Durante a temporada na praia, reminiscências de outras temporadas, em outros lugares, me vieram à mente. Falo de uma época em que certas coisas eram mais difíceis e sair de férias com toda a família era quase uma aventura épica - e nossos pais, verdadeiros Hércules. Falo de uma época em que as cidades do litoral brasileiro – especialmente do litoral do Rio – não tinham a menor infra-estrutura para receber turistas. Falo, sobretudo, da minha infância nos anos 80 e até antes dela, nos anos 70, cujas aventuras chegaram a mim por outras bocas.
Lembro-me de um tempo em que a minha família resolvia ir junto à praia. E não estou falando da família nuclear, não (que já seria um exagero, pois somos cinco filhos), falo de tias, tios, primos e primas que ainda levavam namorados(as) e amigos(as) e babás. Às vezes iam os tios por parte de pai e de mãe. Quinze pessoas em apartamentos de dois quartos e outras insanidades desse tipo. Eu não sei o que mudou: se foi nossa noção de conforto ou o padrão aquisitivo, mas o fato é que não fazemos mais isso.
Partíamos rumo ao litoral – que podia ser a região dos lagos, Angra e imediações ou, mais raramente, litoral de São Paulo – em busca de nossas sonhadas férias. Para mim, moradora do interior, então, eram mais sonhadas ainda. Pra início de conversa, quase sempre o lugar era um muquifo que o vizinho da prima da cunhada de alguém tinha alugado e adorado. Chegando lá você descobria que tinha se metido na famosa roubada. E que aquilo demoraria uns quinze dias pra acabar.
Antigamente, lá nos anos 80, televisão era um troço caro. Era uma por família. Só tinha TV em casa de praia quem era rico. Não existia parabólica nem muito menos TV por assinatura. Então você sabia que ia ficar 15 ou quantos dias fossem sem TV. E não existia vídeo cassete, então se você tava seguindo uma novela bacana, perdeu, praiboi, perdeu (e naquele tempo existiam novelas bacanas). Muito de vez em quando alguém levava uma TV portátil. Depois de muita luta e muito bombril na ponta da antena, conseguíamos ver a silhueta de alguém que lembrava vagamente o Cid Moreira.
Telefone, então, pra quem não se lembra, era artigo de luxo antes das privatizações das companhias telefônicas. Era caro. As pessoas vendiam carro pra comprar telefone. Compravam telefone como investimento. Logicamente em uma casa de praia também não havia telefone a menos que você fosse rico. E numa época em que telefone celular só existia nos desenhos dos Jetsons, lá íamos nós para as intermináveis filas da Telerj pra ligarmos. Luta, muita luta, minha gente.
Ar condicionado era coisa de milionário e mesmo ventiladores não eram tão comuns. Esses de teto, nem pensar. Eram aqueles de chão, mesmo. Poucos. Nós, crianças, sempre tínhamos que ceder pra adultos mais velhos como avós e tias, pois afinal, éramos crianças.
E chuveiro? Em toda casa de praia dos anos 80 tinha sempre um chuveiro elétrico que não podia ser ligado concomitantemente a nenhum outro eletrodoméstico sob risco de queda de luz do quarteirão. Então você chegava, toda suada, salgada e calorenta da praia, e ainda tinha que esperar duas horas até as outras quinze pessoas tomarem banho. Isso quando não acabava a água, claro. Aliás, como parte da falta de infra-estrutura, era comum acabar não só a água e a luz, como também o pão, o leite (de saquinho) e outros produtos de necessidade básica. Me lembro, certa vez, de um cartaz em uma padaria de Cabo Frio: “acabou o sorvete. Pode conferir”. Turistas em fúria, inconformados como o fim do sorvete, deviam ficar enchendo o saco do vendedor, dizendo: “sério, acabou mesmo? Não é possível”. Pra evitar problemas o cara já mandou logo no cartazinho: “pode conferir”.
