sábado, outubro 03, 2009

Um pai. Um filho. Três filmes por semana. E tempo.

Estou há umas três semanas pra escrever sobre este livro que li, O clube do filme, de David Gilmour, de um crítico de cinema canadense (homônimo do cara do Pink Floyd) que conta a história dele e do seu filho, Jesse.

Esse livro foi bastante badalado na época do lançamento, ainda este ano, em função da sua história, verídica: David deixa que seu filho pare de estudar. Aliás, ele mesmo propõe isso, mediante ao péssimo desempenho do menino e ao total desinteresse pela escola. Impõe apenas uma única condição. Aliás, duas: nada de drogas e o garoto deveria ver três filmes por semana, com o pai, e discuti-los depois. Essa seria a única educação que o filho receberia. A segunda regra o garoto cumpre a risca, já a primeira...alguns sobressaltos se colocam no caminho.

Louco? Com certeza. Você deixaria seu filho parar de estudar, cara(o) leitor(a)? Aliás, você proporia isto como solução? Pois é.

Os filmes eram escolhidos pelo pai e passam de clássicos como Truffaut a Spielberg. De Wong Kar-Wai a Woddy Allen. Kubrick, Polanski, Fellini, Tim Burton Steven Soderbergh, Hitchcock...tem de um tudo. E como ele mesmo coloca: eu escolhia os filmes de maneira bastante aleatória, sem uma ordem particular. Em maioria, eles deveriam ser bons, clássicos, quando possível, mas sobretudo envolventes, pois tinham de arrancar Jesse de seus pensamentos, com uma boa trama. Não havia sentido, não naquele momento, ao menos, em mostrar a ele coisas como 8 ½ (1963), de Fellini. Eles viriam na hora certa, os filmes deste tipo (ou não). O que eu não poderia era ficar indiferente ao prazer de Jesse, ao seu apetite por entretenimento. É preciso começar de algum lugar; se você quiser despertar o interesse de alguém por literatura, não pode começar propondo a leitura de Ulisses.

Se você gosta muito de cinema, mas entende pouco feito eu e gostaria de entender mais, é um manual. Fala coisas sobre diretores de fotografia, quem fez direção de arte de tal filme e porque o cara é importante e outros detalhes. Sem contar que é dividido em alguns módulos, bastante divertidos (o talento aflora, por exemplo, sobre grandes filmes de atores em início de carreira; séries sobre filmes de horror, exercícios do tipo aponte o grande momento ou porque nós adoramos Jack Nicholson ou ainda cinco coisas que eu admirava em Clint Eastwood).


O pai se pergunta o tempo todo se fez a coisa certa: Eu o imaginei como um homem mais velho dirigindo um táxi pela cidade numa noite chuvosa, o carro cheirando a maconha, um tablóide dobrado no banco do carona. Eu disse a ele que poderia fazer o que quisesse; esqueça o aluguel, passe o dia dormindo. Que pai legal eu sou! Mas e se nada acontecesse? E se eu o estivesse empurrando para um beco sem saída, sem escapatória, para uma sucessão de empregos ruins e chefes chatos, sem dinheiros e com muita bebida? E se eu estivesse preparando o cenário para tudo isso?

