Quais as chances de você encontrar uma pessoa que não quer encontrar numa cidade como o Rio de Janeiro? Mínimas, não? Se você vai por um cálculo de probabilidades frio e racional, são mínimas. O problema é que o universo é regido pelo caos. Alguns chamam de destino, mas eu acredito que é o mais puro e irônico acaso. Ou, em outras palavras, Murphy é meu amigo e não larga do meu pé.
Aí você está todo dia enrolando pra passar naquele caralho de lugar. Todo dia. Justo no dia em que você resolve passar: pimba! Encontra a pessoa que não quer encontrar e que nem era pra estar ali. Nem é uma rota tão freqüente assim da pessoa. É que simplesmente o universo é uma grande mesa de sinuca. Um ovo de codorna partido ao meio. As bolas foram estouradas e você parou ali, em frente à caçapa do adversário. Entrou na sua rota de colisão. Tremendo azar.
Você pensa, a princípio, que se confundiu, afinal de tanto se preparar para um possível encontro você aprendeu a ver aquele rosto em todos os rostos, como um sinal de alerta pra evitar o inimigo; vê-lo antes que ele te veja. Mas dessa vez não é um alarme falso. Você vê as luzes vermelhas no seu cérebro e as vozes gritando: “repito: isso não é um treinamento. Corra, Carrie, corra!!”. Saída de emergência. Preciso de uma porta anti-pânico que me leve pra um universo paralelo onde eu consiga respirar. Ou uma saída pela direita, como o Leão da Montanha. É aquele rosto que você reconheceria em dez mil, mesmo daqui a duzentos anos. Ainda que com o cabelo mais curto. Como diria a minha xará, Carrie, de Sex and the City, você tem que se preparar todos os dias e pensar todos os dias que vai encontrar porque é justamente no dia em que não estiver pensando em nada que a coisa vai acontecer (e olha que ela morava em Nova Iorque).
Por sorte você consegue desviar a rota e acha que não foi vista. Ufa! Mas, de que adianta? De que adianta não ter encontrado se o frio na espinha, o bolo no estômago e a sensação de um punhal atravessando seu peito e sendo retorcido pouco a pouco são reais e estão ali? Mesmo passados um bilhão de anos? Mesmo ninguém mais – nem você mesma – acreditando, nem a pessoa acreditando (se pudesse adivinhar), mesmo assim aquilo dói como um ácido sulfúrico sendo derramado? Ainda que você saiba que no fundo não é isso, ou não é só isso, do que adianta tudo isso se isso não pára de doer? A ponto de você ter que gritar e espernear e falar alto e escrever um texto de centenas de palavras pro mundo inteiro ler pra ver se a sua dor deixa de doer um pouquinho que seja, deixe de ser menos sua pra ser dividida e compartilhada? Do que adianta? Você se acostumou a sentir dor quando vê aquele rosto. Vai ver nem tem nenhum sentimento por trás disso. É quase uma reação pavloviana.
E porque obedece sempre ao mesmo modus operandi? Todo semestre, pelo menos, isso acontece. E é sempre precedido de alguns sinais que você prefere ignorar. Sonhos durante dias seguidos. Lembranças que caem no seu colo do nada. Mas você não acredita em nada disso. Afinal você é uma mulher racional e seu sexto sentido falha que é uma beleza. Isso é coisa de heroína do século XIX.
E justo hoje. Justo hoje que você estava tão feliz. Mas tão, tão tão feliz. Com a cabeça em mil lugares, fazendo mil planos, pensando em outras coisas. Será que esse sentimento volta, então, justamente pra que você não pense nesse monte de coisa boa e diferente e fique presa a essa eterna sensação da qual já conhece e pode administrar? Será? Mas do que adianta psicanalisar tudo isso se ainda dói, dói, dói?
E você fica completamente desesperada por alguns segundos e pensa que está presa pra todo o sempre naquele sentimento que nunca mais vai te dar trégua. Mas pra sempre é sempre tempo demais. Você sabe que vai passar. Não importa quanto tempo tenha passado sem que ainda se tenha passado de fato, mas um dia passa. E vai vindo a calma novamente. Porque você simplesmente resolveu se abandonar. Não lutar contra a dor. Deixar que ela se instale. Porque você está cansada de lutar. Muito cansada. De tentar ir contra isso tudo. De ser desse jeito. Perdeu, preiboy. Game over.
