quarta-feira, setembro 10, 2008


Conheci a Karen, a garota. Ela quase não fala nada de português, mas sabe muito espanhol – ela é de New Mexico. Faz Administração na NYU e vai pra SP ano que vem, em junho. Também sabe francês. Ou seja: vai aprender rapidinho. Conhece Mutantes, Adriana Calcanhoto...já leu “Os Maias” do Eça de Queirós, Fernando Pessoa...já foi a Portugal. Introduzi-a (no bom sentido) ao Rubão. Disse que ela tem que ler. Que é uma linguagem super atualizada. Voltei do nosso encontro e já mandei pilhas de sugestões de leituras e filmes em português pra ela ver (é, eu me empolgo). Ao invés de estar estudando estou aqui pensando em estratégias para fazê-la aprender português.

Aí me diz, você aí. Ela é do Novo México. Tudo bem que veio pra NY pra estudar. Mas é do Novo México. Uma pessoa do Novo México saber sobre o Brasil e ter interesse... Outra coisa: eu não devo considerar NY os EUA, certo? Mas se é difícil encontrar novaiorquinos da gema (quase impossível), se quase todo mundo é de fora (outros estados), porque eu não posso tomar NY como os EUA?

Além disso, fiquei pensando: em que país o cidadão médio não é tacanho? (Na França, em alguns países da Europa, talvez? Me faltam informações). E o brasileiro médio, é o quê? Um literato nato, né? Como diria aquela comunidade do orkut, “eu tenho medo do cidadão de bem”. Saca, “cidadão de bem”? Aquele pagador de impostos, cumpridor de seus deveres, que acha que bandido bom é bandido morto, que homossexualidade é safadeza, sem vergonhice ou, na melhor das hipóteses (os mais tolerantes) é doença que precisa ser tratada, que acha que "na ditadura é que tinha ordem", que vê preto (em algumas regiões) uma vez na vida outra na morte, sempre lhe prestando algum serviço subalterno? Pois é. Esse é o cidadão de bem. O cidadão médio. O que vota no Bush ou elege o Capitão Nascimento pra presidente do Brasil. Seja ele brasileiro ou americano. Então, sinceramente eu não sei se existe cidadão médio que não seja burro – teríamos que definir o que é cidadão médio (médio em relação a quê?) e o que é burrice.


***


Enquanto esperava a Karen na frente do café – que eu não conhecia – sentei num banquinho. Do meu lado, um cara com um capacete, falando num celular – acho que ele trabalhava na obra em frente. Um sol de rachar. Sentei ali achando que não ia agüentar muito tempo. Mas fiquei com medo de entrar e a menina não me achar. Além disso o lugar tava completamente lotado, não tinha uma mesa. Então entre ficar em pé na sombra ou sentada no sol preferi ficar no sol, sentada. Do meu outro lado, um cara lendo um livro. Aí noto que o cara do meu lado é bonito. Ôpa. Ele vira mais um pouquinho. Ôpa! Ele é muito bonito. Ele é bonito pra caralho!! E ainda por cima tá lendo. Ponto para os meninos. O que ele tá lendo? Cem anos de solidão!!!! Em inglês, mas tá lendo. Mil vezes ôpa. Mil pontos para os meninos. Posso falar que eu já li em espanhol (mentira, li em português, mas posso falar só pra impressioná-lo). Posso falar sobre o realismo fantástico durante horas. Sobre Isabel Allende. E de como nós não temos esse tipo de literatura no Brasil, apesar desse universo nos ser muito familiar – minha família é o próprio realismo fantástico. Mas provavelmente não vou ter coragem. E ele tá olhando pra mim. Como assim? Ele toda hora pára de ler e olha pros lados. Na certa tá esperando a namorada, Carrie (ah, é. Essa voz em itálico é minha consciência. Ou melhor, meu Super Ego que me tolhe a todo momento, entidade preponderante em 99,99999% do tempo, a não ser nos raros momentos em é invadido pelo Id, uma espécie de Pink, coitado, que leva porrada do Superego - que no caso é o Cérebro - que é bem mais forte que o Id. De vez em quando o Pink consegue trancar o Cérebro no banheiro, ou o Cérebro desmaia de tanto trabalhar. Daí o Pink assume o controle, aperta meia dúzia de botão, pinta tudo de rosa com bolinhas amarelas e fica chupando pirulito laranja de molhar no saquinho (vocês tinham isso na infância? Um pirulito que vinha no saquinho?). O Cérebro acorda, vê a merda toda, arruma tudo e bota o Pink de castigo durante um mês. E o Ego? Meu Ego quase não existe. Ele é quase nulo frente esse Cartoon que é a minha torpe psique.). Mas então. O cara. Voltando. Toda hora o cara olha no relógio. Mas ele não pára de olhar pra mim. Toda hora pára de ler. Ah, eu tenho que puxar assunto. Tenho.


