terça-feira, julho 11, 2006

Das alegrias de se andar de ônibus

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Adoro andar de ônibus no Rio. Além de ser um esporte radical, andar de ônibus me possibilita realizar outro dos meus passatempos preferidos: obeservar pessoas.
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Voltava de Niterói hoje, no 996 Charitas-Gávea. Ônibus passou rápido. Vazio. Ar condicionado. Beleza. Sentei-me já pronta pra tirar um cochilo quando um casal - no sentido de homem e mulher, não no sentido de casados - de seus vinte e poucos anos senta-se na minha frente. Falam alto. Pensei em me mudar de banco pois vislumbrei que eles poderiam atrapalhar minha árdua tarefa de tirar minha soneca de 40 minutos, enquanto eu bato com a cabeça umas três vezes no vidro da janela e chego em casa revigorada pra deitar na frente da TV e vegetar o resto da noite. Mas vislumbrei também que pérolas estavam por vir. E eu não podia perder essa chance, afinal estava em dúvida sobre o assunto de hoje neste blog (e as alternativas estavam entre a racionalidade burocrática weberiana e o primeiro capítulo da novela do Manoel Carlos). E então eu achei melhor confiar naquelas jovens mentes pois algo sairia dali e me daria inspiração. Sim, caros leitores! Hoje estou um tanto quanto machadiana e com uma forte tendência a fazer digressões que se perdem em longos parágrafos e caminhos tortuosos que se bifuracam e vão e vem...praticamente uma pândega!
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Continuando com o nosso jovem casal. Eram calouros de medicina da UFF. Ela, tentou Direito, não gostou e foi pra Medicina. Ele, tentou três vestibulares até passar. Ambos satisfeitos com suas atuais escolhas. Os pais dela são médicos. A mãe, com preocupações assistencialistas e humanistas. O pai, um medalhão que fizera residência em Londres (sim, deu pra escutar tudo isso, caros leitores). O pai dele é professor e pesquisador - acho que na área de geografia; também não dá pra pegar tudo, né gente! - e a mãe agrônoma. Foi então que seguiu-se a primeira pérola:
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- Garota: Que legal! Sabia que eu pensei em fazer agronomia? É porque, tipo assim, eu adoro essa coisa de índio. Cuidar de índio. Terra.
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Obrigada, Senhor! Por ter me dado paciência de esperar pra ouvir isso. Hahahahahaha...Me senti dentro de uma música do 14 Bis. Essa coisa de terra, planeta água, bola de gude, bola de meia, o solitário não quer solidão.
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Na certa a garota confundiu com Antropologia (que faz muitas coisas, ATÉ pesquisar comunidades indígenas). Na certa ela pensou: "Ah, esses negócios de vaca, planta, índio".
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E eles estavam só esquentando.
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Falavam alegremente e em alto e bom som o quanto era maravilhoso fazer medicina, quando de repente a garota pergunta se ele não tinha vontade de se dedicar à área de pesquisa médica. Aí segue a primeira pérola do garoto:
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- Ah, não. Acho um desperdício. A pessoa custa a passar, estuda seis anos e vai fazer pesquisa?!
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Claro, lógico. Super coerente. Pra que descobrir a cura da Aids se você pode ficar enfiado num consultório das 8 às 20h? Porque dá trabalho estudar, fazer mestrado, doutorado, ganhar pouco e não precisa andar de branco pra cima e pra baixo com aparelho de pressão pendurado no pescoço, né? Afinal, pra que ser médico se o resto da humanidade não sabe e te louva por isso?
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No que foi rapidamente apoiado pela garota que soltou a segunda pérola dela:
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- Ah, é! Devia ter feito biologia!
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Até entendo o raciocínio dela. Partindo do pressuposto de que ela acha que cuidar de índio é coisa de agrônomo, ela deve achar que pra descobrir a cura do câncer a pessoa precisa estudar um protozoário!
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- Garota (continuando): É que nem ser médico legista!
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Eu vou pular do vão central da ponte. Eu juro que vou.
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Pensaram que acabou? Nããão! De repente começam a falar sobre psiquiatria. Legal. Vão finalmente dizer alguma coisa que preste, afinal, psiquiatria é fascinante! Se eu fosse médica seria a minha especialidade.
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- Garoto: Ah, não. Nunca faria psiquiatria porque é muito filosófico.
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É lógico! Literalmente. Partiram do silogismo socrático de que A) todo filósofo é maluco; B) todo psiquiatra é maluco; logo C) todo psiquiatra é filósofo! E esses garotos são gênios da humanidade! Como não pensei nisso antes?!
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- Garota: Sem contar, cara, que, tipo assim, não tem cura, né? São só doenças que não tem cura!
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Ora, ora, ora! Então não estou apenas diante de médicos arrogantes e idiotas, são médicos arrogantes, idiotas e...positivistas! Acreditam que a medicina é uma ciência quase exata regida por leis da proeficiência! Jesus Cristo! Quanta merda junta um ser humano pode carregar na cabeça!
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Só não me joguei da ponte porque já estava quase no Largo do Machado. Desci do ônibus rogando aos Céus que nunca, mas nunca, jamais-em-tempo-algum, permitissem que eu caísse em mãos de médicos como aqueles.
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Hoje eu também ia falar mal de adEvogados, mas aí pensei: tadinhos. Eles já são adEvogados!
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Vocês devem achar que eu falo mal de todas as profissões do mundo. Não é verdade. Só gosto de zoar pessoas que acham que tem o rei na barriga. E vocês hão de convir que a classe médica e jurídica acha que sem eles o mundo pára. E também aquelas completamente escrotas. Como a publicidade, por exemplo.
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PS: E a novela do Manoel Carlos ontem, hein? Muito boa. De uma singeleza que, olha... Vou te contar.

