quarta-feira, maio 23, 2007

Isso aqui ôo, é um pouquinho de Brasil iaiá...


I


É inadmissível que um confronto que já dura vinte e três dias e já matou 16 pessoas aconteça na nossa cidade e continuemos indo para o trabalho, voltando, almoçando, indo ao cinema como se nada acontecesse. É algo completamente surreal. Se isso não é guerra eu não sei o que é. Toque de recolher, pessoas estocando alimentos pra não precisar sair de casa, veículos blindados que entram atirando, barricadas...e tudo bem.

Eu sei que em toda guerra há um mínimo de tentativa de se levar uma vida normal. Mas essa não é uma guerra como outra qualquer. A começar porque simplesmente não se admite que há uma guerra em curso.


II


Há vinte dias também a maior universidade brasileira – a USP – está parada por greve de alunos, funcionários e professores e tudo bem. Para o nosso presidente estamos vivendo um momento de tranqüilidade. Pior: esteja quase sendo invadida, pois os alunos ocuparam a reitoria. E tudo bem.

A Unicamp está em greve. Funcionários.

Hoje na UFF: Biblioteca Central do Gragoatá fechada. Paralisação. E quando está aberta, a situação não é muito diferente: o ar condicionado está quebrado, comprometendo a conservação dos livros. Não vou nem falar no calor que os alunos enfrentam pra estudar; fora o roubo maciço de livros – e não por parte dos alunos, mas...bom, fica por conta da imaginação de vocês.

Os estudantes expulsos pela ex-governadora-cujo-nome-eu-me-recuso-a-pronunciar da Casa do Estudante – que deveria abrigar os alunos que vêm estudar e não podem pagar aluguel, já que a universidade é para todos – moram no campus, em barracas improvisadas. Estão fazendo uma campanha pedindo alimentos porque não podem pagar o bandejão. Ali pode estar o próximo Einstein, o próximo Marx, Freud ou, pra ficar nos brasileiros, os próximos Roberto da Matta ou Gilberto Freyre. Mas que não vão chegar a ser nada disso, porque não tiveram o que comer. E tudo bem.

Foi aprovada, aqui no Rio, a lei da progressão direta para o ensino médio (parece que já existia para o primário, ou seja lá como se chamam aqueles anos iniciais da escola hoje em dia), ou seja: o aluno não toma pau, porque a repetência leva à evasão escolar. Então ele vai passando, passando, se forma, entra uma universidade privada (consegue uma bolsa) ou numa pública (pelas cotas), se forma e vai ser um juiz que vende sentença, hábeas corpus; um dono de posto de gasolina que adultera combustível; um engenheiro que constrói prédios que caem; um jornalista que escreve errado ou qualquer outra atividade que ele não vai fazer direito e/ou vai aprender a burlar, negociar e aceitar suborno – que hoje em dia, no Brasil, são quase todas.

E os professores – e os próprios alunos – que protestaram contra (ei, olhem isso! Nem os alunos querem passar direto sem aprender!) tomaram spray de pimenta na cara. E tudo bem.

E viva o Pan! Eu sei que o esporte integra, o esporte bla bla bla, mas fica a dúvida: tá na hora de se fazer um Pan em uma cidade em guerra civil? Ah, sei, as áreas do Pan não vão ser afetadas, né? Bota um cordão de isolamento, um gueto de Varsóvia e tudo bem. E ainda querem fazer uma Copa aqui.


III


Uma usina hidrelétrica foi invadida hoje por integrantes do MST e dos trabalhadores atingidos por barragens. Mas claro, para a imprensa eles são mostrados como um bando de retardado que não sabe o que tá fazendo. E se a sua casa fosse atingida por uma hidrelétrica, caro leitor? Seria legal? Mesmo se te dessem uma indenização, será que ela compensaria? Será que eles desalojariam o Antônio Ermírio de Moraes ou o ACM?

Protestos, protestos no país todo, contra diversas coisas. Para o nosso presidente estamos vivendo um momento de tranqüilidade.


IV


Enquanto isso, na sala de justiça: ministro cai, desvio de dinheiro da Polícia Federal e a lista de presentes da construtora Gautama não pára de crescer, abarcando agora quase todos os governadores e também senadores. Em breve não vai sobrar ninguém honesto nesse país. Talvez apenas eu e você, caro leitor. Assim como Simão Bacamarte, personagem do romance O Alienista, de Machado de Assis, suspeito que nós é que estamos errados e não eles. Nós somos os loucos. Parafraseando o bruxo: a corrupção não é uma ilha perdida no oceano da honestidade, começo a desconfiar que ela é um continente.

A solução é o aeroporto. Se você conseguir vencer o caos aéreo, a greve da Polícia Federal...

Welcome to the jungle.

7 comentários:

anouska disse...

sem discordar de você, mas apenas tentando realinhar alguns fatos:

1. as universidades têm autonomia e orçamento para gerar mudanças se quiserem. se não o fazem porque têm outras prioridades é outra história. o orçamento da UFF, por exemplo, é quase igual ao da cidade de niterói. então, parece que o problema central não é a dotação de verbas do governo federal. aliás, até onde eu sei, a greve na USP é justamente por conta da autonomia. o serra quer acabar com ela e se apropriar de uma dotação que é bem maior que a da UFF. nêgo tá gritando com toda a razão.

