sábado, outubro 14, 2006


I

Queria voltar rapidamente ao post em que eu falava do meu “Casal 20 Amigo”.

Não quis dizer que é esse tipo de vida que eu queria pra mim. Eu sei que eles têm problemas como todo mundo e que perfeição não existe e todos esse lugares comuns. O que me impressiona – e talvez me inveje um pouco, pois é algo muito distante do que eu tenho – é um senso de aparente linearidade que acompanha a vida de certas pessoas, mais do que outras. Ou pelo menos mais do que a minha. Entretanto, pode ser apenas uma impressão.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, tem um texto chamado “A ilusão biográfica”, onde ele fala desse processo de construção de uma linearidade que fazemos a todo o tempo na nossa vida – principalmente na vida de personalidades “biografáveis”. Você olha pra trás e dá início, meio e fim para fatos e momentos na sua vida, quando na verdade eles só existem enquanto construções mentais e narrativas. Fornecemos explicações pra nossa própria vida o tempo todo. Do tipo: “eu era assim”, “eu sou assim”, quando na verdade na maior parte dos casos a gente é um monte de coisa. Damos explicações até mesmo pro caos. Dizemos: “foi um momento de crise” ou “naquela época eu era assim”, quando naquela época você certamente não se percebia dessa forma e talvez no futuro não se veja assim. Mas a gente precisa construir lógica para ações aparentemente aleatórias de nossas vidas.

Quando eu estava no pré-vestibular - ou nos primeiros anos de faculdade, não sei ao certo, pois foram anos muitos difíceis pra mim; ih, olha eu aí, construindo uma versão pra um período da minha vida! - eu me lembro de uma conversa que tive com Formiga Sister. Eu dizia que queria que essa crise acabasse e que eu ficasse bem. E ela me respondeu: “isso não é uma crise. Isso é a vida adulta”. Nunca mais esqueci disso.

“Crise”, em sânscrito, significa “purificar”. “Crise” e “crítica” têm origem da mesma palavra grega que é kriné. Este verbo significa ao mesmo tempo “separar, escolher, julgar e decidir”. “Crise” em chinês é uma palavra composta por dois ideogramas que representam “risco” e “oportunidade”. Mas a gente vive num mundo pautado por respostas objetivas, índices de produtividade, potência e excelência. Logo, a maioria das pessoas continua querendo a linearidade, respostas e soluções, ao invés de aproveitarem as perguntas, as rupturas e as incertezas. Daí “crise” adquire um sentido negativo.

Mas voltando ao meu Casal Perfeito: mesmo sabendo que tudo isso é ilusão construída não só pelas próprias pessoas, mas principalmente por quem tá de fora, é fato que algumas pessoas têm vidas mais lineares que outras. Ou não? Nunca entram em crise, ou as crises são menores e menos intensas. Não sei se é sorte, azar ou sei lá o quê. Não sei se é bom ou ruim. Mas que é fato isso é.

Por outro lado penso sempre que, para pessoas como essas, quando esse sistema se quebra (porque quase sempre ele se quebra em algum momento, mas isso não quer dizer que eu deseje isso, de forma alguma) a porrada é muito maior do que em quem vive no olho do furacão. Mas fica sempre aquela dúvida: e se o sistema nunca se quebrar? Não é muita injustiça para nós, mentes perturbadas, caro leitor?

II

Vocês já passaram por uma situação de ter algo que pode mudar definitivamente a sua vida? Tipo um exame ou alguma notícia realmente muito grave? Ou uma experiência de quase morte? Ou simplesmente já fizeram o exercício mental de pensar o que vocês fariam se acontecesse A, B ou C? Eu gosto sempre de pensar nisso. Ultimamente venho experimentando um pânico total e absoluto, seguido por uma sensação libertadora. Nesses momentos parece que você passa a se preocupar com coisas que realmente importam. Como com você mesmo, por exemplo.

Tipo: “o que você faria se só te restasse esse dia?”, como na música. Sabem o que eu faria? Eu viveria o dia. Não treparia sem camisinha, como na música, não tomaria um porre, não assaltaria um banco. Eu apenas viveria meu dia. Carpe Diem. Como se fosse o último. O que me leva a pensar porque eu não faço isso todos os dias. Por que eu não vivo todos os dias ao invés de esperar que alguns deles terminem, simplesmente. Afinal de contas, como diz aquele velho ditado: “viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta”.

3 comentários:

MM disse...

Sim, eu já.

marilia disse...

oi carrie, eu já passei.
e estranho e embranquiçada a sensação.

VanOr disse...

Amei o que você escreveu sobre crise. Formiga Sister é foda pacará e tem toda a razão: vida adulta é isso aí.