu é rosa, como diria meu amigo Denis) é um lugar estranho, mas Barra Mansa é muito, muito, muito pior, as pessoas não acreditam – Karine e Marcele, não façam essas caras que eu sei que vocês concordam comigo; aliás, vocês são a exceção que confirma a regra (de que todo barramansuíno é escroto). Quer dizer, aí é a maçã falando que o tomate é vermelhinho. Ou o roto falando do esfarrapado. Mas o fato é que Volta Redonda é um tiquinho assim melhor que BM. Tá bom, um tiquinho maiorzinho. Ok, é bem melhor. Mas nem é pra falar especificamente de BM esse post. É pra falar do ônibus bizarro que eu peguei pro Rio semana passada. Ônibus da gloriosa empresa Cidade do Aço que vem de Barra Mansa, já com os barramansuínos instaladinhos do lado direito de quem entra no ônibus.

Aí vai um parênteses pra falar dos meus anos de convivência com a viação Cidade do Aço. Como vocês sabem, Volta Redonda é uma grande Tijuca – ou uma Niterói sem praia. Aquele lugar que “se acha” baseado em não sei em que – e Barra Mansa se acha mais ainda baseado em menos ainda (sem contar que a Tijuca pode ser a Tijuca, mas é Rio. Niterói pode ser Niterói mais tem praia, enfim....pegaram?). Então Volta Redonda se acha chique. Daí que a viação Cidade do Aço tem o serviço de ônibus Executivo Non-Stop (claro, pra ser tijucano total só colocando um título em inglês, né? Afinal, escrever “parador” ou “direto” é coisa de pobre) que te leva de Rodoviária a Rodoviária. Hein? Mas não era pra ser assim? Não, tolinho leitor da Zona Sul. O ônibus Convencional (vulgo Comum ou Normal – como se o executivo fosse Anormal) pára onde o passageiro quer. Em Seropédica, na Baixada, na Dutra... bobeou o ônibus pára, quer seja pra descer ou subir gente. Não chega a ser um cata-jeca como o VAB (Viação Alô Brasil ou Viação Andrelândia-Barra Mansa ou Viado a Bordo, escolha), mas é mais parador que o Non-Stop (pois o Non-Stop Não pára, não pára, não pára!).

Outro diferencial é que o serviço Não pára, não pára, não pára! tem água gelada e cafezinho a bordo (muito no início eles davam revistas tipo a Quem Acontece! Ou a Caras. A Glória das Glórias! Hosana nas Alturas! Mas há tempos eles só dão café e água). E...tcharãn! Um tapete vermelho na porta. É sério. Não é piada. Eles colocam um tapete vermelho pros passageiros entrarem. Tá, não é um mega tapetão estilo Red Carpet do Oscar, mas é um capacho vermelho que é colocado estrategicamente na entrada do busão pra você se sentir membro da elite. Cidadão de bem, pagador de seus impostos, cumpridor dos seus deveres.

Outro diferencial do serviço Não pára, não pára, não pára! é que o motorista entra, pega o microfonezinho e diz: boa tarde, senhores passageiros. Eu sou o motorista Wanderley – ou qual seja o nome do motorista – e vou conduzi-los até a cidade do Rio de Janeiro. A bordo nós temos água gelada, cafezinho e aqui na frente bala (ah é! Já ia me esquecendo das balinhas). Lembramos que não é permitido fumar no veículo e que esse é um serviço Non-Stop (Não pára, não pára, não pára!) só parando nas rodoviárias. Tenham todos uma boa viagem. Às vezes não tem microfone e o cara vai no gogó mesmo.

Cara, a primeira vez em que eu ouvi isso eu tava sem ninguém pra compartilhar esse momento Tosco Tijuca Country Club. Depois que ele largou o microfone minha vontade era ir lá, pegar e começar a cantar: “stangers in the night, two lonely people. We were strangers and the night...é com vocês agora! Everybody! Lararirara!".


