sábado, novembro 18, 2006

Minhas Madeleines


Na escola onde eu fiz o primário havia o risolis de camarão mais maravilhoso que eu já comi na vida. Era vendido pela Dona Elizabeth, uma senhora que chegava, armava sua barraquinha e ficava a espera de crianças afoitas. Lembro-me sempre da Dona Eliza pegando papéis grossos para cobrir os salgados recém tirados de um grande tapeware. Sequinhos e deliciosos.


Eu não gostava muito do colégio durante o primário. Era uma criança muito tímida. Nunca fiz jardim – o que explica minha falta de coordenação motora para atividades como cortar, colar e pintar – então ir para escola foi um duro golpe em todo um mundo muito mais legal de brincadeiras e fantasias que eu tinha em casa. Pra piorar a história, depois que eu me acostumei no pré – após chorar meses e meses a fio - a Tia quis que eu passasse pra primeira série, no meio do ano, pois eu já sabia ler. Explico.


No meu tempo a criança fazia o pré-primário (tipo a Classe de Alfabetização), depois a 1a série, 2a, 3a e 4a. A primeira era tipo um reforço do que a criança tinha aprendido no pré. Só que mamãe tinha por hábito alfabetizar todos os filhos antes deles entrarem na escola – só pra gente humilhar os coleguinhas mais lentos quando chegasse lá. Logo, eu entrei no pré já alfabetizada. A professora achou que eu ia perder tempo ficando no pré e quis que eu passasse no meio do ano pra primeira série. Como tinha custado a me acostumar naquela turma e fazer amigos, urrei feito louca e disse que dali não saía nem a pau. Mamãe, de conluio com a diretora da escola - numa típica manobra ardilosa que só as mães sabem fazer -, disse que tudo bem, eu poderia ficar no pré. Eu, tolinha, acreditei que minha vida estava resolvida. Qual não foi minha surpresa ao chegar o ano seguinte e descobrir que mamãe tinha me matriculado... na segunda série! Quer dizer, eu não fui no meio do ano pra uma série mais adiantada, mas em compensação pulei uma série, indo parar em outra turma nova – fato que me fez ser sempre uma das mais jovens na minha turma, o que não adiantou nada porque eu tomei pau três anos no vestibular.


Todo esse contexto é pra dizer o quão traumático foi meu primário e o quanto os risolis de camarões da Dona Eliza foram importante para mim na minha constituição a-nivel-de-selumana-enquanto-pessoa-gente. Em meio aquelas tardes ou manhãs insípidas, em que as horas se estendiam em meio a números, tabuadas e historinhas sem graça, o risolis de camarão era um oásis no meio da selva do primário.


E bota selva nisso. A fila do salgado da Dona Eliza era o primeiro sinal de que a vida era dura. Crianças esfomeadas e apressadas para lanchar e brincar se amontoavam naquela fila pra comprar diversos salgados. Mas pra mim sempre existiu apenas o risolis de camarão. Mas, infelizmente tinha dias em que a Tia passava muito dever, você se atolava e saía na metade do recreio, correndo pra pegar o último risolis - e mesmo assim não dava tempo. O risolis acabava, dando os primeiros sinais de finitude e perenidade do mundo e eu tinha que me conformar com um biscoito sem graça.


Lembro-me também do primeiro tratamento dentário que eu fiz na vida – lá pelos oito ou nove anos – e mamãe me “comprava” me dando risolis de camarão na saída. Eu, com a boca toda anestesiada, comendo risolis. Em dias mais ousados ela me dava o segundo. Eu sei que parece estranho, mas era ótimo. Nessa época eu amava muito mais salgados do que doces. Mas igual ao da Dona Eliza...