Nos anos 80 - no Brasil, pelo menos - ainda não se falava em protetor solar nem em câncer de pele. Existia o bronzeador: líquido altamente suspeito, feito para acelerar o bronzeamento. Me lembro de primas e tias mais velhas tomando suco de cenoura e laranja pra ativarem o bronze. As mais ousadas passavam coca cola no corpo. E as loucas de pedra, óleo de cozinha para, literalmente, tostarem ao sol. Muito depois começaram a surgir os filtros, a princípio bem modestos, tipo 2, 4 e 6. O 15 já era um exagero. Não existiam cremes pra proteger o cabelo do sol. Tinha o condicionador Neutrox e olhe lá. Leave in, nem pensar!
Nós, pobres crianças dos anos 80, íamos à praia sem passar nada, pela manhã, e só saíamos às cinco da tarde – como ainda não existia o horário de verão o sol sumia mais rápido. Não existia essa preocupação tão grande em não se tomar sol nos horários de pico. Ao contrário, era melhor, pois queimava mais rápido. O máximo que nossas mães diziam era: vem pra sombra, menino! Bota o boné, menina! Veste uma camiseta! A camiseta funcionava como nosso protetor. Quando estávamos muito escaldados, mas não queríamos perder a praia, enfiávamo-nos em “camisolões” de blusas e entrávamos na água assim mesmo. Muito de vez em quando alguém chegava com alguma pasta d’água ou hipogloss, mesmo – mas isso já em casos de queimadura de terceiro grau, quase. Depois surgiu o Noskote, espécie de pomadinha mágica que protegia lábios e adjacências – ainda existe? E quando tudo, tudo, tudo dava errado, sempre tinha uma tia que havia levado um vidro de Caladril – usado em casos de queimadura – que aliviava a dor da vermelhidão. Era bonito ficar vermelho. Descascar, então, era o auge da coisa chique! Eu sempre descascava na infância. Significava status, poder. Você tinha ido à praia. Isso, numa cidade do interior, significava mais do que ter um carrão.
Mas voltando às dificuldades com a casa de veraneio, passemos ao quesito “comida”. Não existiam quiosques em profusão como hoje em qualquer cidade praiana do sudeste. De vez em quando tinha uma barraquinha muito das vagabundas. E os vendedores ambulantes, claro. Mate Leão, empadinhas, salgados, milho verde, camarão e picolé. Tudo altamente suspeito, mas delicioso. Ou então você levava uma farofinha básica.
Hora do almoço, lá pelas cinco da tarde. Não existia sef service e mesmo os restaurantes a la carte eram poucos. Se você tinha uma família grande a melhor opção era fazer comida em casa. Sempre algo ligado ao mar. Depois de um dia inteiro de sangue e areia você, esfomeado(a), tinha que se atracar com um crustáceo antipático ao qual nunca tinha sido apresentado na sua vida e destrinchá-lo afim de obter seu sustento. Dureza. Você acabava sendo vencido pelo cansaço e se empanturrando de arroz e caldinho.
Na minha família era assim: as pessoas dividiam as despesas e tentavam, na medida do possível, dividir as tarefas. Mas, não raro, alguém não fazia a sua parte e saía briga. Quando dava tudo certo, comprava-se pão francês todo dia de manhã – acho que não existia muito pão de forma – e o peixe do almoço. Ou um bife pras crianças. Às vezes você acordava e o pão ainda não tinha chegado, aí tinha que esperar...dura a vida nos anos 80.
Biquínis. Eu não sei porque, mas o meu biquíni sempre ficava cheio de areia e, por mais que eu lavasse, sempre sobrava um restinho. E sempre enfiava. Os anos 80 - o final pelo menos - foram a fase do biquíni asa delta e fio dental. Pulemos esse detalhe do qual nenhum de nós se orgulha – assim como as ombreiras, a saia balonê e as fiscais do Sarney.
E os dias de chuva? Temporada de praia que se preze tem sempre uns 3 dias de chuva. E se você fosse para Angra dos Reis as chances cresciam vertiginosamente. Como não havia televisão, cd - nem muito menos MP3 e computador - só restava jogar baralho ou War (sim! Eram anos de Guerra Fria e “War” fazia “o sucesso” no ocidente. Hoje os politicamente corretos não deixariam esse jogo vingar). Me lembro dos meus tios fazendo “dupla de fora” pra jogar buraco. Foi em uma temporada de chuva em Rio das Ostras que eu me viciei em pipoca, outra mania das férias.
