domingo, janeiro 14, 2007

Diário sobrenatural psico-fármaco etílico



Domingo, 12 de agosto

Acordei no chão da cozinha, com a geladeira aberta já em estado avançado de degelo. Checagem básica, checagem básica: fluidos suspeitos em algum orifício? Acho que não. Alguém por perto? Não. O que aconteceu ontem? Nada de pânico. Ah tá! Prozac e vodka. Misturinha básica. Tinha que pegar o endereço daquele site que vendia essas porras com o Marco. Tá ficando meio sujeira comprar da Mel toda vez. Como diria o Fernando Henrique: assim não pode, assim não dá.
Sento com as costas apoiadas no azulejo frio. Cabeça lateja. Pego a garrafa d’água na porta e bebo quase meio litro, num gole só. É como se aquele fosse o primeiro líquido de toda a minha vida. Eu vou mudar de vida. Eu tenho que mudar de vida. Sou um farrapo humano, como no filme. Lembro-me do livro do Melville, Servidão Humana. Por que eu faço isso comigo? Por quê? Um longo dia de depressão e crises de pânico me espera. É sempre assim depois de uma noitada de bebida. Me arrasto em direção a gaveta de frutas. Pego uma mexerica, mas o simples cheiro me dá ânsia de vômito. Melhor não mexer com nada sólido por enquanto.
Levanto devagar pois qualquer gesto abrupto pode ser mal interpretado pelo meu corpo. Vou tomar um Frontal porque a crise de pânico já dá sinais de vida. Meu psiquiatra já me explicou que o Frontal liga os mesmos neuro-transmissores que o álcool, por isso era um dos remédios mais usados pelos alcoólatras. Pronto. Agora é norma: ressaca = duas nesaldinas + frontal + ducha + sono. Levanto seis horas depois, morrendo de fome e me sentindo novo. Esse era o problema. Me sentia novo e todas as promessas da manhã se evaporaram assim como o álcool do meu corpo. E assim foi hoje.
Algumas horas mais tarde: depressão com a musiquinha do Fantástico. Desde quando eu via Os Trapalhões (na época em que eles eram engraçados; o Mussum e o Zacarias ainda eram vivos e o Didi não ficava com essas merdas de escalar o Cristo e Criança Esperança, porra...kiss my ass!) que a musiquinha do Fantástico era como a trombeta do Apocalipse. Aí eu pensava que quando eu crescesse tudo seria diferente. Ia fazer só coisas legais e trabalhar num lugar bem legal. Bullshit. (Também achava que de repente meus pais iam tirar a máscara e revelar que na verdade eram do planeta Xitonáx P2000 e que estavam ali para uma experiência com povos menos avançados; que no meu quarto existia uma passagem para um jardim secreto...)
Pedi pizza. Meia portuguesa, meia marguerita. Equilíbrio perfeito. Cola light dois litros. Gigante. Mando um pedaço pro Lino, o porteiro da noite e guardo o resto pro café da manhã.
Desligo a luz e o sono não vem. Deliruns tremens. Monstrinhus verdinhus... Melhor dormir com a TV ligada em dias como esse. E tomar um valium.

Segunda, 13 de agosto

Adoro segundas-feiras. É a chance que todo mundo tem de recomeçar. Segundas-chances-feiras. Mesmo que tudo isso se dissolvesse na quarta. O que valia era a possibilidade de mudança. Temos, em média, 48 chances de mudança no ano. Quarenta e oito oportunidades de começar tudo de novo. Ninguém muda a própria vida numa sexta. Viva a segunda feira.
Vou parar com tudo. Assim que terminar a semana de provas, pois afinal, meu organismo tá acostumado e não pode sofrer um baque desses de repente numa semana crítica. Minha amiga Ritalina (Rita Lee; Rita Alina; Aline) pra dar um gás. Época de prova é foda. Depois vou mudar. Vou fazer karatê junto com o Marcão; vou ir no grupo de meditação da Tati; quem sabe até eu páre de comer carne. Não, aí já é um pouco demais.
Pessoas falam sobre o final de semana. Foram ao Masp ver uma retrospectiva de um artista plástico do Butão (Butão de quem??Dãã...); ao Ibirapuera correr ou participar do Movimento GNT sobre cidadania e meio ambiente. Aprender sobre os benefícios da soja para o tratamento das doenças reumáticas. Assistir a uma palestra do Greenpeace sobre “como salvar o mundo com 10 simples gestos”.
Eu mal consegui ir até a sala, ontem. Mesmo assim achar o telefone daquela pizzaria nova que funciona 24h.
Fiz três provas: Tópicos iniciais em cultura do arroz na Mesopotâmia I; Iniciação às lendas da Alemanha Medieval e Introdução à Cultura dos povos distantes de não-sei-aonde.
Joana-gostosa passou chamando todos para beber no bar do Seu Astolfo, no Instituto de Física, pois haveria apresentação de uma dessas bandas que misturava tecno-funk-pop-trash-ska com uma pitada de jazz. Tomar no cu. Prometi não começar a beber antes de quarta. Ainda por cima semana de prova. Tenho que estudar. Sem grana. Devo dinheiro a Mel. Alex tirou as palavras da minha boca: a bunda de Joana está mais redonda ou ainda é efeito da ressaca?
Tomei só um suco no almoço e fui pra biblioteca. Fluoxetininha básica. Amiga. Só pra estabilizar o humor.
Solange saiu cagada da biblioteca. Ou o Xenical fez efeito rápido demais ou ela passou da conta.

