domingo, julho 31, 2011

Metapost


Relendo um dos textos que eu escrevi sobre Porto Alegre eu me peguei tendo um insight sobre o meu hiato bloguístico: ando me repetindo e isso me cansa. Apesar de ser um texto sobre uma cidade onde eu nunca estive - o que por si só deveria conferir um grau de ineditismo - traz as mesmas questões de sempre: meu ódio ao calor, meu amor ao frio, minha sensação de estrangeirismo em relação ao meu ambiente e que eu encontrei eco em Porto Alegre e blá blá blá. Mas ando cansada do meu blá blá blá

Não que eu ache que um escritor deva buscar sempre a originalidade a todo custo. Muito pelo contrário: os escritores que eu mais admiro são mestres em um só tema. Nelson Rodrigues dizia que era a soma de suas obsessões. Woody Allen escreve e filma sobre alguns poucos temas: o deslocamento em relação ao mundo (expresso em paranoias e neuroses), a questão do acaso x destino, o absurdo da vida. Aliás, ouso dizer que a pessoa escreve mesmo sabendo - e justamente por causa - da incompletude da escrita. É como se ela passasse a vida escrevendo sobre um tema e sentisse que apenas arranhou a sua superfície. Ao mesmo tempo, esse arranhão valeu todo o esforço.

O problema é que a barreira entre "se repetir" e achar "o seu tema da vida" para um escritor (e artista, em geral) é muito tênue. Eu acho que Woody Allen nunca se repete, tem um "tema da vida". Já meu querido Rubem Fonseca, por exemplo, é um escritor que vem se repetindo nos últimos 15 anos, na minha opinião (mas ninguém tem coragem de contar pro cara, afinal ele é foda e tem uma obra de respeito e no Brasil certas pessoas são intocáveis). 

Hemingway deu um tiro de 12 na abóbada palatina ao descobrir que sua fonte secou. Eu não vou dar um tiro de 12 na minha abóbada palatina. Mesmo porque eu nem sei o que é abóbada palatina (mentira, sei sim, mas achei que essa piada ficaria boa aqui. Ha ha). Nem fechar o blog. Apenas é estranho me sentir esgotada sem nem ao menos ter começado. O que, de certa forma, é uma metáfora da minha atual condição de vida.

É duro manter um blog diário durante cinco anos. Eventualmente se escreve merda. Se escreve muita merda. É um working in progress. É um rascunhão pra todo mundo ver. Você se arrepende do que escreve. Volta. Escreve coisas que não deveria. E vocês sabem que ele sempre foi diário. Mais do que diário - às vezes com mais de dois posts por dia. Nunca deixei de escrever nem durante as viagens, nem durante a fase final de defesa do doutorado, nem nos períodos de maior atribulação. Simplesmente porque escrever era preciso, muito, e urgente, e o blog foi durante muito tempo uma forma de desabafo e de aperfeiçoamento da escrita - ainda que as pessoas não saibam que eu também tenho um diário de papel,  tedioso e melodramático. Quando você tem um blog você faz escolhas e percebe qual delas mais te agrada e mais agrada aos outros. Porque eu sempre quis ser uma escritora. Mas ultimamente ando me questionando o que é querer ser uma escritora se eu nunca tenho um tema sobre o qual escrever. Escrevo muito bem sobre demanda: uma tese, um curso que me pede um trabalho, uma oficina literária. Mas esse desejo de "ser escritora" fica vago e difuso quando sou eu comigo mesma. 

Acho que eu preciso de um agente literário. Ou de um editor. Ha ha.

As pessoas têm blogs pelas mais variadas razões. A minha é porque eu gostaria de ser uma escritora. E o que é ser escritora, já que, teoricamente, eu já poderia me considerar uma escritora, uma vez que eu escrevo e tenho leitores? Aliás, uma vez conversei pessoalmente com a Anna V, que trabalha com edição de livros, sobre isso: por que, mesmo com a internet, muitos escritores ainda querem ser publicados? Se o maior desejo de um escritor é ser lido, a internet supre essa demanda. Além disso, estamos passando por redefinições da noção de autoria que complicam a ideia de viver às custas de literatura.

Mas é o que eu queria, de verdade, cá entre nós, eu e você, leitor(a) amiga(o), aqui no cantinho. Ok, não me incomodaria de dar aulas em uma federal, uma ou duas vezes por semana e, como diria a Susie Derkins, amiguinha do Calvin, também queria ter um pônei. E gêmeos ruivos - que entra quase na categoria "pônei". Ou só gêmeos. Ou só filhos. Ou só um. Ou adotar. Ou ter um cachorro. Mas...puxa. Tá tudo tão longe. 

Outro dia, conversava com outro amigo internético que escreve muito bem e também tem um blog e, como eu, é apaixonado por literatura - mas, ao contrário de mim, sua profissão o deixa um pouco mais afastado dessa área. Ele dizia que já desistiu de ser um escritor por não ter nem o talento nem a disciplina necessárias.

