quarta-feira, maio 02, 2007

Quer pagar quanto?


Existir é pagar diariamente um preço pelas nossas escolhas. Das coisas mais ínfimas até as mais grandiosas. A cada brigadeiro que comemos, cada “eu te amo” não dito, o vestibular de medicina feito, o curso de canto interrompido, a rua que você tomou na ida ao trabalho, o “sim” o “não” e o “talvez”, sair ou não todo final de semana; tudo isso cobra um preço. E o preço é único, individual e intransferível.

Ganhar 10 mil reais por mês, trocar de carro e viajar pra onde quiser tem um preço e não estou falando do valor monetário. Nunca ter dinheiro pra ter um carro (que dirá pra trocar de carro), pra viajar e ter que contar os centavos todo dia pode ser o preço que se paga por ser quem é. O ideal seria conciliar, mas quase nunca o ideal existe. Ter tudo é a exceção, não a regra. E o tudo quase sempre é relativo.

Hoje eu estava conversando sobre esse e outros temas como a inveja com uma amiga, a caminho da universidade. Falávamos sobre nossos amigos bem sucedidos em profissões tradicionais e respeitadas, que ganham rios de dinheiro, e em como eles nos acham malucas, ralando num negócio que é visto como o carrapato da mosca do cocô do cavalo do bandido. (E eu tô sempre nessas carreiras periféricas, que são o carrapato da mosca do cocô do cavalo do bandido, né?). Se eu tenho inveja desses meus amigos? Claro que sim! Mas se eu queria a vida deles? Claro que não! Esse foi o preço que eu escolhi pagar.

Quando eu vejo a imbecil da Fernanda Young lançando livros e tendo um programa só dela na GNT eu penso: filha da puta! Porque ela tá ocupando um espaço privilegiado pra falar merda. Podia ser eu. Mas se eu precisasse ser como ela pra estar lá, então sorry, eu prefiro a minha vida. Eu tenho coisas que ela não só não tem, como não é capaz sequer de adivinhar que existam. Eu fiz minhas escolhas. E pago o preço delas dia a dia. Assim como a Fernanda Young paga o preço de falar merda. Poderia ficar citando "n" exemplos aqui e todo mundo tem "n" exemplos nas suas áreas, de pessoas que são completamente incompetentes, mas emplacam porque pagam certos preços.

Eu vejo amigos(as), casados(as), grávidas e tenho uma certa inveja. Queria ter isso. Mas se eu tivesse eu não teria a vida que eu tenho. Eu não teria chegado ao doutorado antes dos 30. Eu fiz minhas escolhas. E pago o preço delas dia a dia. E talvez não tenha tempo de fazer tudo que quero. Paciência. É o preço.

Eu poderia ter feito Direito e prestar concurso público e ganhar 10.000 hoje em dia. Mas eu simplesmente daria um tiro na cabeça se eu tivesse que andar de tailleur e scarpin, entrando e saindo de fóruns, das nove às cinco, lendo processos, lidando o tempo todo com “adevogados”.

Eu poderia estar ainda fazendo teatro e vivendo como muitos amigos meus, de bicos aqui e ali, sem saber se eu teria dinheiro pro próximo mês. Ou eu poderia ter “me encaixado nos padrões”, como a Alessandra Negrini, e entrado na televisão. Mas nos dois casos o preço já seria alto demais.

Eu poderia ter feito medicina e ter herdado uma parte da clínica do meu pai e estar ganhando bem mais dinheiro. Mas aí eu seria...médica!

Eu poderia estar roubando, poderia estar matando...

Ter ou não ter filhos; casar ou não; emprego público ou privado; casa própria ou aluguel; pouco tempo pra família ou muito tempo; capital ou interior; carro ou ônibus; estabilidade ou aventura; juntar dinheiro ou gastar tudo; tudo cobra seu preço. A dúvida é: quanto eu posso pagar? Nunca é fácil pra ninguém. Às vezes a própria vida pode ser o preço.

Essa é a diferença entre se estar irremediavelmente fudido e pensar: fui eu que escolhi essa vida ou se lamentar por isso. Porque de alguma forma você escolheu, sim. Sempre existe escolha, em maior ou menor grau. Se uma coisa te levou a outra e de repente você está casado e com 3 filhos, bom, talvez esse seja o preço por não ter prestado atenção que uma coisa poderia te levar a outra. Ninguém acorda casado e com três filhos.

A vida é dura ponto com ponto bê erre.

8 comentários:

Gustavo disse...

Muitas observações nesse seu post.

1 - Penso muito no post como um todo, os primeiros parágrafos me ganahram de cara. Vou até fazer um post inspirado no seu (já estou creditando..rs)

2 - Eu também sempre tive curiosidade de ter escolhido uma carreira diferente. Mas tenho uma terrível inclinação para as "carreiras periféircas".