(Dez horas depois, Pink consegue entreter o Cérebro com um vazamento no sótão e quando ele vai olhar fica preso lá em cima...)


- Nossa, eu adoro esse livro...vc tá gostando? (ai, que papo mais nada a ver, caralho! Que merda! – Cérebro escapou).

Ele se vira pra mim: “a gente se conheceu!”.

Ôoooopa! Como? Em outra vida, só se for? Uma graça de rapaz como esse e eu não lembro que conheci?

- Ah é? ? ? ?

- No churrasco, domingo...

Aí quando ele acabou de virar (até então eu estava vendo-o só de perfil) eu me lembrei. Siiim! Eu o conheci! Quer dizer, fui apresentada rapidamente. Ele é argentino. Uiuiui. Argentino. Adoooooro argentinos. Eu, Pink, Cérebro, Dona Henriqueta, Salim, Afonso: o nerd esquisitão, Jorjão: o caminoneiro que me habita, Pri: a adolescente mal humorada, Neidinha, a imigrante ilegal cujo sonho é ser manicure nas J. Sisters, todos nós gostamos muito de argentinos. Sim, argentinos em geral.

- Ah....é...

(O cara deve ter pensando que eu sou a maior mongol, né? Primeiro ele fica horas olhando pra ver se eu cumprimento ele, e eu nada. Depois eu puxo assunto sobre o livro que ele tá lendo, o 171 mais fajuto da história...e pra piorar o cara é argentino e já leu o livro no original - e eu li há cem anos atrás - sem trocadilho - qualquer referência que eu fizer vai parecer boba pra ele). Charlie Brown é Don Juan perto de mim.

Enfim, conversamos um pouco. Ele é assistente de um dos professores do departamento – o que deu o churrasco. E ele ia dar uma aula sobre "Cem anos de solidão" logo depois. Ele já leu em espanhol, claro, mas estava relendo em inglês, para a aula. Reclamou um pouco dos alunos, disse que é uma matéria para vários cursos e por isso os alunos não estão muito interessados em história da América Latina (ah, mas eu garanto que as alunas estão!!), perguntou sobre a minha pesquisa, eu disse, ele disse que já leu Rubem Fonseca (poooonto para os meninos!), falou sobre a dele e perguntou o que eu estava fazendo ali. Disse que estava esperando uma menina que eu nem conhecia pra trocarmos conversação. Ele disse que americanos são pontuais e que ele levou um ano pra se acostumar com isso. Perguntei se ele estava esperando alguém (uma namorada? Eu?) e ele disse que não, estava só ali enquanto a aula dele não começava e eu disse “oh, estou te atrapalhando” e ele “não, de jeito nenhum” e coisa e tal. (Nessa hora Pink fazia dancinhas na frente do Cérebro, enquanto gritava “tá vendo! Eu disse que ela devia falar com ele! In your face! In your face, stupid! Enquanto Cérebro desdenhava: ah, grandes merdas, ele tem namorada. Ou é gay. Não vai dar em nada mesmo). Depois ele se levantou e disse “bom, a gente deve se encontrar aí pelo departamento” (hein? Não, fofinho! Encontra nada! Cê que pensa, bobo! Essa universidade é grande! Não vamos deixar ao sabor do vento! Me liga! Quer meu telefone? E-mail? Eu?) e “boa sorte com o encontro” e eu disse “ah tá”.

Ai, ai.