Porque depois de algum tempo você percebe que quase nada nessa vida a gente controla. Sim, você, a criatura mais controladora descobre, de repente, que tudo não passa de uma ilusão. Tudo está sempre a um segundo de ruir e – surprise! – o universo não gira ao redor do seu umbigo. E isso é bom. Isso te alivia. Isso te conforta. Esperar que uma nova tacada (sem trocadilhos) a coloque novamente de frente pra outra jogada, outras bolas (idem), outras caçapas. Você tenta lembrar que o que não te mata de fortalece e todas as outras filosofias que louvam o sofrimento como o caminho da sabedoria - ainda que você preferisse ser uma completa idiota. Nesse momento você percebe que lágrimas escapolem pacificamente do seu rosto. Como soldados que se rendem no meio de uma batalha, elas vêm todas em fila indiana e de bandeirinha branca na mão. Vão garotas! Vocês são livres.
Ainda bem que existem os óculos escuros.
Sim, eu sou um pouco mais dramática do que o resto das pessoas. Acho que é um defeito de fábrica. Meu sistema é mais nervoso.
8 comentários:
Olá...
Estava pela internet procurando o link original do texto do Eduardo Spohr sobre a metáfora da narrativa clássica em comparação ao BBB7, e acabei caindo aqui no seu blog.
Bom,
venho deixar aqui um link, do meu blog, que acabo de fazer, para que vc possa vistar tb. Fiz um outro tipo de reflexão sobre o mesmo tema, e não sei se vc se interessa a respeito.
De qualquer forma, valeu.
E parabéns pelo Blog. Organizado, visual clean, objetivo...
Parabéns, mesmo!!!
Vc relamente é dramática!aff...mas te entendo, um dia desses atendi um telefonema de uma pessoa q tinha o nome do falecido e tremi toda, vixi!mas eu espero q ele tenha lhe visto sim, afinal vc está 03 kg mais magra!bj
Sandra Lee
Meda digo eu. "Perdeu, preiboy. Game over" ahahahahah.
Essa sintonia deve ser gosto em comum pelo Rubem :))
bj
Bem, antes de mais tenho que dizer que acho que o Universo não é regido pelo Caos, o Universo É Caos e a Ordem uma ilusão de óptica, que nos dá a sensação temporária de uma menor aleatoriedade dos factores. O Determinismo existe na sua indeterminação.
Eu conheço (e quem não conhece) a dor que tu falas. A existência de certas pessoas é uma faca espetada no nosso flanco, uma faca que tu nunca podes retirar,sob pena de te esvaires em sangue. A surpresa de um reecontro por mais imediato e fortuito enterra-nos essa faca gelada ainda mais profundamente na ferida da nossa memória. Há pessoas e rostos que séculos e kilómetros não apagam. Quem nunca tenha amado que diga que o tempo cura todas as feridas!
De resto, tenho que te dizer que o sofrimento é inevitável. Mas lembra-te que os fantasmas podem te perturbar mas não te fazer mal. Por minha parte posso ainda amar mas tentarei não mais chorar por ninguém. De resto só o fiz 2 ou 3 vezes, e foram sentidas. Mas ninguém merece as nossas lágrimas, que são o sangue da nossa alma.
Rafael,
Depois vou lá ver.
Sandra,
É, tem isso de bom, mas o fato é q ele já me viu uns dez quilos a menos do que estou, então...
Ella, pois é, pois é. Rsrsrs...
Sergy,
Sim, vc tem razão. Eu uso sempre a metáfora do torniquete. Vc fica em dúvida entre apertar um pouco mais e perder o membro por gangrena ou soltar e morrer por hemorragia. Não parece haver solução.
Bjs a todos
O importante é que vc perdeu 3 kg em 6 dias. Foca nisso!
Beijos
Vi vc no Ella Sempre e vim. Li o texto todo e vi o sentimento fluindo da tela para a minha sala e mais que isso,acordar alguns dos meus sentimentos passados. Muito bom, Carrie!
Eu vim parar na Espanha por arte deste caos, e nao é que dois anos depois, conheci um filho natural de meu primeiro marido,com 26 anso, vindo dos EUA para viver em Bilbao?
Isso é caos ou ordem?
Eu acho bárbaro!
Nora,
É a tal da teoria do kevin bacon: vc está ligada a seis pessoas por seis graus de relações. Do Kevin Bacon ao Bin Laden, todos estamos ligados por seis graus.
Bjs
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