Tudo isso é pra ambientar vocês no Cidade do Aço. Cidade do Aço não é só um ônibus, é todo um conceito (ou um pré-conceito). Tijucano.


O serviço Convencional é basicamente a mesma coisa, sem essas frescurinhas e dois reau mar barato (e ambos são mais caros do Rio pra VR). Mas o ônibus Convencional tem ar condicionado também – só não tem quando é feriado e eles colocam carro extra, isto é: ressuscitam todas as velharias da empresa.

A Cidade do Aço tem o monopólio da linha BM/VR-Rio, portanto como em toda organização comercial desse tipo, eles impõem o preço que querem. E o serviço que querem.

Em geral eu pego o ônibus do próximo horário, não me interessando se é Convencional ou Não pára, Não pára, Não pára! Essa semana, indo de VR pro Rio peguei um Convençazinho básico de 11:50. Horário tranqüilo, dia tranqüilo (terça), na semana anterior tinha ido pouquíssima gente. Pois é. Nessa semana resolveu ir todo mundo. O ônibus tava lotado.

Chegando na minha poltrona já fiquei de má vontade ao ver que minha vizinha de poltrona era gorda. Gordos: 1) ocupam muito espaço; 2) não raro comem durante a viagem. Sim, eu sou gorda e reproduzo o padrão de preconceito para com os da minha classe e etnia (porque o gordo é antes de tudo um safado). Mas tudo bem. Sentei-me no corredor, peguei meu livrinho e vamos embora.

Aí começaram as aventuras.

Na minha frente eu descubro que a moça tava indo visitar o marido (namorado, noivo, sei lá) preso. Ele tava na condicional, aí comprou um carro que ele não sabia que era roubado e foi preso. Claro, vocês conhecem alguém que está preso e é culpado? Todo mundo é inocente.

Atrás de mim uma senhora, também de idade indefinida (essa tipo 49 ou 57) que não parava de atender o celular.



- Marcela, vai pra faculdade, Marcela. Marcela, eu tô mandando, Marcela. Vai pra faculdade, Marcela. Anda, Marcela. Troca de roupa, Marcela. Chama seu pai, Marcela. Marcela, você me obedece, Marcela.

E a Marcela voltava a ligar e recomeçava tudo:

- Marcela, eu já falei pra você ir pra faculdade, Marcela. Marcela, só essa semana Marcela, Marcela...por favor, Marcela...

Já comecei a imaginar tudo: a Marcela não tava gostando do curso – o que ela fazia? Aposto que devia ser Comunicação – e queria parar de estudar.

De novo toca o cel:

- Marcela, eu já falei pra você ir pro curso, Marcela! Você sabe o duro que eu dou pra você estudar, Marcela!


Porra, Marcela! Eu tava quase ficando solidária a você, mas agora tô perdendo a paciência! Tipo: quer matar aula, mata. Mas pra que ficar ligando toda hora pra mãe? E o negócio não parava! (Não pára, não pára, não pára!). Sem sacanagem, a Marcela ligou umas 6 vezes pra mãe (só a partir do momento em que eu comecei a prestar atenção) pra dizer que não ia a aula e a mãe falava as mesmas coisas. Aí a mãe pediu pra chamar o pai, que também não saía de casa porque a Marcela não queria ir pra faculdade. Aí eu comecei a entender melhor a problemática: a menina devia estar com alguma doença de não conseguir sair de casa do tipo Síndrome do Pânico, Depressão ou qualquer outro pobrema de neuvro. Em dado momento eu vi a mãe dizendo para o pai que voltava hoje mesmo pra levar a Marcela no médico. Tava quase virando pra trás e trocando figurinhas a nível-de-maluquete, mas achei que a viagem já tava estranha demais.

Tolinha. Sempre pode ficar mais estranha.

