domingo, março 15, 2009


Tá foda. Nem conto pra vocês o quão foda está. Parece que no final das contas eu não tenho mais nada a falar. Nothing. Necas de pitibiriba. Você passa quatro anos de um doutorado tentando encontrar a resposta pra um problema. Quando encontra, ela se resume a um parágrafo. O resto é firula. E aí você se sente com um grande quebra cabeças nas mãos, juntando peças: as suas fontes, os autores com os quais você trabalha – que já nem sabe se eles de fato te ajudam ou se simplesmente comparecem como argumento de autoridade, mais um laço de fita aqui, um pouquinho de perfume ali...

Como disse a Paula Clarice o texto é como filho: nunca sai como a gente imagina ou sonhou. Me lembro quando ele era ainda apenas um bebezinho e quantos planos eu fiz para ele. A gestação, quando ele era só um projeto, com todas as ansiedades – apesar de segundo filho, a responsabilidade era maior. O primeiro ano, ainda difícil em função do trabalho. Quanta coisa saiu diferente do planejado – pra melhor e pra pior. Mudou de madrinhagem no meio – de uma “madrinha” para um “padrinho”. Tanta gente pegava no colo, achava lindo e eu me enchia de orgulho: fui eu que fiz! Sozinha! A bolsa sanduíche: primeiro um sonho vago (EUA era a meta, mas outras cidades), depois uma realidade que eu já nem achava que ia conseguir, uma primeira tentativa que não deu certo e de repente, numa virada de sorte sensacional, um prêmio para mim e o meu garoto! Mas na hora de você mandar ele pro mundo, de dizer adeus, de entender que ele tem defeitos, que é fruto do melhor que você pôde fazer naquele momento, você não consegue.

E nessas horas, o seu orientador, por melhor que seja, já não tem nada a dizer. Porque ele não entende do seu tema como você, em geral. Se é um tema de fato minimamente original - como devem ser os temas do doutorado - você deve entender mais do que ele ou ela. Então nem adianta muito perguntar o que eu faço?. Ao mesmo tempo as críticas que ele(ela) fizerem terão que ser razoáveis, já que se for pra mudar tudo, são mais seis meses, então ou é isso ou isso. No final você descobre que é você e o seu filho. Mais ninguém.

E você vê quilos e quilos de informações, horas gastas em arquivos, material coletado e mais uma porrada de coisa ser sintetizado num espaço mínimo. E outros tantos livros que você deveria ter lido, ou lido melhor, ou relido, mas que não vai dar tempo.

Ontem eu descobri que minha pressão está levemente alterada – pra cima, claro. Como eu não tenho uma alimentação tão horrível assim, isso se deve, possivelmente a: 1) fator genético e 2) Stress. Depois eu digo que eu tenho 32 anos com corpinho de 67 e as pessoas acham que é piada. Ah é: e eu ainda não tenho plano de saúde desde que voltei dos EUA.

Eu não consigo nem explicar direito o que acontece comigo. É como se eu estivesse tão cansada, tão cansada, tão cansada que eu não consigo nunca me concentrar totalmente. Eu não consigo absorver mais as coisas. Eu não fico mais 4 horas direto estudando como eu ficava. Virar noite nem pensar. Ando com um sono absurdo. Eu leio um texto pensando em outro. Faço um capítulo pensando no seguinte. Fico horas olhando pra mancha de café na mesa. Tudo se embola na minha cabeça e eu vejo meus piores pesadelos tomando forma. Estilo aparecer de pijama ou sem roupa na aula. Estilo a banca olhando pra mim e dizendo: “é piada, isso?”. Ainda que as convenções acadêmicas não permitam esse tipo de coisa – dependendo do peso do seu orientador, ninguém vai te esculachar, já que seria esculachá-lo por tabela – você sabe quando gostam de fato de um trabalho ou quando teve apenas que cumprir os rituais.

Ao mesmo tempo eu sei que são pequenas estratégias de auto-boicote. Que a gente anda é pra frente,/ mesmo com um frio na/ barriga a gente avança/ Feito andar a cavalo de noite./ Que cavalo enxerga no escuro,/ mas gente não/Feito avançar a Rainha/ quando se enfrenta/ adversário mais forte. Mas gente também anda pra trás, Cósnis. Não devia, mais anda. Gente quando vai muito rápida, talvez mais rápida do que as próprias pernas agüentam, resolve voltar. Duvidar. Achar que não é isso, não é isso. Duvida da dúvida. O cavalo empaca. Você desce dele. Olha pra um lado, olha pro outro. Discute com o cavalo.