Eis que, para minha festa de 30 anos eu pedi a mamãe que trouxesse salgadinhos de Gotham City, minha cidade natal. E pedi que encomendasse risolis de camarão da Dona Eliza. Sim, ela ainda é viva e ainda faz salgados. E ontem, quando mamãe chegou com caixas de risolis, eu dei uma espiadinha e os vi lá, quietinhos, dormindo e foi como se eu voltasse no tempo. Os risolis da Dona Eliza. Apesar de pequenos - pois são pra festa - eles ainda tem a mesma carinha dos grandes risolis que eu comia na hora do recreio. Gordinhos, bonachoezinhos, quase risonhos, dizendo pra mim: oi, Carrie! Quanto tempo!


Fiquei pensando há quanto tempo eu não como risolis. Com essas coisas de dieta, passei a comer muito mais salgados assados que fritos. O que eu vim a descobrir, nos Vigilantes do Peso, que não faz muito sentido, pois é quase a mesma quantidade de calorias, além da quantidade de gordura hidrogenada – leia-se: trans – num salgado assado ser muito maior do que num frito. E eu, bobamente, deixei de comer meus amigos de camarão.

Sei que muito do sabor só existe na minha cabeça, pois se deve ao encanto de uma lembrança. Mas são assim os sabores, cheiros e amores. Existem, antes de tudo, como idéias e quase nunca correspondem à realidade.


E hoje, na minha festa de 30 anos, degustarei meus tenros risolis de camarão que eu comia na minha infância. Com alguns dos meus melhores amigos de infância. E alguns novos amigos de infância. Eu, assim como os risolis, ainda sou a mesma criança do primário. Apesar de um pouquinho diferente.


É bom a gente reencontrar amigos que não vemos há tanto tempo.

7 comentários:

Carrie, a Estranha disse...

Mamãe protesta violentamente aqui ao lado. Diz que não alfabetizava nada e q não tem culpa dos filhos serem super dotados e aprenderem a ler sozinhos. Q a gente era aficionado por livros. E tb diz q eu não passei no vestiba de cara pq queria uma coisa muito difícil, numa federal e não estudei o suficiente.

Ah, só as mães são felizes!

Anônimo disse...

Carrie, eu também sofria um monte nas filas da cantina do colégio, o meu salgado preferido era a esfiha de carne que eu comprava só UM e ainda dividia com o meu irmão (cada um dava uma mordida e depois o outro, para ninguém comer mais).

Aiaiai... tempos engraçados aquele...

Eu era tão "jacu" que não queria ser amiga de ninguém, então quando alguma menina grudava para ser minha amiga eu fugia dela no recreio! olha que doida!

Anônimo disse...

Caraca, como sou lombriguenta, fiquei com vontade de comer o risoles de camarão da Dona Eliza, e agora???

Anônimo disse...

eu também fui adiantada!
eu era genial demais pro Jardim I (não sei como descobriram isso, eu era muda quando pequena), aí na metade eu pulei pro II.
E por causa desse detalhe quando eu tinha, sei lá, 3 anos, passei minha vida inteira sendo A mais nova.
Semana passada tive que ouvir de uma mulher em uma entrevista de estágio : "é... vc é bem novinha, né?". Argh! Que culpa tenho eu?

FotoJo disse...

primeiro de tudo: carrie, parabens atrasado!!! esqueci de escrever no dia! foi mal! tudo de bom nos seus 30...!! e outra, eu to aqui o tempo todo pensando enquanto leio seu texto, e to morrendo de aflicao, porque eu esqueci o que eh risole!! (mas lembro que eu sempre falei risole, e nao risolis. na escola todo mundo falava assim. ta errado?) pois eh, sei que tinha na escola e sei que eu gosto. mas nao consigo lembrar a cara dele! esqueci completamente! ai que aflicao!!!

Carrie, a Estranha disse...

Joana,

Risole - ou risolis - de camarão é mais ou menos no formato de um pastel, mas com a massa de coxinha (molinha e frita).

Qto a pronúncia, como é um salgado de origem italiana (acho), acho q não existe uma unanimidade. Minha mãe diz q é risolis.

Obrigada pelo parabéns!

roberta carvalho disse...

Os risolis de dona Elizabeth são realmente maravilhosos. ;)