Terça feira, 14 de agosto

Alex enrolou na apresentação do grupo no seminário sobre Os instrumentos pré-históricos na subjetivação do homem primitivo. Quase enfiei a porrada nele.
Só um Moderini me salva. Consegui com a Betti, que tá sempre de dieta.
Juan me falou sobre um novo programa de TV chamado “Necrotério Agora”, onde uma câmera era instalada 24h num dos maiores necrotérios da cidade e era possível ver de tudo: violação de corpos, necrofilia, pessoas que chegavam sem braços e pernas e até algumas que levantavam depois de mortas. Anotar.
Nas aulas de Estudos Avançados da psiquê dos Incas, Mais e Astecas IV, Juan e Alex foram para o fundo da sala com mais 3 colegas discutir sobre o “Terapia do Amor”, programa evangélico da Record. A galera “cabeça” da sala olhava de cara feia e fazia psiu.
Na aula de Propaganda no Egito Antigo: eram os faraós publicitários? a professora quis saber sobre o projeto final de cada um. Enrolei dizendo que queria fazer algo sobre a influência de propagandas 0-800 na formação do “Homem branco anglo-saxão protestante” e bla-bla-bla e ela ficou ohohoh tendo orgasmos. Sou muuuuito, mas muuuito cara de pau. Quase acredito em mim mesmo.

Quarta, 15 de agosto

Só quero que essa semana termine.
Só na bolinha...
Depois escrevo mais. Sem tempo. Correndo. Me fudi na prova de Culturas híbridas III: o funk como expressão da cultura popular. Acho que o professor não gostou da minha abordagem sobre a Deise Tigrona. Acho que ele prefere a Tati Quebra Barraco. Purista!

Quinta, 16 de agosto

Hoje eu quase perdi a paciência. Não, pensando bem, perdi. Entrei em contato com a rede reprodutora dessas propagandas 0-800 aqui no Brasil e fui atendido por uma operadora de telemarketing que dizia “eintão” (sotaque paulista no mais alto grau) toda hora que ia começar uma frase, além do característico gerundismo de toda operadora de telemarketing. Daí eu caí na besteira de dizer que eu queria analisar as propagandas na formação do eu contemporâneo (não ia dizer “Homem branco anglo-saxão protestante”, né???. Mas por que não disse qualquer outra coisa???? Por que não fiquei quieto? Rrrrrr...). A mulher respondeu: “Formação do senhor???”. Não, minha senhora, não é na MINHA formação, é na formação DO EU, enquanto sujeito, pessoa, ser humano, “a nível de” subjetivação pessoal. Será que deu pra entender? “Eiiiiintão, senhor, eu vou estar transferiiindo a sua ligação para nossa central de relacionameiiiiinto, para que o senhor possa estar efetuando a sua solicitação, correto?” NÃÃÃÃÃÃÃO! Não tem nada correto! Eu já passei por três ramais. Estou a 55 minutos na linha! Eu só quero saber como conseguir as fitas com as programações completas, pois nem todas estão no ar atualmente (quero as clássicas. Meias Vivarina. Facas Guinsu. AB Isolator. Sou um cara tradicionalista. De raiz). “Correto, senhor, eiiiintão, vou estar disponibilizando para o senhor o endereço do nosso site, para que o senhor possa estar pesquisando a informação...”
EIIIINTÃO, VOU ESTAR MANDANDO VOCÊ PARA O FILHA DE UMA PIRANHA DESGRAÇADA QUE TEVE A INFELICIDADE DE TE PARIR.
Desliguei.
Depois culpam os pobres dos videogames quando crianças entram numa escola e matam vinte coleguinhas, ou quando um maluco entra em um cinema mandando ver. Que merda de sociedade é essa????? Nem obter uma caralha de uma informação a gente consegue!!!
Sei que tô na minha semana rebite total, mas vou ter que tomar um valiunzinho pra dormir. Pensando bem, dois. Amanhã dou um reforço nas minhas bolinhas.