E o pior é saber de tudo isso. Sei de fato? Saber sem agir não é saber.

No final das contas, é só uma tese. Tento me lembrar de que é só uma tese. Mas como dói. Dói porque é bom. Dói porque é paixão e, como toda paixão, há o medo da perda, de não estar à altura do objeto amado. Dói porque é você ali naquelas linhas, quase um texto auto-biográfico. Dói porque você já antevê o abismo se abrindo do outro lado, o vazio pós-tese, a depressão pós-parto o e agora, José?. Dói porque não é só uma tese, é você.

Você sabe que as pesquisas não se encerram nos textos que resultam delas e que você poderá voltar a ver o seu filho, no futuro. Não é porque ele está indo pro mundo que você nunca mais vai poder interferir nele – quer dizer, não naquele ali, mas quem sabe em outros filhos, desdobramentos daquele original, naquele tipo de reprodução que eu me lembraria do nome se tivesse prestado mais atenção nas aulas de biologia. E aí começa tudo de novo, você planeja, estabelece metas, sonha com um futuro que nem sempre será aquele. Você esquece a dor do parto e engravida novamente.

O amor é realmente muito burro.

15 comentários:

Anônimo disse...

Amei o texto !!!!! Eu estou começando o mestrado agora, e tenho medo de q, até o final dele, eu esteja assim... com a sensação de q poderia ter lido mais, estudado mais, pesquisado mais...
Aahh q delícia já estar terminando o doutorado !! Agora falta só o pós-doc !! :D hahahahaa !!
Bjoss !!

Amana disse...

Eu penso várias coisas para driblar o nervosismo...
1. o que eu nao li, lerei. no futuro, para outros projetos, no túmulo, sei lá. lerei.
2. o que dá a verdadeira unidade de uma tese é a encadernação. não adianta, a gente sempre escreve grande parte dela em cima da hora, na correria dos prazos, e mal tem tempo de reler, revisar, corrigir as contradições, burilar a retórica... morro de vergonha de ler minha monografia. Publiquei um artigo da minha dissertação q demorou um ano pra sair. Quando chegou a revista lá em casa... queria morrer!!! reescreveria todo ele, de cabo a rabo. Com certeza, ficarei insatisfeita com a minha tese.
3. quem está na berlinda é o aluno. O restante, 90% das vezes, está ali para representar um papel. É raro, mas às vezes tem alguém na banca que realmente lê o seu texto, faz colocações pertinentes, escuta suas respostas com interesse. Mas é raro. Na maior parte das vezes... quem está realmente interessado no evento somos nós. Os amigos, querem saber onde vai ser a cerveja. Os da banca, querem cumprir tabela sem grandes atritos. Normalmente.

RELAXA, CARRIE, VAI DAR TUUUDO CERTO!!!
beijos

Anônimo disse...

to chegando nesta fase também:(
q medo!
mas vai dar tudo certo;)
torço por você

Bibi disse...

Lindo texto, minha Formiga!
Só vc msmo pra fazer estas conexões.
Tenho certeza que seu filhinho vai nascer saudável e feliz.
Te amo e tô aqui!
Beijos,
Bibi

Carrie, a Estranha disse...

Taísa,

Vá se acostumando. Essa sensação existirá - ainda q seja falsa.

Pós-doutorado pelo menos não tem tese final! Rsrsrs...

Amana,

É. Eu sei. É o q eu falo tb pra mim. Obrigada pela torcida!

Patrícia,

Eu tb vou torcer por vc.

Fumiga Imã,

Tudo seria muito mais difícil sem vc.

Bjão

Paula Clarice disse...

Que lindo, querida :o*

Marisa Landim disse...