Outra parada bizarra das temporadas de praia da minha infância eram os mosquitos. Verdadeiros enxames, pareciam um filme do Hitchcok. Tentavam-se todas as técnicas: fechar a janela ao anoitecer, inseticidas, tela etc. Nada adiantava. Sempre tinha muito mosquito. Onde foram parar os mosquistos? Acho que se perderam, assim como a Cindy Lauper, o Beijoqueiro e a caça semi-baggy.
Também tinha muita coisa boa. Ficar só com a parte de baixo do biquíni, já que a gente era criança e não tinha problema. Fazer castelos de areia que ficavam iguais à Sagrada Família do Gaudí. Tomar três picolés kibom seguidos só pra ver se tirava o bendito palito premiado. Pegar um palito, enfiar na areia e rodar, como se aquilo fosse uma fantástica fábrica de sorvetes. Desenhar sol de 21 raios na areia em um dia nublado pra “chamar” o sol. Cavar buracos fundos na areia pra ver se chegava na China. Tinham caldos homéricos. Como eu tomava caixote na infância! Me lembro da mão do meu pai, maior que a minha umas duas vezes, me segurando forte enquanto eu capotava na praia de Copacabana, completamente atordoada, não sabendo se eu segurava meu biquininho ou respirava, já que as duas atividades eram impossíveis.
Hoje eu vou à praia com um bloqueador solar fator 100 (isso mesmo que você leu, leitor. Cem. Isso existe. E funciona. Já não é nem bloqueador mais. É um repelente de sol. O sol antes de bater sai correndo amedrontado, coitado) no rosto e, no mínimo, 30 no corpo. Só fico na praia até meio dia, debaixo da barraca e, se for o caso, volto às cinco. Uso boné e óculos. Não tenho o menor saco de torrar no sol e só me queimo quando caminho – e eu aproveito a pra caminhar uma hora e pouca quando estou na praia. Tomo, no máximo, uma água de côco. Gasto tubos e tubos de creme pro cabelo.
É, moçada...vocês que tem aí pelos 20 anos e ficam fazendo festa pros anos 80 não sabem de nada. Uma década que nos deu Margareth Tatcher, gel New Wave rosa, RPM, batom verde 24 horas do Paraguai, inflação, Menudos, Ronald Reagan, Boy George, Figueiredo e lambada não pode ser levada a sério. Merece o esquecimento. Forever and ever and ever...
15 comentários:
Muito bom Formiga!!!
Eu vivi esses verões...
Delícia de texto!
Beijos,
Bibi
Bigada, Balu!
Bjs
Já estava com saudades dos seus textos, da próxima vez tire uma semana só de férias. Um beijão. Juninho
Ahhhh, meu primo fofo! Eu é que estou com saudades de vc!
viva o War...
e os politicamente incorretos.
Carrie, outro dia eu estava lembrando de fichas metálicas de orelhão. Lembra? Eram redondas, pesadas, e vinham em cartelas compridas, que você rasgava pra retirar a ficha!... Eu acho isso incrível, ao mesmo tempo que me lembro, também parece que não é verdade, que é uma realidade alternativa, sonho ou alguma memória implantada.
E é claro que vivi muitas das situações que você enumerou...
Sim, sim...fichas eram foda!
Bjs
muito bom o texto.....lembro de muitas situações destas temporadas com família na praia, foi muito bom reviver um pouco disto no seu texto. Ainda bem que podemos curtir as maravilhas desta época...rsrs.
Vc descreveu perfeitamente muito dos meus verões em Cabo Frio com my family.
Por falar em verões, li um livro nestas minhas "férias"chamado Divã da Marta Medeiros e achei q o jeito dela escrever se parece muito com o seu.Lembrei mto de vc durante o livro. Bjinhos
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