Argentino. Eu adoro Argentinos. E louro. Daquele louro meio ruivo, com algumas sardas – ele deve ter parentes ruivos. De olho azul. Só falta ele ter histórico de gêmeos na família. Pequenas ruguinhas ao redor dos olhos. Daquelas pessoas que são muito claras e tem rugas cedo – mas ele também não é muito novo, não. Deve ser mais velho do que eu. Uma bolha na mão esquerda. Fofo. Será que é de escrever? Será que ele é canhoto? Muito fofo. Ele tá segurando a caneta com a mão esquerda. Ih, não!! Trocou pra escrever. Sublinhou uma coisa no livro. O que será? Meu número certinho. Você não tem a sensação de que algumas pessoas, por mais bonitas, simplesmente não são o seu número e outras simplesmente são? Nem um pouco fragilzinho. Não-viado. Definitivamente não-viado. Só desconfio que no churrasco ele chegou com uma menina. Mas não vi beijar então não sei se era namorada ou amiga (deve ser namorada, Carrie. Claro que é namorada. Um homem desse vai ficar solteiro? E se ficar, vai te dar bola? Fica esperta, Carrie). Deus não seria tão bom. Toninho não seria tão bom. Eles já me mandaram pra cá, né? Contenta, Carrie. Contenta que você já tirou na loteria por uns 5 anos. É. Deus – ou o Acaso ou o Destino, whatever, pois no final é tudo a mesma coisa - não seria tão bom. Um raio não cai duas vezes seguidas em um mesmo lugar.

Ou cai?

(Vai estudar, Carrie. Vai estudar. Pára de pensar merda. Por que eu não sou que nem a amiguinha boliviana que tá ali, toda encolhidinha no seu xale/manta, estudanto pra caramba? Por isso que ela tá aqui fazendo doutorado inteiro e você só sanduíche. Ela não deve ter um blog. Ela é melhor que vocêêêê. Lalalalalalaaaaa).

Rendimento zero hoje.

E pra completar ta passando Harry e Sally. Putz. Aí fodeu de vez.

11 comentários:

Anônimo disse...

Eu já achava que vc ia sair daí casada, agora que vc encontrou o ruivo então... é certeza!!! Deus é bom sim!!! (Já imagino seus filhinhos!)

Olha como tudo tá certo: ele se lembrou do encontro e vc não! Desprezo total!!! Os homens adoram esse joguinho, a gnt não pode simplesmente mostrar q tá afim e ponto. Tem que mentir e fingir que o sujeito é insignificante, mesmo que seja o exato número. Detalhe: nesse caso o "desprezo" foi a mais pura verdade... sinal dos céus!!!


Hahaha!!! Ninguém mandou vc ficar me dando idéia!!! :)

Boa sorte e beijos!

Lidiane.

a que deseja disse...

Vai garooouuutaaa!!

Adorei a sua iniciativa, você precisa deixar o Pink assumir o controle mais vezes. Ele decididamente vai te arrumar um belo namorado ;-)

Beijo

Anônimo disse...

Ficamos aqui na torcida para que o Pink se manifeste mais vezes!! Boa sorte!! Bjos!

vera maria disse...

carrie, esse é um dos seus posts mais hilários, vc é muito engraçada quando quer...:)
um abraço, boa sorte, e eu torço pra vc encontrar um caminho entre o pink e o cérebro, e que o moço ruivo te encontre.
clara lopez

Hetie & Claudio disse...

Carrie querida do coracao:

eu "estava" um pouco deprimida!!!!!
Gracas a Deus que vc atualiza seu blog..
morri de rir com este seu post...sabe aquela estoria de ficar rindo para o computador? muito bom...vc eh otima...
ps.: vou torcer para o casorio ser na St. Peter's church!!! eh a igreja mais linda de NYC....

beijos,
Hetie

Natália disse...

Adoro seu jeito de escrever. Eu te amo garota, vc me diverte master, bjos mil.

Anônimo disse...

Simplesmente hilário Carrie!
Ainda bem que entro sempre aqui....rs.
Bjs
Marcele

VanOr disse...

É esse! Tou sentindo o clima de já ganhou!

Carrie, a Estranha disse...

Hahahaha...obrigada, meninas, mas acho q não é para tanto! Obrigada, Natália.i

Bjs

Vinícius Andrade Pereira disse...

Linda, vc é linda...
bjs

Carrie, a Estranha disse...

Rimao do meio!!!

Bjs