Carrie,
ficou " do caralho" esse seu texto. Desculpe pelo termo, mas ele é forte e preciso o suficiente para expressar a sensação de se ler algo que vc gostaria de ter escrito. Ás vezes, me pergunta o que me mantém presa a essa história de carreira acadêmica. Não se ganha dinheiro, perde-se boa parte da juventude com companhias virtuais, glórias só com muito trabalho e mais sorte ainda. No meu caso, não passo um dia sem me questionar se sou boa o suficiente para isso. Escrever uma dissertação é um processo tão desgastante e sofrível em que agente alterna entre estados que vão desde "nossa isso tá foda" ao "que merda essa". E o pior de tudo é que são poucos os que podem te entender. Mas quando li o seu texto hoje acho que tive a resposta que procurava.
Vc não sabe como é bom nessas horas saber que outras pessoas passam pelo os mesmos "desesperos" que vc. Sinto menos a solidão do meu trabalho. Saber que existem mais loucos prontos para passar a vida inteira entre as dores e as delícias de uma pesquisa me reconforta. Só a paixão explica o fato de que quando tudo te leva a crer que pegou o caminho errado, vc mesmo assim não consegue se imaginar fazendo outra coisa. Sorte por aí. Abraços.

Carrie, a Estranha disse...

Marisa,

Muito obrigada. Lindas palavras as suas, também. Bom sabe q não estamos sós.

Paula Clarice,

Vc foi a inspiração, beibe!

Bjs

Júlio César Meireles de Andrade disse...

"Quando a gente chega numa encruzilhada, olha prum lado é nada, olha pro outro é nada também. Aí o céu escurece, o céu desaba, tudo se acaba. Quando tudo tá perdido na vida, SÓ quando tudo tá perdido na vida é que a gente
descobre que, na vida, nunca tudo está perdido, minha flor".
Zé Geraldo

Cláudia Pereira disse...

Aline, tá até engraçado. No meu blog, eu falo que escrever tese não dói. Digo que o que dói é escrever TESE. Eu, Alice no País das Maravilhas. Você, Vovozinha (com todo respeito, nenhuma alusão ao seu declarado corpinho de 67, é que não encontrei personagem melhor) sendo devorada pelo Lobo Mau. O que eu estou achando é que você está escrevendo uma tese, mas está passando pela crise do "e depois que eu acabar, o que vou fazer com ela?". Aí, ela vira uma TESE. Relaxa, Carrie. No fundo, no fundo, é só uma tese. Palavra de quem tem três filhas biológicas, duas acadêmicas e que aprendeu a sobreviver ao desespero.
Quando estamos entre aspas, reticências e interrogações, não enxergamos lá na frente. Mas, pode ter certeza o ponto final vai chegar. E aí, prima, a gente sai para beber toooodas.

Carrie, a Estranha disse...

Cóóósnis...

:)

Cláudia,

Ah, mas vc não existe! Vc é minha heroína! Qdo crescer quero ser que nem vc! Rsrsrs

Bjs

Cláudia Pereira disse...

Fiz referência ao seu liiiindo texto no meu blog. Você já foi lá? www.duvidaradical.blogspot.com.

Só uma coisa: eu existo (ô, se existo) e desisti de ser heroína há muito, muito tempo. Outra coisinha: você já é grande, Aline! Te admiro pra car...

bjs

Stella disse...

Ao mesmo tempo que fico super ansiosa para fazer doutorado um dia (que falta tempo isso, já que ainda sou só uma estudande na graduação), fico também morrendo de medo. Ai, quando li essa comparação com filhos, deu mais medo ainda. Acho que no fundo é tudo medo de enfrentar desafios e acabar falhando. Mas não pode ser assim, né? Não pode.

Confia na sua tese. É o mesmo que confiar em você. E você sabe que pode confiar em você. ;)

E arrume logo um plano de saúde! Mamãe me diz assim: "Você pode passar fome, mas não fique sem plano de saúde!" :P

Beijos, Carrie

Carrie, a Estranha disse...

Stella,

Já arrumei. Bigada pelas palavras.

Claudia,

E eu deixei uma msg lá antes. Depois vou ver.

Bjs

NanaZylber disse...

Oi, Carrie!
Quanto tempo!
Vou me meter um pouquinho,com papo de médico: já viu como está a sua tireóide? Estão aumentando muito os casos de hipotireooidismo, a partir dos 30 em mulheres. Sintomas mais comuns: cansaço, sonolência, edema, depressão, irritação. Claro que você tem motivos para estar cansada,com essa carga de pesquisa e tudo o mais para finalizar a coisa, mas não custa dar uma olhada...

Ah, completamente off topic, mas...
Cheguei de mais uma viagem à Itália, dei uma passada na Suíça, foi muito bom. Estou postando umas fotos. Se você quiser e puder olhar...
flogvip.net/4nanazylber4

Um abração! Boa sorte!