“— Você sabe o que que eu quero ser? — perguntei a ela. — Sabe o que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?
— O quê? Pára de dizer nome feio.
— Você conhece aquela cantiga: ‘‘Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio’’? Eu queria...
— A cantiga é ‘‘Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio’’! — ela disse. — É dum poema do Robert Burns. (...)
— Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto — quer dizer, ninguém grande — a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que que eu tenho de fazer? Tenho de agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo”.
("O apanhador no campo de centeio", J.D. Salinger)
Eu ainda estou no Condado de Gotham - também conhecido como Triângulo das Bermudas - porque aqui eu ascendo na escala social. Aqui eu tenho ar condicionado, carro, comida na mesa e gasto zero. Passo de proletariado à pequena burguesia, sem ter enfrentado a luta de classes.
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Mas o calor queniano é forte. Tão forte quanto o Rio. As pessoas acham que aqui é muito mais ou muito menos quente que o Rio, mas no fundo é igual. Pois, apesar de ser, teoricamente (pela altitude) mais fresco, tem a CS que faz aumentar o calor. Então dá na mesma. A única diferença é que aqui minha casa é grande, no alto, e tem ar condicionado.
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Hoje fui com Formiga Mãe comprar Papais Noéis que dançam, cantam e fazem gracinhas, numa espécie de Casa & Vídeo local. Formiga Mãe encontra conhecidos de 5 em 5 metros e eu me sinto como quando era criança e saía com ela e tinha que ficar cutucando-a: mããããe, vãobooooora!
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Mas é impressionante como as coisas são baratas no Condado de Gotham. Tudo, tudo, tudo, tudo é quase a metade do preço – e com a mesma qualidade e às vezes até melhor. Essa é a grande vantagem das cidades de médio porte. Todos os serviços são mais baratos e você gasta, no máximo 30 minutos do ponto mais distante da cidade até outro ponto distante. Formiga Irmã gasta 10 minutos de carro até o trabalho. Há trânsito, mas bem menor. Tudo é mais fácil.
Há as redes de influência, como em qualquer cidade do interior.
Mas, há menos opções, claro. Tipo: existem as grandes lojas. Mas se você quer alguma coisa mais personalizada, se você quer uma feira de moda alternativa, um brechó, uma coisa diferente, não acha. Só grandes marcas ou locais – que copiam as grandes. Basicamente, há menos lugar para as diferenças – e os diferentes. Há menos opções de vida.
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Aliás, eu acho esse o pior ponto nas cidades de interior – e aí falo das cidades relamente pequenas, tipo Pasárgada, que tem 15 mil habitantes (Gotham tem 300 mil). Os papéis sociais são mais delimitados – e isso aumenta conforme a cidade diminui. Ou você é uma coisa ou outra: ou você é “a bicha”, ou “o sapatão”, ou “o doutor”, ou “a solteirona” (notem que o “ona” é que traz prejuízo), ou “o maconheiro”, ou “a alcoólatra”, ou “a piranha”...quer dizer: você não pode ser bicha e médico, se não as pessoas não vão entender, vão ficar confusas, não vão decodificar o que você é de fato e provavelmente não vão se consultar com você. Não dá pra ser simplesmente solteira; você será sempre solteirona e isso traz toda uma carga. Você não pode ser solteirona e piranha. Não pode. Não pode ser maconheiro e professor. As pessoas têm papéis rígidos e estabelecidos. Se você dá a “sorte” de fazer parte de identidades que estão dentro do parâmetro do considerado “normalidade” e permanecer assim durante toda a sua vida, ótimo pra você. Mas se, de alguma forma, você quebra isso - ou a vida se encarrega de quebrar - você receberá um rótulo e terá que agir conforme.
Nas cidades grandes ninguém sabe da sua vida. Você pode desempenhar múltiplos papéis. Além disso, justamente pelo trânsito de pessoas de vários lugares, é mais fácil aceitar o outro, o diferente. Claro que só isso não é sinônimo de felicidade. Se fosse, as metrópolis só teriam pessoas felizes. A vida é mais complexa que isso.