2. casa do estudante: sei que há regras para a moradia estudantil. o fato é que a casa do estudante havia se transformado num aparelho do PSOL e do PSTU. e esse pessoal não é lá muito, como se chama, democrático. eu iria preferir viver em cuba, sob o regime do fidel a ter que suportar viver sob o 'comando' do povo desses paritdecos. não estou dizendo que a governadora está certa. estou dizendo é que a história não é bem como se conta.

e as coisas só estão 'tudo bem' porque a gente acha que não vale a pena lutar por nada, porque nada vai mudar mesmo, né? somos uma geração sem ideais. contanto que eu tenha o meu IPod, meu carro do ano e minhas roupinhas de grife, tudo bem. e contanto que as classes alta e média não tenham que abrir mão dos seus privilégios. porque neguinho reclama, mas eu queria ver morar na alemanha, por exemplo, onde o maior salário só pode exceder o menor em até 10x. onde não se pode dar carteirada porque se é 'dotô'. eu nunca vi a poícia federal prender tanta gente. já ouvi absurdos do tipo: 'nossa, nunca houve tanto roubo nesse país.' claro que não, bestas. nunca se prendeu ladrão de colarinho branco, essa que é a verdade. aí a justiça vem e faz o quê? solta esse povo pra eles irem lá e destruírem as provas. uma beleza. e eu fico aqui, lutando pra não virar cética.

Gustavo disse...

Bom dia!

Seu post me deixou triste!:(

Anônimo disse...

NÓS somos alienados e não acredito q isso mude e portanto, a situação dessa república de bananas vai continuar a mesma. Nosso país é injusto, ignorante, desigual e produtor de verdadeiros abismos sociais, culturais, econômicos, infelizmente, pra nós que continuamos a batalhar pra ter algum retorno de maneira honesta.
Sandra Lee

Carrie, a Estranha disse...

A todos em geral,

Não compactuo com essa visão de q "nós somos alienados" e q essa geração não tem ideais e bom mesmo eram os anos 60. Isso me soa meio papo de velhinho de asilo: "no meu tempo...". Os anos 60 eram outra década, outra conjuntura, as pessoas eram muito mais ingênuas e não há comparação. Mas sei q esse meu ponto de vista é minoria.

Acho q a situação q a gente vive hoje é um processo q vem sendo gestado há séculos. Vai demorar tb alguns séculos até q tudo se acerte - se um meteoro maluco não se chocar com a terra até lá e fuder com tudo de uma vez. E vai demorar até q se acredite q vale à pena fazer alguma coisa, simplesmente pq as elites mandaram tempo demais nessa joça e não pq somos mais ou menos alienados q os alemães ou os franceses ou estejamos mais preocupados com as nossas roupas. Os caras tem mais de mil anos de história. Algumas revoluções nas costas. Nós engatinhamos. Temos uma história recentíssima, marcada por golpes e interrupções e coronelismos q não se acabam do dia pra noite - e, em termos de história, mil anos nõa são nada.

Acho q as coisas chegaram em um ponto q tudo vai explodir a qualquer momento. E talvez isso seja necessário para q algo novo surja.

Sobre a Casa do Estudante, Cris, não sabia desses dados. Mas o q isso tem a ver com a expulsão deles? Todo DA, DCE de universidades são regidos por partidecos desse naipe. E eu tb tenho pavor desse povo, mais do q o diabo da cruz. Mas por causa disso pode-se expulsar as pessoas e deixarem-na ao relento?

Enfim, é isso meu povo. São essas as minhas opiniões e sei q elas estão longe de refletir uma total coerência ou certeza.

anouska disse...

bom carrie, vamos por partes, como diria jack:

"Os anos 60 eram outra década, outra conjuntura, as pessoas eram muito mais ingênuas e não há comparação"

tá, concordo que eram outros tempos, outra conjuntura e que o mundo passou por acontecimentos que foram ajudando a gestar isso que temos hoje. também concordo que pra cada revolucionário daquela época, havia uns nove alienados. mas o fato é que havia revolucionários. e eles se atiravam às causas que defendiam com paixão. ingênuos? talvez. melhores? também não sei. mas acho, sim, que falta isso a geração de hoje e que eu me incluo nela. élan, paixão, algo que nos inflame. estamos mais cínicos e céticos a meu ver.

"E vai demorar até q se acredite q vale à pena fazer alguma coisa, simplesmente pq as elites mandaram tempo demais nessa joça e não pq somos mais ou menos alienados q os alemães ou os franceses ou estejamos mais preocupados com as nossas roupas."

claro, concordo também. eles têm muito mais 'chão' que a gente, é verdade, passaram por etapas que nós não vivemos; tiveram a experiência de duas guerras e tal. só acho que 'zelite' é 'zelite' em tudo que é canto. tudo muito mais preocupadas com as grifes das roupas que vestem do que com a realidade que as cerca. aqui como acolá. aliás, se puderem fingir que o mundo é uma bola cor-de-rosa, melhor ainda. vide a barra e seus condomínios. nisso não nos diferenciamos dos demais.

quanto à casa do estudante, não sei o que motivou propriamente a expulsão, mas sei que tem a ver com o 'aparelhamento' daquilo lá. sim, DCEs e DAs são 'instâncias' políticas; são 'arenas' apropriadas ao exercício político. acho que eles queriam transformar a CE em mais um aparelho e isso deve ser contra o estatuto do lugar. inclusive creio o impasse judicial que motivou o fechamento - alguém me corrija se eu estiver falando um monte de abobrinhas. acho que houve tentativa de negociação, mas não nos termos 'deles' e aí resolveram peitar. vou conversar com umas pessoas que estão mais por dentro do assunto e depois te digo.

sorry pelo mega-hiper-comment.

bitocas

anouska disse...

"inclusive creio o impasse judicial que motivou o fechamento - alguém me corrija se eu estiver falando um monte de abobrinhas - FOI MOTIVADO POR ISSO."

sorry

Carrie, a Estranha disse...

É, Cris, se a filiação partidária estava sendo usada como critério pra decidir quem entra ou sai da CE, aí tinha q ter tido alguma intervenção mesmo. Mas não despejar os estudantes.


bj