9 comentários:

Anônimo disse...

eu resolvi virar médico amador depois que um imunologista renomado me receitou benzetacil prum calo.

Anônimo disse...

Eu sou totalmente a favor de médicos amadores! Afinal de contas, se tem escritor amadro, ator amador, qual o problema de se ter médico amador? Ou alguém acha q médico sabe o q faz?

Carrie, a Estranha

VanOr disse...

Eu odeio médico recém formado, e tenho verdadeira mêda de acadêmicos de medicina que são forçados a trabalhar nos hospitais universitários. Por mim, eles deveriam aprender a profissão em cima de presidiário, que pra alguma coisa tem que servir essa cambada de inútil e degenerado que abunda no Brasil

Anônimo disse...

deus do céu! baixou um mengele na vanzinha!

Linda Blair, possessa disse...

Acho q eles podiam fazer experiências em cima dos políticos. Q tal? Vagabundo por vagbundo, vamos pegar quem é profissional!

VanOr disse...

Lauzinho, eu não acredito na capacidade da prisão de regenerar o caráter dum Elias Maluco. Aliás, Elias Malucos não se regeneram. Direito humano de c* é rola, em se tratando de marginal que estupra, sequestra e mata*. E outra: médicos recém formados, em tese, já sabem tudo que precisam saber para atender. Como Pôncio Pilatos, eu lavo as minhas mãos.

*Sem tirar o desmérito dos políticos, que fazem tudo isso por tabela, com requintes de rastreabilidade.

Lara disse...

Olha, eu faço direito e tenho que concordar contigo. Detesto a arrogância dos advogados, me irritam! Tenho certeza de que escolhi a profissão errada!
beijos

Anônimo disse...

hehehe, muito boas as pérolas! 996 é um clássico dos diálogos inspirados. e eu que achava que o vestibular de medicina era difícil!

Carrie, a Estranha disse...

Mas a capacidade de regeneração em prisões é sempre muito pouca. Pega essas prisões na Califórnia, por ex, onde o cara fica completamente isolado e nem banho de sol tem direito. Isso não é pra recuperar. É pra punir, mesmo. E nesse sentido acho que realmente tenha q se punir com o máximo de severidade, contudo com respeito à vida humana. Criminosos matam. O Estado, não. Criminosos podem perder a razão. O Estado, não (pelo menos teoricamente). Não se pode institucionalizar uma prática de esquadrão da morte, ou de entrar passando o rodo em geral, como fizeram no Carandiru. Aí vira terra de Malboro (o cirgarro, não o DJ).
Tem q se respeitar direitos humanos de sequestrador, etuprador, assassino, sim. Eles perderam o respeito a vida. O Estado, não. A não ser q se declare "agora vale tudo". Aí, blz, mas só avisa q é pra eu encomentar minha uzi!