Como diria minha sábia avó materna, que a vida toda morou em cidade do interior: “em cidade pequena tudo é pequeno, até a cabeça das pessoas”. Isso é o pior da cidade pequena. Claro que não são todas as pessoas assim. Estou generalizando um comportamento. Há exceções, lógico, mas que só comprovam a regra.
Por isso eu acho meio estranho quem vai pro interior pra “fugir da violência”. Quem diz isso, nunca morou no interior. Morreremos todos “de susto, bala ou vício”. No interior se morre de tédio. Ou de opressão. De não conseguir ser o que se é.
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Sim, há cinemas em Gotham. Três – sendo um deste no shopping, portanto abriga várias salas. Há teatros que passam peças locais e às vezes peças e shows que fazem sucesso no Rio – mas só coisas muito mainstream, nada que não seja com o ator da novela das oito.
Fora isso há bares e restaurantes. Se você passou dos 25 anos essa é a melhor opção – mas saiba que só vai encontrar casais, a maioria composto de pais dos seus amigos ou amigos casados. Quem é solteiro, tem mais de 25 anos e mora em Gotham ou não sai de casa ou viaja final de semana – ou vai pra bares e restaurantes onde só existem casais. Não há vida noturna interessante para um adulto solteiro. Há boates para os mais jovens.
Há uma boa livraria.
Quando venho final de semana pra cá costumo sair com amigos de Formiga Mãe, na faixa de 70 anos. Um agito só. Estamos organizando um sarau pro ano que vem, com música, poesia e canto. Cada um vai ficar responsável por uma atividade. Eu vou ler textos meus.
Ah, tem também o Clube dos Funcionários, um clube bem legal com piscinas (onde o Tiago treinava), quadras e uma extensa área verde. Eu ia muito na minha adolescência. Jogava basquete, vôlei...
Aliás, Gotham é uma cidade muito bonitinha. Arborizada. As pessoas acham que é só aço o que existe por aqui. Não é não.
Gotham é uma ótima cidade. E se você não mora nela, é ainda melhor.
Respondi sua pergunta, Clara? ;)
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Me declarei de férias até dia 7 de janeiro. Consegui adiar a qualificação pra março, que na verdade era meu prazo mesmo. Tava fazendo antes pra aproveitar o Coach aqui e também porque eu ia viajar. Minha viagem não rolou, a tese atrasou e conseguimos uma substituta que irá representá-lo na banca. Ainda preciso ir ao Rio conhecê-la ao vivo (apesar dela ser famosa), na quinta, resolver algumas pendências, ir numa comemoração, também na quinta, de algumas pessoas da uff, ir na festa da Fló num barco pela baía da Guanabara no sábado e pronto. Volto a Gotham City para os festejos natalinos.
Sim, meu Natal é muito legal! Vêm primos e tios queridos e festejamos. E esse ano serão quatro dias de festa, já que o Natal cai de segunda pra terça.
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Minha mentalidade paranóica diz que o barco vai afundar, que não haverá coletes salva-vidas pra todos e que as pessoas estarão bêbadas e vão morrer afogadas mais rápido. Mas minha mentalidade megalomaníaca-delirante diz que eu sempre sobreviveria em desastres. É bom ser o Pink e o Cérebro ao mesmo tempo. Eu sou a Rose e não o Jack.
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Ano Novo: chaaaato. Fico péssima de branco. Ainda mais gorda do jeito que eu tô. Fico que nem uma mãe de santo. Que nem a Clara Nunes. Muita função: cores, regras, comidas...aboli isso da minha vida. E a pressão é tanta, “pra onde você vai, pra onde você vai?”. Não fode, vai...
Pra onde eu vou? Ainda não sei. Acho que fico no Rio. Aceito convites que não despendam muita energia (porque energia gera calor e tudo que eu não quero é calor).
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Algum dia eu sei que eu terei que trabalhar como as pessoas normais. Eu já trabalhei como as pessoas normais. Mas enquanto eu puder adiar isso, eu vou adiar. Eu só queria ser o apanhador no campo de centeio. Ficar a beira do abismo, segurando as crianças quando elas estivessem pra cair. Ainda que, por vezes, eu também seja uma delas.
