quinta-feira, maio 01, 2008

Descendo da Montanha


Terminei de ler “A montanha mágica”, do Thomas Mann. Bom. Legal. Oitocentas páginas. Com quinhentas tava bom. Né? Com quinhentas se resolvia o problema todo. Definitivamente um livro onde “nada acontece”. Acabei também a “Revolução dos Bichos”, do George Orwell, com nem 100 páginas – podia ter mais (é que eu preciso de um livro leve pra levar na bolsa). Nunca tinha lido esse último, apesar de ser leitura quase obrigatória de todo estudante de história. Mas fiquemos apenas no nosso amigo Thomas, por enquanto. Seguem-se impressões superficiais (e pode haver impressões profundas?) que eu gostaria de fazer.

Tirando a péééssima tradução da Nova Fronteira, de 1980, que comete erros do tipo “estadia”, “chícara”, além de separar sujeito do predicado com vírgula e outras barbáries - como não entendo nada de alemão fico pensando em como deve ter outros erros – há trechos belíssimos que, por si só, valem a leitura.

A história é basicamente: Hans Castorp, engenheiro alemão vai visitar seu primo, Joaquim, militar, num sanatório que tratava de doenças respiratórias, na Suíça. Chegando ele descobre que também está doente. O livro é de 1924, mas se passa às vésperas da eclosão da primeira guerra. O sanatório de funciona como um microcosmo da sociedade européia às vésperas da guerra (qualquer resuminho básico do livro vai dizer isso).

O que mais me fascinou foi a idéia do sanatório. Na boa, o que eu mais queria no momento era ir pra um lugar nos Alpes, isolado do mundo, onde ninguém me enchesse o saco (quando eu leio Dostoievski fico doida pra ir presa e exilada pra Sibéria...). Tudo bem que na época a penicilina ainda não havia sido inventada e podia-se morrer a qualquer minuto, mas, tirando esse pequeno detalhe, a vida parece muito interessante no sanatório – e, afinal, a ciência nos dá apenas a ilusão de que temos o controle sobre a nossa própria morte. Altas refeições, descanso, friozinho e uma galera pra lá de animada. Rolava umas mortes, mas fazer o quê? Sempre rola.

O dia a dia deles se resumia a refeições, descansos, passeios e algumas atividades recreativas. Eles tinham coisa de 5 refeições por dia (café da manhã, pequeno-almoço, almoço, jantar e ceia). Fartas. Babo só de ler as descrições. Várias carnes na mesma mesa. Doces. Charutos – siiiim! Porque não passava pela cabeça de ninguém que charuto não era legal pra quem tinha tuberculose. Doces. Vinhos. Cerveja. O que mais pode querer um homem? Sexo? Sim, também tinha.

O que efetivamente acontece no livro é o debate de idéias. Em diversos momentos do livro há embates de grandes ideologias do século XX. Aliás, pode-se dizer que o livro é o abrir as portas do século XX. Talvez o último choro do século XIX. Se o historiador britânico Erich Hobsbawm diz que o Breve Século XX (em oposição ao Longo Século XX do Arrigh) começa com a Primeira Guerra, pode-se dizer que “A montanha mágica” é a trombeta anunciando o fim do século XIX.

Há dois personagens – numa lista de vários – emblemáticos no livro: Sr Settembrini e Naphta. Ambos tentam doutrinar Hans Castorp, o “filho enfermiço da vida”, segundo o italiano. Settembrini é um filho das Luzes: maçon, acredita na Razão, na Ciência, no Homem e todo aquele bla bla bla de Egualité, Fraternité e Liberte. Naphta é um jesuíta. Místico. Feio. Esquisito. Grande parte do livro é o embate dessas duas grandes ideologias. Luzes x Obscurantismo. Razão x Religião. O final do livro é um duelo – literalmente falando – entre os dois personagens. Confesso que eu simpatizava com o Naphta e tendia a dar razão a ele – afinal, meu apreço pelo Iluminismo não é tão grande, como vocês podem notar.

Outras figuras importantes são Dr Krokowski, assistente de Behrens, o médico. Krokowski é responsável pela “dissecação psíquica dos pacientes” e dá palestras de 15 em 15 dias no sanatório, onde tenta introduzir os fundamentos da psicanálise na galera, mostrando o quanto da doença era relacionada à vida psíquica, além de atender a moçada interessada em seu próprio consultório.

Outros personagens são Hermine Kleefeld, uma paciente que faz parte da “Sociedade Meio Pulmão” e dá uma espécie de trote em Hans, assoviando com o seu único pulmão – hilária – e Clawdia Chauchat, russa pela qual Hans se apaixona, mesmo com os hábitos desleixados da moça – mais tarde falo sobre ela.

E o grande personagem do livro, a meu ver: o tempo. O tempo que escorre lentamente quando estamos contando-o e o tempo que foge por entre nossos dedos quando não prestamos atenção a ele. O tempo é quase uma entidade palpável no livro. Vejam que beleza esse trecho:


“Os primeiros dias num ambiente novo têm um curso juvenil, quer dizer: vigoroso e amplo. Isto se aplica a uns seis ou oito dias. Depois, na medida em que a pessoa se “aclimata”, começa a sentir uma progressiva abreviação: quem se apega à vida, ou melhor, quem gostaria de fazê-lo, talvez note com horror como os dias voltam a tornar-se leves e começam a deslizar voando; e a última semana – de quatro, por exemplo – é de uma rapidez e fugacidade inquietante. Verdade é que a vitalização do nosso senso de tempo produz efeitos além do interlúdio, fazendo-se valer ainda quando a pessoa já voltou à rotina; os primeiros dias que passamos em casa, depois da variação, se nos afiguram também novos, amplos e juvenis; mas esses são somente uns poucos, já que a gente se reacostuma mais rapidamente à rotina do que à sua suspensão. E o senso de tempo de quem já está fatigado, em virtude da idade, ou nunca o possuiu desenvolvido em alto grau – o que é sinal de pouca força vital – volta a adormecer muito depressa, e já ao cabo de vinte e quatro horas é como se tal pessoa jamais se tivesse afastado do seu ambiente habitual, e a viagem não passasse de um sonho de uma noite” (p. 121)



Qualquer um que tenha viajado por um mês pelo menos consegue entender isso, não é? Me lembrou também aquele trecho da Bíblia, que diz algo do tipo aquele que se apegar a vida, a perderá de vez; quem se desapegar terá a Vida Eterna.


(continua...)

5 comentários:

Anônimo disse...

Belo comentário, carrie, ótimas observações, sobretudo a compreensão do tempo no livro. Esse é um dos estão aqui à espera de tempo e paciência para eu ler, assim como a Karenina, quem sabe nesses dias mais frios? :)
um abraço,
clara lopez

Natália disse...

Então Carrie, adorei o texto e como ando meio sem tempo de ler, acho que poderiam filamr né, hahaha, talvez n daria certo. Muito obrigada pelas dicas, foram valiosas, vc ajudou muito sim, e fiquei feliz por n ter tirado minha esperança, valeu mesmo, foi um ótimo presente de aniversário neste 1º de maio, bjos.

Anônimo disse...

Figuraça, como estás, vamos marcar uma cevada com Van'or?

Carrie, a Estranha disse...

Clara,

"Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro..."

Natucha,

Ahhhhh!!! Parabéns! Q bom q ajudou.

Pierre,

Ainda vives, figura? Vamos, vamos sim!

Bjs

Anônimo disse...

Mmmmmmmmm também pensando sobre o tempo. Mais especificamente o tempo das borboletas.
Adoro dicas. Hehe.

Bezzos, querida!