segunda-feira, junho 02, 2014

Nostalgia do presente


Olhando para trás e para dentro consigo vislumbrar um sentimento em mim de 20, 25 anos atrás. Ele não era onipresente, mas ele estava lá em vários momentos. Talvez sequer fosse a maior parte do tempo. Com certeza, não era a maior parte do tempo. Mas o momento de sua existência era cheio e pleno e o bastante para permanecer mesmo décadas a frente. Era um sentimento de total consciência do presente, de forma tão absolutamente arrebatadora que nada mais existia, nem antes nem depois. Não se tratava de felicidade ou contentamento, mas uma sensação de que as coisas eram seguras e que qualquer perigo era tão remoto e hipotético que era quase impossível. O futuro não existia, a não ser como uma ideia abstrata, assim como a morte. A segurança do amor dos meus pais, o conforto da minha casa e a vida previsível e estável - porém, ainda não entediante o suficiente - faziam com que as coisas andassem como deveriam andar. Nem mais lentas, nem mais rápidas. Tudo era novo. E não se trata de uma construção que eu fiz do passado, olhando retrospectivamente. Era uma sensação presente, que eu tinha a exata noção de que estava acontecendo naquele momento. Mas talvez achasse que fosse ser assim pra sempre. Não sei.

Outro dia eu vi em algum filme ou seriado, não me lembro bem, a personagem principal falar algo parecido. De que olhando para trás ela conseguia ter a exata consciência do momento em que ela olhou para a própria vida pensando: "esse é o momento mais feliz da minha vida". Mas, no momento em que ela teve esse sentimento já não era a felicidade, mas o início do fim da felicidade. Porque talvez - completo eu - o momento de felicidade completa seja um momento em que não se sente, não se racionaliza. Vive-se, apenas.

Acho que lembrei dessa passagem e associei-a a este meu momento porque talvez essa sensação não fosse a felicidade em si, porque era apenas a vida em sua plenitude.

Quando visito a casa dos meus pais eu me lembro deste sentimento. Na vida adulta esse sentimento é quase inexistente. Há passado e futuro demais e a certeza da impermanência. Talvez haja relances deste sentimento. Mas ele já é tão impregnado do desejo de permanência, nos apegamos tão desesperadamente a ele, talvez sabedores da sua fragilidade, que no momento em que tomamos consciência ele se esfarela por entre os dedos. Porque a receita número um para algo não durar é tentarmos nos apegar a ele com sofreguidão.

Quando foi que o futuro chegou tão depressa?

5 comentários:

lili disse...

Também me lembro de momentos assim, de completude e serenidade.

Ge disse...

Isso também acontece comigo e é muito bom quando estamos em um presente onde a vida acontece exatamente igual aos nossos sonhos...eu ainda estou esperando o meu futuro chegar.
Bjos.

Dali disse...

Querida Carrie,
que bom que voltastes!! saudades imensas pois vc coloca aqui coisas que eu sinto e não consigo expressar e sempre me identifico com suas postagens, pensamentos, expectativas...
sabe que esses dias eu estava pensando na mesma coisa... a diferença era que nessa época éramos imortais, minha amiga. A morte, as perdas, as mudanças drásticas na família, na vida, nos sonhos não existiam... todos vivíanos no mesmo mundo, imortal, correto, lúcido.
Hoje, o medo da morte, das perdas, do futuro concorre com o presente. O medo de que o futuro que esperávamos, mesmo sem saber o que era, ou como era, o futuro que mesmo meio fora de foco, sempre continha tudo e todos para um dia torná-lo nítido.
Hoje não. o futuro chegou e faltam tintas, pessoas, sonhos. Falta a lente que trazia a esperança sem nitidez, falta o passado sem importância e um futuro inteiro a desenhar.
Estamos no meio do caminho. Imagino que vc deve ter mais ou menos a minha idade, mas mais importante, passou por perdas duras, que nos fizeram mudar.
eu também sinto falta desse passado e desse futuro. Na verdade, como vc falou: sinto falta desse presente, pois de passado e futuro, meus dias estão cheios.
bjs e amei o texto. Como sempre.

Carrie, a Estranha disse...

Pessoas todas,

Olhos marejados com os comentários de vcs. É bem por aí.

Bjs

Anônimo disse...

Foi ano passado, aniversário de uma grande amiga e colega francesa, todos os amigos da empresa estavam lá (5 na verdade hehe) e estávamos felizes comemorando, foi quando olhei e tive esta sensação, não sei se foi o momento mais feliz da minha vida mas a sensação de que logo cada um tomaria um caminho diferente, e a alegria de estarmos juntos ali, tornou tudo eternamente especial..não sou casada, nao tenho filho, mas até hoje nada foi comparado aquele momento, esta foi a minha experiência carrie =)