14 comentários:
oi, carrie, entendi tudinho sobre a gothan, é muito boa sua descrição, perfeita.às vezes tenho vontade de sair do rio, embora eu tenha acabado de chegar de volta (estava morando em fortaleza por 3 anos)por conta do estresse, dos excessos de tudo por aqui, mas vc tem razão, há um preço alto a pagar quando se mora em cidades pequenas.
quanto ao apanhador, a imagem é interessante, mas o livro não consigo mais reler, faz parte de uma história que já vai longe.
um abraço pra você e para a família aí em gothan,
clara lopez
adorei conhecer gotham, ainda q só via blog. rola umas fotenhas???
ri mto com o comentário de vc ficar igual a clara nunes de branco. só fiquei imaginando a cena!! hahahaha!
bjs
eu fico um pouquinho fora e quantos posts... meu teste tb deu rasputin e acho q a gente chega num lugar pelo menos mais divertido. sem ofensa para as bonequinhas, viu? :-)
seu cabelo ficou ó-t-i-m-o!
e sua análise das cidades pequenas - é isso mesmo. tolerância zero com as diferenças e vc leva logo uma placa de identificação enorme. e tédio, muito tédio.
quem sabe rola ano novo no bairro? só não pode ser nessa praia, né?
bjs
Atualmente moro no interior do ES, numa cidade com 40 mil habitantes. Já teve UM cinema, hoje não tem mais. Não temos livrarias, bibliotecas, duas - uma da faculdade (que é boa e atualizada, pasmem) e a municipal (que nunca me aventurei).
Privacidade é uma palavra que não existe, e aqui todo mundo é filho, sobrinho ou neto de alguém.
Não que Vitória seja uma metrópole, pois é literalmente uma ilha, mas oferece um mínimozinho de privacidade.
Agora, aqui no interior tem uma coisa que é priceless: você vai nas lojas de roupa e pega várias coisas "no condicional". Você leva pra casa, prova tudo no conforto de seu lar - e naquele espelho que não te emagrece, como os das lojas - e depois devolve. E pra pagar, usa-se a famosa "notinha".
É fantárdigo!!!
Clara,
Por que "história q já vai longe"? Eu acho q o livro consegue se manter atual, apesar de ter 56 anos. São dúvidas, mais do q de um garoto, de todo ser humano - pelo menos desse século. Vc diz a contracultura e tudo o q veio dos anos 50? A apropriação do Mark Chapman?
Bella,
"Morena de angola que mexe o chocalho amarrado na canela. Será q ela mexe o chocalho ou o chocalho é q mexe com ela".
Rsrsrsrs
Bárbara,
É...pode ser. Estou pensando em alternativas.
Sarita,
Ah, claro. Há muitas vantagens em se morar no interior. Sei exatamente do q vc está falando. Minha irmã tb faz isso com boutiques! Rsrsrs. Eu poderia ficar aqui falando horas e horas sobre as vantagens em se morar no interior.
Bjs
Carrie querida do coracao: vai la nos comentarios do Rasputim que deixei um para vc la...
Queria falar da sua "enquete"... pode deixar o povo todo dando opinioes sobre seu blog, que eu adoro, e acho q TODO MUNDO tb..mas... peloamordedeus...da para tirar o senhor...b i n... do seu maravilhosissimo blog pq eu tenho VERDADEIRO pavor e arrepio SO de imaginar que ele existe??? imagina ve-lo aqui postado!!! nao por favor, tudo menos isso... fica meu pedido aqui, encarecidamente pedindo, implorando, rezando, para que vc ouca logo minhas preces... (sera que voce ficou condoida???!!!) to brincando, mas eh serio... nao posso nem ver esse cidadao...cruzcredo...chutaqueehmacumba...(lembra onde eu moro? tenho trauma mesmo.....)
Desculpa. Obrigada. Beijos....Hetie
Eu moro em Londrina, mas minha família é toda do interiorrrr do estado de São Paulo, mais precisamente de Santa Cruz do Rio Pardo.
