quinta-feira, abril 17, 2008

Nhanhazices


Eu tinha uma tia por parte de mãe – na verdade tia-avó – chamada Nhanhá. Quer dizer, Nhanhá era o apelido. O nome era Angelina (lindo nome, não? Eu acho). Era irmã da Tia Merca, Merquinha – que se chamava América. As duas eram irmãs do Tio Zezé, do Tio Getúlio e do meu avô, João da Cruz – e de gente que eu esqueci, mas que não vêm ao caso.

Dentre as tias das minhas tias-avós havia uma tia-bisavó, irmã do meu bisavô materno, chamada Ozenda, mãe de Mário Queiroz, o popular Zuzu. Zuzu teve meningite quando criança e nunca mais se recuperou. Em uma época de poucos recursos médicos, achou-se melhor que ele ficasse em casa e não freqüentasse a escola. Ele permaneceu com a idade mental de uma criança, num mundo mágico, à parte da realidade. Nesse mundo, Zuzu era maquinista de trem, dono de um circo e imitava todos os barulhos do mundo. E jogava copos de cristal do alto do casarão. Apenas para ouvir, quem sabe, o barulho das taças se espatifando no chão. Quando Tia Ozenda morreu, Tia Nhanhá, sua prima, passou a ser a tutora de Zuzu, devido à sua “incapacidade” (eu sei, eu já devo ter contado essa história aqui, mas com a idade a gente começa a se repetir).

Tio Zezé combinou com São José que ele só morreria depois das duas irmãs. No dia em que a última morreu ele disse: São José, pode vir me buscar. No mesmo dia ele morreu. Com exceção do tio Zezé, de quem eu lembro vagamente, não conheci nenhum dos outros personagens dessa história.

(São José também consertava garrafa térmica. Um dia a garrafa térmica caiu no chão e quebrou. Uma das duas – eu nunca sei as histórias de quem são – pediu pra São José arrumar a garrafa. Passado um pouquinho ela foi lá e a garrafa estava perfeita. Relação íntima com o santo).

Às vezes tinha Nhanhá era acometida por uma insuportável vontade de esticar.

Às vezes eu também tenho muita, mas muita vontade de esticar.
E de ouvir o barulho do mais fino cristal se chocando contra o concreto.
E uma saudade incontrolável – vocês nem imaginam quanto – deles todos.

E o engraçado é que o meu bisavô materno tinha o mesmo sobrenome do meu avô paterno, de modos que a Tia Nhanhá tem exatamente o mesmo sobrenome que eu, apenas invertido. Minhas duas famílias são simetricamente opostas. Como espelhos. E às vezes eu me acho perdida dentro da casa de espelhos. Onde eu nunca sei se é a saída ou se é apenas uma imagem da saída. Ou se é de fato uma nova pessoa ou apenas uma réplica.


Tenho uma priminha que chama uma das minhas tias de Nhanhá. Sem nunca ter ouvido nenhuma dessas histórias. Mesmo o nome da minha tia nem de longe lembrar alguma sonoridade Nhanhá.


6 comentários:

raquel winter kreischer disse...

parece uma história saída de gabriel garcia marques.
adoro essas histórias. familias com esse tipo de história são "ricas".
bjs

julieporto disse...

eu nunca tenho tempo de comentar porra nenhuma, mas não resisti: coisa mais linda de história de família para se contar!!! adorei especialmente os sobrenomes invertidos e vc perdida nos espelhos. emocionante, viu?
beijos, obrigada pelo presente, amei ler isso hj.

Júlio César Meireles de Andrade disse...

Eu também sinto uma saudade incontrolável dessas pessoas.
E dos lugares onde elas estiveram.
Todos são preto e brancos e não consigo imaginá-los de outra forma.
A moça aí em cima tem razão,
nossa família é muito rica.
Um beijo.

Carrie, a Estranha disse...

Raquel,

Pode crer!

Julie,

Ahhhh, q lindinho!!! Eu é que amei isso!

Júlio!

Sim, nós temos muita sorte de ter nascido nessa família.

Sonhei com João Fanquico essa noite! Muita vontade de apertá-lo!

bjs

Carrie, a Estranha disse...

PS: Pra mim eles são coloridos! Mesmo tendo visto fotos, alguns são do jeito q eu imagino e não do jeito q foram.

Hetie & Claudio disse...

Eh verdade, Terta????
Puxa, que maravilha!!!!
Por isso que eu te amo. Voce eh maravilhosa...
Beijos,
Hetie