quarta-feira, novembro 29, 2006

Síndrome Glauber Rocha


Não assisto mais a filmes brasileiros de temática “de raiz” - metaforicamente falando, pois se for sobre a produção dos tubérculos num sentido literal, posso até repensar minha opção. Intitulei este fenômeno de Síndrome Glauber Rocha. Trata-se da idéia de que o cinema brasileiro precisa sempre tratar de temas genuinamente brasileiros, “de raiz”, do “povo”, da “cultura brasileira” para se legitimar enquanto cinema de qualidade. Claro que esse critério é altamente preconceituoso, pois a “cultura verdadeira” pra esses diretores é apenas a do pobre-do-interior, de preferência - mas não exclusivamente - do Nordeste. Como se a classe média não fosse Brasil. Como se o Sudeste não fosse Brasil.


A maioria desses filmes é passada no Nordeste, mas há exceções em outras regiões. Entretanto, a temática é eminentemente rural. Logo, somos obrigados a ouvir atores da novela das oito falando com sotaques inacreditáveis e um visual sujinho-arrumado pra parecer retirante ou qualquer outra minoria explorada secularmente pelas elites (elites, estas, das quais esses atores fazem parte). Não seria mais interessante descobrir novos talentos nesses locais ao invés de atrizes da Globo que perdem o sotaque de cinco em cinco minutos?


Outro extremo disso, quando se fazem filmes urbanos, é o estilo que já se consagrou como Comédias Daniel Filho. Trata-se nada mais nada menos do que uma repetição da novela das oito. Também não assisto mais, porque novela a gente vê em casa, né? Muito de vez em quando surge um Jorge Furtado – “O homem que copiava”, pra mim é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos – pra aliviar a galera com um Lázaro Ramos realmente fazendo um sotaque de gaúcho crível. Ou adaptações de livros do Rubem Fonseca que fazem jus a sua obra, mais uma meia dúzia de filme realmente bom. No mais das vezes o cinema brasileiro encontra-se bipolarizado entre os gêneros Agreste e Novela das Oito (quando não juntam os dois na mesma produção, o que é o horror! O horror!). Quase como nos anos 70: porno-chanchada ou filme-cabeça.



Portanto não me convidem para ver filmes brasileiros que possuam frutas do nome, bem como cores, meses do ano, estações de trem ou excesso de vogais. Nordeste, só se o cenário for as capitais (nada contra o interior, mas contra toda essa idéia quase mítica de um Nordeste miserável, bucólico e pastoril onde o Brasil é realmente Brasil). Enchi completamente o saco.


Depois que descobriram o “Quarteto-A-Máquina” – composto pelos excelentes atores Lázaro Ramos, Wagner Moura e Gustavo Falcão, no elenco original – os diretores mais espertos colocam os pobres em tudo quanto é produção nordestina, afinal já é meio caminho andado com o sotaque, além da garantia de boas atuações, fora o quesito global.


Agora, revoltante foi pra quem, como eu, assistiu “A máquina” no teatro com esse elenco e mais com a Karina Falcão (também sobrinha do João e minha contemporânea de Cal) e ver depois no cinema com a Mariana Ximenes. Nem fui ver. Foi o autêntico caso do não-vi-e-não-gostei. Quero guardar a lembrança de uma das melhores peças que eu vi na vida. E sabem porque a Karina não fez a versão do cinema? Deve ser porque ela não é global – apesar de ser linda. Deve ser porque ela não tem o padrão anoréxico-botox da novela das oito. Porque ela não é White-Shine. Ela é uma menina muito bonita, linda mesmo, mas com carnes voluptuosas e cabelos negros ondulados*. Ou seja, não é a Mariana Ximenes e nem é casada com nenhum diretor.


Pobre Glauber Rocha...deve estar se revirando no túmulo com tantos “Nordestes”, tanta brasilidade pra inglês ver...


(* Karina faz uma participação no filme “Cidade de Deus”. Ela é a mulher que é morta pelo marido com uma enxada na cabeça. A história da banana quente, se lembram? Pois é. Mas ela é muito mais talentosa e bonita que aquilo)

4 comentários:

sonia a. mascaro disse...

Gostei de suas observações! Na política também, principalmente na última eleição, a classe média é vista como se não fosse Brasil!

Uma sugestão: veja o maravilhoso filme do Arnaldo Jabor, "Tudo bem" (se é que você ainda não viu) agora numa versão restaurada. É muito bom!

Anônimo disse...

ééé...

pela tua classificação fica excluído, por exemplo, "Amarelo manga" (cor + fruta).

e esse filme é bacana...

fa-lô!

anna v. disse...

Post revolt! Tá mais para Linda, a possessa...

Anônimo disse...

sugestões?
humm
achei "cinema,aspirinas e urubus" snsacional. estética do agreste, filme com um ritmo quase europeu...
difícil de explicar, só vendo.