Eu não queria ter que desistir de mais isso. Já readptei sonhos demais por perceber que não vai dar tempo, não nessa encarnação, ou que não era bem isso, ou que se for pra pagar esse preço eu não quero. Envelhecer é perceber que a sua estrada vai ficando mais cheia de "caminhos não percorridos" - como dizia o Foster - quando você olha pra trás do que encruzilhadas quando você olha pra frente. Hoje em dia, por exemplo, não dá mais tempo de querer ser uma bailarina clássica como daria tempo aos 12 anos (não, eu nunca quis ser uma bailarina clássica). Ou uma atleta. Ou mesma uma musicista ou cantora lírica ou modelo (isso nem aos 15 dava). Ao mesmo tempo me pergunto se a vida adulta não é isso: adaptar sonhos a realidade, ceder de um lado e esperar que a vida faça a sua parte e também ceda um pouco. E tem horas em que dá vontade de botar a mãozinha na cintura e dizer: pô, vida? Que tal facilitar só um pouquinho? E ela te responde: tá reclamando do quê? Podia ter nascido na África e não ter nem água potável uma hora dessas. Até que ponto ceder? Até que ponto readaptar sonhos é realmente readaptar e quando se começa a desistir? Essa é a grande questão.

Ultimamente venho pensando muito sobre o caráter acidental de todas as minhas escolhas. Mas, isso é assunto pra outro post. Por hora fico por aqui, pois já me estendi deveras.

9 comentários:

Ila Fox disse...

Não sei onde li, mas tem aquela teoria de que só devemos escrever e falar sobre aquilo que entendemos e gostamos. Mesmo que sobre o próprio cotidiano.

*

Acho que este drama dos escritores é parecido com o de ilustradores e quadrinistas que ficam em busca de seu estilo próprio. Bom, eu já desisti, meu estilo é tão flutuante quanto minha tecnica. Mas todas tem algo em comum, algo relacionado ao meu cotidiano, acho difícil desvincular sabe?

*

Sobre escolhas, estes dias me peguei pensando como pequenas escolhas ecoaram pela minha vida afora. Pro bem ou pro mal.

Carrie, a Estranha disse...

Ila, sempre a primeira!:)

Mas eu consigo detectar um estilo claro nos seus desenhos...uma coisa meio "maurício de souza". Será q é por causa do meu pouco entendimento em ilustração?

Ila Fox disse...

Carrie,
Acho que a razão é que eu e o Maurício (olha a intimidade! hehe) fomos influenciados pela mesma fonte, o mangá! daí que isso meio que foi diluído com o nosso próprio estilo e ficou uma coisa meio a meio, hehe. ;-)

Clara disse...

Escolhas, decisoes... ai, leer esse teu post foi bom nesses meu dias (eternos) de indecisoes. Acho que meu problema é nao decidir o que quero para poder ir atrás disso.
Sei lá...

Bela disse...

Li em algum lugar e achei perfeito: se fosse fácil, se chamaria piriguete, e não vida...

Cinthya Rachel disse...

As vezes penso se a gente esta realmente vivendo a vida que êh a nossa, rs.

Taís Teixeira disse...

Gosto muito do teu estilo de escrever. A gente lê, se delicia, se identifica, e clica no "x" mas continua com o blog aberto na cabeça. Porque tu mexe com as tuas idéias e, particularmente, me deixa reflexiva. Caraminholando as tuas coisas, que são as minhas também.
Também sinto ciúmes dos meus caminhos não percorridos. Mas são coisas da vida, não deu pra ser maestrina de coral, percussionista de orquestra, estilista e freira tudo ao mesmo tempo, né? rsrs
Ficou aquela impotência de não ter se desdobrado em mil e vinte e ter conseguido fazer tudo.
:-S Beijones!

GiZza disse...

Incrível tudo q acabei de ler.
Preciso fazer um comentário a altura desse post, mas estou correndo, preciso sair pra trabalhar. Mas eu volto, vou ler novamente. Vc é uma escritora maravilhosa!!!Jamais pare de escrever por favor!

Mariana Bueno disse...

Estive ausente do seu blog durante alguns anos (2, talvez) e agora estou lendo de "frente pra trás" o que perdi. Me deu vontade de comentar logo no último/primeiro texto. Dizer o quanto estava feliz pelo seu namolado (sim, é algo normal e as pessoas não deveriam se surpreender, mas sim, quem gosta de vc - mesmo que virtualmente - quer vê-la feliz) e que vc deveria voltar para o blog, voltar a escrever. Mas embora continue pensando isso, afinal, gosto de lê-la e o ser humano é egoísta bagarai, me parece que vc não tem mais tempo pra isso. Pois está gastando o seu tempo em coisas ainda mais prazeirosas. Viver um novo amor é no mínimo um grande motivo de se ausentar do que quer que seja. Eu tb não passava pelo meu blog faz tempo e resolvi abri-lo só pra dar uma espiada...pensei em voltar a escrever. Não sei. Hoje tb sou mais feliz, e tenho menos tempo graças a isso, como vc ;) Um beijo grande, Mariana.