II

Mais uma historinha sobre leitura e eu juro que eu paro. Quando eu era criança eu não gostava muito de brincar na rua. Minhas vizinhas vinham me chamar e eu mandava dizer que eu não estava (sim, eu sempre fui estranha). Eu gostava de ficar quieta, fazendo minhas próprias brincadeiras. E gostava de ficar com os adultos. E meu pai sempre leu muito. Toda noite ele descia pro escritório dele – depois de trabalhar como médico vááárias horas – e ficava estudando alguma coisa ou tocando violão ou simplesmente lendo. E eu ia pra perto dele e ficava lá enchendo o saco. Ele me dava um lápis pra eu desenhar ou alguns livrinhos. Mas às vezes eu cansava das minhas coisas e ficava olhando pr’aquelas estantes cheias de livros. Aí um dia, eu devia ter uns 8 ou 9 anos, eu vi um livrinho, com a foto de uma garotinha, chamado o “Diário de Anne Frank” e, como eu também tinha um diário, pensei: “oba, deve ser legal!”. Fiquei tão chocada quando descobri do que se tratava que nem consegui terminar o livro. Em compensação aprendi algumas palavrinhas novas: holocausto e nazismo. Depois, já com uns 12 ou 13 anos, eu vi um outro livro de capa bonita – sim, eu escolhia os livros pela capa e meu pai tinha ótimas encadernações – e pensei: “oba, vou ler”. Era “A idade da razão”, do Sartre. Gostei. Aí vi um outro livro desse mesmo autor. “A náusea”. Pensei: vou ler também. Gostei mais ainda. Aí as pessoas dizem: “nossa, uma adolescente que lia Sartre?”. E daí? Não lembro de nada! Se me fez bem ou mal foi tão inconsciente que eu nem sei. Só sei que gostei, mas não lembro de uma linha. E nem sabia, na época, quem era Sartre ou o que era o existencialismo. Mas eu tinha curiosidade. E tinha pessoas a minha volta que ficavam lendo. E eu queria imitá-los. E saí catando livros a esmo. Agora se alguém me forçasse a ler eu provavelmente acharia um saco. Sim, eu sei que crianças têm que fazer um monte de coisas obrigadas. Isso é educação. Mas por isso mesmo. Eles já fazem um monte de coisa obrigados. Custa deixá-los escolher suas leituras?