Sexta, 17 de agosto

Prova com a gorda de Técnicas Metodológicas Avançadas para o Estudo de Desenhos Animados (ênfase em relações antagônicas de Frajola e Piu Piu; Tom e Jerry e Coiote e Papa Léguas). Acho que eu nunca vi uma bigorna ao vivo. Por que comida de desenho animado parece mais suculenta? Até me deu uma fominha...É, acho que exagerei realmente no valium ontem. Tô igual a piada da formiguinha e o elefante: tintindo nada! Nem o Dualid que eu tomei tá surtindo efeito. Vou ter que fazer o que eu mais odeio. Comprar no câmbio negro: Mel. Mel e suas balinhas amargas. Em compensação ela tem até Pervitin. Faço idéia quanto. Puta safada.

Mais tarde:

Buble gummers!!! Buble gummers!! Contei já todos os ladrilhos coloridos do Instituto de Matemática Aplicada e são 569 na horizontal e 368 na vertical. Fiz as provas em meia hora cada. Fui sempre o primeiro a entregar. Conferi o gabarito. Como sempre: deeeeeeeeeeezz. Formiga atômica marca mais um. Ponto para o Papa Léguas. Bip bip. Deixei um bilhete dizendo que tava no bar do Seu Astolfo bebendo. Não demorem, putos. Se não conseguiram até agora, se fuderam mesmo. Burrões. Assinado THE MAXIMUM FODATION.

Bem mais tarde:

Euach q naum to elgal.

Sábado, 18 de agosto, oito e dez da noite

Acordei. Bom, há divergências sobre isso. Abri os olhos. Demorei uns 5 minutos pra saber que dia da semana era. Pânico. Tudo bem, sábado. Um problema a menos. Onde estou? Calma, vamos por partes. O que eu fiz ontem? Ontem, ontem, ontem...ah tá. Localizei. Fim das provas, ligadão, Papa Léguas, jota (cerva) pra relaxar, Jack (Daniels). Depois disso, branco. Flashs. Seria a Mel... Joana-gostosa...André?!
Onde estou, onde estou...acho que já estive aqui antes. Calma, calma. Regina??? Ah tá. Acho que ela também estava nos meus flashs. Ok, preciso de água. O que esse papel rosa agarrado na minha barriga? “Três coisas que você deve saber sobre sexo seguro”. Um papel de Ploc Monsters de morango na minha orelha esquerda. Isso não é vida.
Água, água, água. Glub, glub, glub.
Cama de novo. Regina me olhou. Caiu de novo no sono. Liguei a TV. Celular. Mensagem do Juan: “Bat-sinal. Chamando para bat-caverna”. Respondi: “VSFV (tradução: vai se fuder, viado). Tá achando q eu sou o Robim p/ entrar na sua caverna? Bat-sinal de cu é rôla”.
Fiquei ali até a meia noite. Tomei um banho, passei em casa só pra trocar a camisa. Hoje eu tô tradicional. Vou de docinho clássico e água. Água, água, água. Preciso hidratar. Amanhã eu mudo de vida. Fim das provas. Tudo vai ser diferente.

Domingo, 18 de agosto
Acordei no chão da cozinha, com a geladeira aberta já em estado avançado de degelo.

Um comentário:

Strange Little Girl disse...

Que vida essa, hein? Depois de dormir e me alimentar melhor eu leio o texto com mais atenção a procura de assuntos para "críticas construtivas". Tá, para alguém que passou um ano tendo aulas de química a crítica não vai ser tão construtiva assim. Só posso dizer uma coisa: essa remediada toda faz mal, hein???

Bjooos