3 - Eu não conheço uma alma que goste da Fernanda Young. Pq diabos ela ocupa tanto espaço na mídia?! Eu comemorei quando ela saiu do Saia Justa e tive que encarar aquele programa L-a-s-t-i-m-á-v-e-l dela. E o pior é que dependendo do convidado você até se interessa em ver (Migue Falabela despertou meu interesse). Mas não dá...

See ya!

Carrie, a Estranha disse...

Gustavo,

1) Sim, pode citar a vontade!

3) A Fernanda Young é um enigma da cultura de massas! Ela até escreve direitinho. Já li um livro dela - À sombra das vossas assas - mas daí se achar vai uma longa diferença. Saia Justa é um programa tão bizarro, mas tão bizarro q eu sempre tenho q ver um pouquinho (não mais de dez minutos). O formato do programa é uma bosta. Parte do princípio de q mulheres falando merda constitui o universo feminino e isso vira até show. Enquanto o Manhatam Conection, por ex, não é um "Programa de homem". Foda...

bjs

Anônimo disse...

Carrie,
Esse seu texto em lembrou dois escritores que eu admiro (tá bom, que eu amo). Pra manter o padrão de tópicos:

1) Borges. O Jardim De Veredas Que Se Bifurcam. Cada escolha abre um novo leque de bifurcações e exclui inúmeros outros.

2) Nietzsche. Assim Falou Zaratustra. A história do Eterno Retorno. Alguns dizem que ele acreditava naquilo no sentido literal, outros dizem que era apenas um conceito. Como conceito eu acho interessante: você deve levar a vida como se fosse revivê-la eternamente, exatamente a mesma, absolutamente igual, de forma que cada escolha que você faça seja feita com paixão, intensidade, sem arrependimentos. Porque você irá revivê-la pela eternidade. (Eu sei, é assustador, mas é a conseqüência do Eterno Retorno que eu acho bonita: viver com plenitude. Eu também sei: é impossível viver em total plenitude, mas o conceito continua sendo bonito.)

Agora um adendo meu: o que eu acho importante é não ficar pensando e remoendo as escolhas descartadas. Quer dizer, a maioria das escolhas é excludente, sim, mas ficar especulando no futuro do pretérito, no "seria", isso pode ser paralisante. E isso eu não acho saudável.

Beijo!

Carrie, a Estranha disse...

Cláudio,

1) Eu aaaaaaaaamo Borges!

2) Nietzche. Não conheço nada - exceto coisas q a gente acaba conhecendo sem nunca ter lido - mas minha confrontação com ele está cada dia mais inevitável. Mesmo pq eu to lendo um livro q a mulé une Rubem FOnseca, Borges e Nietzche! (quer dizer, ela faz um longo percurso, não é nada assim abrupto).

Adendo ao adendo: sim. Mas às vezes é inevitável se perguntar pelo caminho não escolhido, como diria Robert Frost. Eu escolhi o caminho menos percorrido, mas onde teria me levado o outro caminho?

bjs bifurcados

Anônimo disse...

Quando li o post "desabafo - vida de gordo" abaixo quis deixar algum recado mas fiquei completamente sem palavras. Você escreveu a realidade nua e crua como eu nunca tinha lido antes.
Mas este post do quer pagar quanto também é perfeito. Já escrevi sobre isso algumas vezes (não tão bem quanto você) porque estou um pouco do outro lado. De quem escolheu uma carreira que devia ser promossora, mas acabei diminuindo o ritmo dos remos pra casar e ter filhos. tenho consciência das escolhas que fiz e faria tudo e novo se precisasse, mas o bom mesmo seria unir o útil (grana) ao agradável (carreira que se goste e família/filhos)...
bjs!

Eddie disse...

Tá de sacanagem, moça! Acabei de postar justamente sobre escolhas (meu assunto preferido:-)Lendo as tuas palavras, vc me respondeu a pergunta que fiz no minha página.

Quanto a Fernanda Young, vou te contar: li 3 livros dela. Como pode ser publicada, é um grande mistério. Escreve feio, vou te contar...bjocas...Ly

Anônimo disse...

Acabei pensando nas minhas escolhas. Acabei dando conta que fiz escolhas que não percebi. Acabei de ter conciência que cresci com amigas que fizeram escolhas totalmente diferentes da minhas. Mas tb me dei conta que fiz escolhas bem parecidas com as da minha irmã. Agora resta eu me responder uma pergunta que acabei de me fazer: Ao invés de me espelhar em meus pais, será que escolhi me espelhar nela ou nós duas somos espelhos deles???

Carrie, a Estranha disse...

Uau, galera! Terapia grupal, hein? Q bom, mas meu texto não foi tão bom a ponto de despertar tudo isso. É q o tema é realmente muito bom.
Dani, eu acho q a gente é sempre espelho dos pais. Ainda qdo se faz exatamente o oposto do q eles são - não deixa de ser espelho, pois o espelho não é um reflexo invertido? Não há problema nisso. A gente sempre tem influência. O problema - eu acho - é qdo é só a influência externa e nada mais. Não sei se me fiz entender.

bjs