Ao meu lado, na fileira de barramansuínos, um homem dos seus 40 anos de luvas de lã, tomando uma coca cola gelada e uma senhora de idade indefinida (essas idades tipo 47, 53...). Não entendi o grau de relacionamento entre os dois, mas comecei a achar estranho quando o cara começou a dizer que ia de Angra (dos Reis) até Belford Roxo de bicicleta. Achei que era figura de linguagem quando ele disse “quase fui de bicicleta hoje”, mas vi que era sério quando ele começou a narrar seus prodígios ciclísticos.

Antes a mulher só que falava. E contava que queria comprar um computador novo pro filho porque a casa dela não tinha quintal (hein?), que ela até tinha um computador lá, mas achava que tava escangalhado porque tinha uns fios soltos (?) e que o colégio do menino era muito bom, tinha inglês, espanhol e computação (e a tabuada nada né, minha senhora?).

E o cara só ouvia. E ela dizia: você vai ver lá em casa como é. Parece que o cara ia ficar na casa dela.

De repente o cara começa a contar da morte do filho, em Barra Mansa. O menino - devia ter uns 16, 17 anos – foi fuzilado. Aí seguiu-se mais ou menos o seguinte diálogo (não guardei a seqüência da conversa):

Mulher: Pagou quanto no enterro?

Cara: 600 conto.

Mulher: Enterrou em gaveta?

Cara: Não, não tenho gaveta, não. Enterrei num buraco, lá. Um lugar bom. Vista pra cidade. Uma beleza! Tranqüilo. Eu mesmo ajudei a fazer a cova. E eu jurei no caixão do meu filho que eu vou vingar a morte dele. Eu sei quem foi!

Mulher: Ah é?

Cara: Amigo dele. Meu filho era muito bom. Coração bom. Não tinha maldade. Andava com sete, oito mil no bolso, mostrando pra todo mundo, pagando bebida, chamando mulher, crianças...

Mulher: Ah é...

Cara: Eu quando tô com oito mil na mão só quem sabe é eu e minha mulher! Não fico mostrando por aí!

Cara: E pior que eu comecei a ter uns sonhos com ele. Via ele todo coberto de bala. Aí liguei pra ele e falei: “filho, vem cá ficar com o pai, o pai ta sentindo uma coisa ruim no peito” e ele “não, eu sei me cuidar, pára de me ligar!”. Quando foi no terceiro dia vem a notícia. Fui pra BM – por isso que eu não gosto de BM – e cheguei lá meu filho tava que parecia dormindo, precisa vê só. Parecia que tava rindo.

- Mas eles acham que eu não sei quem foi. Que eu não tenho mais gente que me conta as coisa lá. To sabendo que agora anda tendo estrupo direto, lá. Na minha época não tinha estrupo. Agora que eu não to lá e mataram meu filho, eles é que cuide das filhas dele. Mas eu já sei quem são e sei que eles vão pro Carnaval sempre pra uma praia lá de Angra. Vai ser nesse Carnaval. Quando eles menos esperarem uns camarada meu vão lá e vão fazer a limpa!



Me lembrei daquela propaganda no Disque-Denúncia (não sei se passa em outros estados ou só aqui no Rio) em que o cara ta na fila da padaria e vai falando no celular, pra todo mundo ouvir: “10 fuzis, 5 pistolas, isso”. Aí vem a voz do locutor: “quem é traficante não sai anunciando por aí, Denuncie”. A vida real é mais improvável do que a gente pensa.

Na minha diagonal, uma mulher levava a filha surda e muda pra uma consulta. E dava altos esporros na menina – que devia ter uns 6 ou 7 anos -, mandando ela ficar quieta. Humor negro é isso aí.

Eis que de repente, não mais que de repente, começa um estranho cheiro de cigarro dentro do ônibus. O motorista pára o carro e vem dar esporro. Me senti na sétima série levando bronca da professora. Que não podia fumar ali, que era um recinto fechado, nem no banheiro era permitido fumar, que a viagem era apenas de duas horas e não havia necessidade pra isso. Retornou ao seu posto de comando e ligou um sistema bizarro de troca de ar. Daqui a pouco ouço ele reclamando que “esse ônibus não é equipado com sistema de troca de ar...”. Fiquei pensando o que é um sistema de troca de ar? Não é o ar condicionado?.