Como se não bastasse os problemas com o filho, o pai está em profunda crise financeira, sem emprego, fazendo bicos aqui e ali cogitando até mesmo ser entregador de jornais. Mas, em meio a todos estes problemas, o pai assiste aos filmes com o seu filho - ah é, ele tem uma mulher, que não é a mãe do menino, que trabalha. Mesmo duvidando das escolhas que fizera – para si e para o filho – ele acredita nos laços entre eles e no tempo. E deixa que essas duas coisas ajam sobre os problemas de ambos. E foi isso o que me cativou no livro.
As estações se sucedem através dos gelados e longos invernos canadenses e aqueles dois homens ali, quase imutáveis; às vezes na cadeira de vime, na varanda (quando o tempo permitia), em outras dentro de casa. O pai muitas vezes acordando o filho às cinco da tarde, depois de uma noitada, com um croissant e o convite para mais um filme. Trabalhos que aparecem de vez em quando e cada vez com mais frequência depois de algum tempo. Longos jantares no restaurante preferido de ambos. Passeios perto de casa. Saídas para fumar. Aquele garoto desengonçado e perdido ao lado do seu pai de meia idade, no segundo casamento e sem perspectivas de emprego. A única menção à passagem do tempo vem do próprio autor, quando nos conta que já passaram-se três anos desde que fez sua proposta ao filho. Imagino o livro virando um filme e as as folhas amarelas mostrando que mais uma estação se completara e o garoto continua ali, com um ou outro subemprego e se aventurando como cantor de rap.
Fiquei pensando em como, na maior parte da vida, isso é tudo que podemos fazer. Deixar o tempo agir por si só. Mas, por ser tão simples, e ao mesmo tempo tão difícil, relutamos tanto diante dessa perspectiva. Como David coloca: mas que presente estranho, milagroso e inesperado tinham sido aqueles três anos da vida de um jovem, numa época em que normalmente ele estaria batendo a porta na casa dos pais! E como eu tinha sido afortunado (embora certamente não parecesse assim, na época) por não ter um emprego, por ter tido tanto tempo livre à disposição. Dias, tardes e noites. Tempo.

Cada vez mais eu acredito na máxima de que tempo é dinheiro. Mesmo. Quanto mais você tem um, menos tem o outro. Qual dos dois você prefere ter?


E o que é mais bonito no livro é essa qualidade de tempo que os dois, pai e filho, têm o privilégio de vivenciar. As pessoas precisam de tempo. Tempo de não fazer nada. Tempo para as coisas agirem. Não fazer nada não é estar parado. Não fazer nada não é passar o dia vendo televisão – embora, às vezes, você possa passar o dia vendo televisão simplesmente porque pode. Às vezes você está fazendo um monte de coisas e está parado. Estagnado. Preso a uma vida que você ligou no piloto automático. Mas é assim que todo mundo faz então deve ser assim que é o certo.

Eu volto no tempo e me lembro de momentos em que eu tinha todo o tempo do mundo. Quando se é criança ou adolescente (pelo menos os adolescentes da minha época tinham tempo). Tempo pra ficar observando formigas no quintal. Tempo para olhar a chuva da janela. Tempo para sentar com parentes mais velhos e ficar ouvindo histórias. Tempo. De visitar pessoas. Amigos. De conversar à toa. As pessoas realmente não estão nem aí pra isso. Acham que vai chegar um tempo em que elas terão tempo, sem se dar conta que o tempo passa e quando (e se) esse tempo chegar, talvez não dê mais tempo de se dar ao luxo de ter tempo. Porque, sim, o tempo é um luxo. E depois não entendem porque a distância se instala entre elas e os outros. Ou entre o que elas são e o que a vida fez delas.


Bom, não vou contar o final do livro. Leiam vocês. Se tiverem tempo nas suas agendas lotadas.

4 comentários:

Solange disse...

Não sei até que ponto vai o livro, mas eu ouvi essa história num programa do This American Life, onde eles entrevistaram o pai uns anos depois, e... ;D

anna v. disse...

Gostei muito desse livro. Principalmente, tem um afeto entre o pai e o filho que não costumamos encontrar descritos por aí. Sentimentos tão femininos, quase, ali vivenciados por dois homens. Achei lindo.

Bárbara Anaissi disse...

Eu adorei esse livro. A sensibilidade, a entrega, a coragem. Essa questão do tempo, de como aproveitar o tempo, como passar o tempo é mesmo fundamental, né? E a forma como as pessoas encaram "tempo livre" hoje é de assustar. Como se fosse um crime ter tempo para fazer nada, visitar amigos etc etc.
Bjs

trinity disse...

Pretendo ler este livro, eu li uma crítica da Martha Medeiros sobre esse livro.