domingo, outubro 01, 2006

Escolhas


Domingo cinza e gelado. Sentimentos difusos mesclam-se ao tom insípido do dia. Pena, raiva, culpa, esperança, vergonha, alívio, nervoso, orgulho, cansaço, desilusão. Nessas alturas, estou que nem doente terminal: só quero que tudo isso termine. Nenhum dos candidatos eleitos mudará em absolutamente nada a minha vida. Ao mesmo tempo mudará. E eu também faço mudanças de última hora.

Voto num colégio perto da minha casa em Volta Redonda. No caminho de ida vou encontrando vizinhos, amigos e conhecidos que não vejo há séculos. A mulher recém separada. “Como está?". "Ah, vai levando”. Vizinha que reclama do preço do jardineiro. Nas sessões eleitorais os mesários também são conhecidos. Meninos antes bonitos e populares do colégio transformaram-se em gordos, carecas com aparência senhoril. Será que pensam o mesmo de mim? “Ih, lá vai Carrie, gorda, coitada. Não casou. Não teve filhos. O que ela faz da vida, afinal de contas?”

Na volta, mais amigos. Mãe com Alzheimer. Ele, separa-não-separa da mulher. Dois filhos. Ar de enfado. Duas vizinhas, gêmeas, da minha idade, as duas casadas, uma já com um filho de 4 anos. Fico sabendo que uma prima delas, também da nossa idade, teve o segundo filho esse final de semana.

Estão construindo uma casa ao lado da nossa, onde durante anos foi o terreno baldio onde meu pai tinha sua hortinha. As tais gêmeas são nossas vizinhas do outro lado. Uma delas mora com o atual marido na casa, depois que a mãe morreu. Ela, o marido, o pai e a avó. As duas se casaram com namorados da época do colégio. Um dos maridos de uma delas era realmente muito bonito. Infelizmente foi engordando, engordando até ganhar a singela alcunha de Boi.

Algo de muito profundo me toca, mas as palavras me fogem ao tentar explicar, pois o que realmente importa é indizível e essa é a angústia de quase todo mundo que escreve. Perseguir o pote de outro no final do arco-íris – mas onde fica o final do arco-íris? Talvez seja o mesmo misto de sentimentos que eu descrevi no início. Talvez seja a contradição inerente que marca não só a minha vida, mas a de todos – ou pelo menos daqueles que têm coragem de admitir. Poderia estar casada, com filhos. Poderia estar infeliz, querendo me separar e mantendo um casamento de aparências. Poderia estar matando e roubando. Poderia estar casada e feliz. Os caminhos se abrem em análises combinatórias infinitas na minha frente, como se eu pudesse dar um salto quântico e ver o meu próprio futuro. Nada é exatamente o que parece. Nada me soa totalmente ruim ou totalmente bom. Todas as possibilidades são muito mais complexas quando vistas de dentro. Será que fiz as escolhas certas? Será que existem escolhas certas?

Assim como o voto, é possível escolher. Mas será que as escolhas fazem realmente tanta diferença ou existe um quê de aleatoriedade nisso tudo? Vejo notícias de pessoas que escaparam do desastre da Gol. “Foi Deus”. E por que Deus não se meteu no caso das outras que morreram? “Por que não era a hora delas”. Eu, sinceramente, gostaria de acreditar nisso. O universo me parece uma grande mesa de sinuca. Você faz uma jogada tentando acertar uma caçapa e pode parar na outra ponta, entre duas bolas do adversário. Toda escolha é válida. Tudo implica em perdas e ganhos. O problema é saber em qual você ganhará mais – ou, às vezes, perderá menos. Só que nem sempre dá pra enxergar o ganho. Escolher, no final das contas, é isso. Eliminar possibilidades. Não poderia deixar de terminar esse post com uma das minhas poesias preferidas de todos os tempos. Afinal, a melhor escolha é sempre aquela que você pôde fazer.

O Caminho Não Escolhido
(Robert Frost)

Num bosque amarelo dois caminhos se separavam,
E lamentando não poder seguir os dois
E sendo apenas um viajante, fiquei muito tempo parado
E olhei para um deles tão distante quanto pude
Até onde se perdia na mata;
Então segui o outro, como sendo mais merecedor,
E tendo talvez melhor direito,
Porque coberto de mato e querendo uso
Embora os que por lá passaram
Os tenham realmente percorrido de igual forma;
E ambos ficaram essa manhã
Com folhas que passo nenhum pisou.
Oh, guardei o primeiro para o outro dia!
Embora sabendo como um caminho leva para longe,
Duvidasse que algum dia voltasse novamente.
Direi isto suspirando, em algum lugar,daqui a muito e muito tempo:
Dois caminhos se separaram em um bosque e eu...
Eu escolhi o menos percorrido
E isso fez toda a diferença.

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei!