Luísa sempre odiara Carnaval. Ainda pequena sua mãe a fantasiava de
baianinha e levava-a as matinês do Guaraciara Campestre Clube. O pesado
turbante, a saia rodada, de babados – como aquele tecido pinicava! -, os
brincos de argola, pulseiras e colares, aliados ao forte calor de fevereiro ou
março quase sempre a faziam passar mal no meio do baile. Hordas de crianças
pulando e berrando, junto a mães histéricas que batiam fotografias o tempo todo
e um leve odor de guaraná e suor eram sua maior lembrança desses dias de
horror. Gostava de se sentar em um canto do salão e juntar confetes em um copo
de plástico. Mas sempre que conseguia se divertir minimamente dessa forma a mãe
ou alguma tia ou primo logo a encontrava. Tá fazendo o que sentadinha aí,
trisitinha? – perguntavam. E
lá ia Luísa, rebocada às pressas para algum trenzinho ou – terror dos terrores
– para o campeonato de fantasias. Não havia argumentação racional com a mãe de
Luísa. Ela sempre queria vencer o concurso de fantasias da matinê, o Foliã
Garaciara Mirim, para isso vestindo a filha de indiazinha, baianinha, garotas
superpoderosas, anjinho, Minie,
coelhinha...
A angústia começava logo depois do ano novo, em janeiro, quando Dona
Almerinda, mãe de Luísa, tinha suas brilhantes idéias de fantasias. Tudo para
derrotar Renatinha, a princesinha do Guaraciara Campestre Clube, a única eleita
por cinco anos consecutivos a Foliã Mirim. Renatinha parecia ter nascido para o
Carnaval. Suas fantasias eram sempre as mais originais. Quando todos apostavam
nos super-heróis da vez ela surgia com uma fantasia tradicional de espanhola,
com sapatos de salto, castanhola e leques. Quando, no ano seguinte, todas
resolviam fazer elaboradas fantasias de colombinas ela surgia como a personagem
da novela das sete. Impossível concorrer com Renatinha. Ela não suava. O
penteado não desmanchava. Mantinha constantemente um sorriso no rosto. O
confete não grudava em sua pele. A maquiagem não derretia. Renatinha era
simplesmente perfeita. Todos os meninos queriam ser seu par, enquanto Luísa
tinha que se contentar com seus primos gêmeos Ricardo e Rodolfo, dois anos mais
novos que ela e, portanto, infinitamente pirralhos, como ela sabia.
O que sempre a incomodara no Carnaval era a obrigação de ser feliz.
Quatro dias em que você não podia se dar ao luxo de ficar quieta nem um só
instante. Quatro dias para gritar, pular, se vestir com roupas improváveis,
beber...veja só o seu Eustáquio, o vizinho da frente. Durante o ano todo ele
era um pacato contador que vinha do trabalho pra casa, da casa pro trabalho,
pai de duas meninas e marido exemplar. Durante o Carnaval Seu Eustáquio podia
ser visto diariamente com a mesma (minúscula) fantasia de mulher, maquiagem
borrada, peruca torta e aos berros. A mulher, Jandira, bradava em alto e bom
som que assim não era possível, que desse jeito pedia o divórcio e não sei mais
o quê. Na quarta feita de cinzas é como se o casal tivesse se mudado dali e
dado o lugar para outro casal. Seu Eustáquio aparecia com o semblante fechado
de sempre e Dona Jandira reclamando da carestia da vida e falando sobre a pouca
vergonha das fantasias de carnaval. Como se aqueles quatro dias tivessem sido
uma espécie de salvo-conduto do marido.
(Continua...ou não)
4 comentários:
nossa, eu e luisa jamais concordamos entao...a nao ser que o conto tenha um final, e esse final tenha uma virada! hehehe
Pow, se inspirou em Léo Jaime, qd escrevia pra Capricho nos anos 80? Até hoje me lembro da frase... "é como se nas férias saísse um exército de pessoas dizendo 'eu tenho que ser feliz, eu tenho que ser feliz, eu tenho que ser feliz...'"
Tá muito show de bola. Senti saudades suas! E aí vem vc e PUF! - aparece com um conto muito legal!
Sou uma Renatinha tardia. (exceto pelo suor, inevitável no sol de meio-dia...)
Luísa, vc não está só!
"Garra" na minha mão!
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