Agora eu entendo o quão 2 reais podem fazer total diferença na sua vida. No serviço Não pára! Não pára! Não pára! esse tipo de coisa não acontece. O máximo que você vai ver é uma loura brigando com um pitboy pelo celular, outro abaixando a cadeira até quase deitar no seu colo, mas combinação de assassinato acho que não.

E eu com preconceito em relação a obesinha do meu lado.

12 comentários:

Hetie & Claudio disse...

Carrie, descupe....voce alegrou meu fim de domingo..rsrsrsrsrsrsrsrsrs
rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs
rsrsrsrsrsrsrsrsrsr
gargalhei na hora do "um lugar bom. Vista pra cidade"..........jamais pensei que riria da desgraca alheia.... rsrsrsrsr... pior que sei que, por mais inteligente q vc seja, nao eh ficcao... eh tudo verdade...mas eh de chorar de rir....
voce eh otima.
Beijos

a que deseja disse...

E eu que achava que era a única que pegava ônibus com seres de outro planeta...

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Só entende quem já precisou se submeter aos serviços do Cidade do Aço..... não é exagero, gente! É tudinho verdade!rs
Adorei ser excluída do rótulo dos suínos Carrie...
Bjs
Marcele

Carrie, a Estranha disse...

Hetie,

Pois é! Não exagerei em nada! Ao contrário, acho q até esqueci uns detalhes.

A que deseja,

Vc não tem idéia das figuras e dos papos q eu escuto nos ônibus da vida...

Marcele,

Viu, viu, viu, gente!É sério! É daí pra pior!

Bjs

Anônimo disse...

Suas aventuras são sempre ótimas! hahahahahahahaha

Já faz tempo que não pego ônibus, mas na época que eu tinha que tomar uns 3 ou 4 por dia, eu sempre tinha histórias para contar!

Beijos

trinity disse...

Carrie obrigada por suas histórias. E acredito em cada vírgula pois utilizo ônibus todos os dias, a mais de seis anos, e o itinerário é entre 7 presídios e uma fundação CASA (ainda me construção.) Chega a dar medo certos dias...

PS - E eu adorei e concordo o termo "barramansuíno" será utilizado p/ especificar um ex q é BM.

Anônimo disse...

Ameiiiiiii!!! Só para lembrar: não sou suína não. Fui criada junto com você!! Esse ônibus é assim mesmo. Você nem imagina o que vai pra BH: 8hs com "festa estranha com gente esquisita"... Graças a Deus acabou. Agora convivos somente com os suínos mesmo. Bjs, Karine

Unknown disse...

Sua vida dá um livro. vai vender feito água. Mto engraçado...

Anônimo disse...

Hahaha, conheço beeem esse comportamento no ônibus. Hoje quase dei palpite num infeliz que tava discutindo com a avó que dizia que a Tijuca era melhor que Copacabana. É tudo Rio, fío, mas Copacabana... TEM PRAIA, CARALEO! rs.

Bezzos,

fulô disse...

ha, ha! você é hilária carrie! tô cada dia mais fã do teu blog!

Anônimo disse...

E eu que soube semana passada que a grafia 'ESTRUPO' também é correta!! Tá lá no site da ABL, no VOLP!!! Eles tão dizendo, e são os caras que mandam... mas entre um estrupo e um estupro continuareio com o segundo... rs.

Carrie, a Estranha disse...

Kaká,

Vc está de volta? ME ligue!

Milema,

Minha vida dá um livro. Só q ninguém ia ler! Rsrsr...

Srta Rosa,

O Tijucano é único.

Fulô,

Só não, fia. É instinto de sobrevivência.

Sarita,

Sééério? To sabendo agora, tb.

Bjs