Uma típica cidadezinha do interior com seus 35 mil habitantes, muitas arvores, algumas galinhas atravessando a rua, muitas crianças atravessando a rua, você olha pro horizonte e vê pasto, vê passarinho... coisa linda de se ver!
Mas é aquilo lá que você falou... no interior se morre de tédio ou opressão, não sei como consegui passar toda minha adolescencia naquela cidade, deve ser por isso que eu passava a maior parte do tempo desenhando e escutando música.
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Concordo com a sabedoria de sua vózinha, cidade do interior as pessoas são mais preconceituosas e adoram julgar os outros antes conhecer. Uó.
Apesar que nas cidades maiores ainda exista um preconceito mesmo que velado.
*
Em Santa Cruz não tem cinema. Ou melhor não tinha na época que eu morei lá, agora tem. um!
*
Quando ando com minha Mãe pelas ruas de Santa Cruz também acontece isso Carrie, pior é que parece que em casa esquina encontro um "parente longíquo", o que já me fez batizar a cidade como Oliveirolândia.
Isso que dá ter uma família que nasce, cresce, se reproduz e morre na mesma cidade a 4 gerações... :-P
Inté!
carrie, li o apanhador quando era bem jovem, encontrei o livro outro dia e tentei reler, não deu, achei a linguagem e os problemas muito juvenis para minhas necessidades atuais, mas sei que o livro é meio intocável para muita gente, de várias gerações.
um abraço,
clara lopez
Hetie Honey of my heart,
Só pq é vc, só pq vc mora onde mora e só pq é o Bin q eu tiro (se não vira bagunça. Qualquer um que não goste pede pra tirar).
Mas aí cidadãos afegãos tb pediriam pra q eu tirasse o Bush né? Bom, não entremos em uma discussão geopolítica, mas ok, ok, entendi e vou tirar.
Ila,
É, vc pode imaginar o q eu falo.
Clara,
Humm...sério? Será q eu ainda sou tão "juvenil" assim? Rsrsrs...Acho questões tão atuais...
Eu devo confessar q já vi uma (excelente) montagem teatral, já li vários trechos, sei da história, mas nunca li de fato (falha minha, eu sei...mas vou ler). Vou ler e depois falo com mais propriedade.
Bjs
Seu comentário sobre as pequenas cidades foi perfeito, adorei.
Eu sempre me perco falando da minha de uma forma romântica, mas não é sem motivos q qdo estou lá sinto uma vontade danada de fugir em diversas ocasiões.
Parece q me vi segurando a mão da minha mãe (ou tia, avó) e pedindo pra irmos logo embora. :D
Bjk
Concordo plenamente; vc tem toda razao; me desculpe, mas agradeco MUITO sua BONDADE. Porque so uma pessoa bondosa poderia entender e nao sair por ai gozando de uma careta com trama daquele senhor. O pior eh que eh verdade. Sinto-me muito mal.
Fico te devendo essa... entao, qdo vc vier aqui..te pago um montao de Haagen-Dazs qdo agente estiver pssseando por South Beach, OK? Beijinhos....
Super descrição de Gotham, Carrie, querida! Eu não vou lá há um tempo, parecia que eu estava vendo um filme.
Gostei da menção ao Clube... Lugar realmente gostoso!
Faltou a referência à Toca da Traíra... E tem aquele outro restaurante bacana, no alto da colina, ao qual eu nunca fui.
Você não deu nome ao Casarão (que é uma experiência antropológica, pra quem passou dos 25 - hehehe...)
E os comentários sobre o lado preconceituoso do provincianismo são realmente verdadeiros...
Beijos, saudades, do
Alvaro
Eu adoro esse trecho final do Apanhador. H;den Caulfield c`est moi!
Eu fico com a metrópole ou com o povoado, acho que sou uma pessoa de extremos. Cidades como Gotham me deprimem um pouco.
quer passar o ano novo com a gente? dá pra ver os fogos da praia. vem!! a bellinha vai estar aqui também. vamos fazer bagunça?
=]
bjs
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