sexta-feira, janeiro 21, 2011

Nem parece banco*


Famosa instituição de ensino superior da rede privada na qual eu trabalhei e que investe pesado em marketing está com uma estratégia violenta este ano: distribuindo i-tablets pra galera com o conteúdo das aulas. Uau! Pensa o moleque saindo do colégio. Manêro! Em tese é uma ótima ideia. Afinal, investir em tecnologia é super importante, longe de mim descartar isso. Quem é que vai achar ruim ganhar um tablet? Nem eu. Só que o problema é que eu sei como as coisas funcionam.

A primeira tentativa dessa rede de ensino foi fazer apostilas para os alunos. Por que apostilas? Porque eles não lêem os textos que os professores passam. Textos, estes, que são capítulos de livros, passados justamente porque os alunos não vão ler o livro inteiro. Então você picota o livro, mas nem assim eles não dão conta, porque não são acostumados a ler. Aí você mastiga do conteúdo numa apostila - que nem assim ele vai dar conta. Aí pra ficar mais bacana e bonito boto tudo num dispositivo mega fucking bluster ultra power.

Na prática: o aluno, que já não lê porra nenhuma, vai ler menos ainda. Vai usar o tablet pra entrar em outros sites em horários de aula (não sei se eles vão bloquear o acesso à internet em horário de aula ou pelo menos bloquear redes sociais, mas também se bloquear tudo, qual a função de se ter um tablet?). Vai dar desculpa que o tablet estragou, profi! Não deu pra estudar, foi mal. Sua quase nula capacidade de expressão escrita vai se reduzir ainda mais.

E o professor? Provavelmente não foi pago pra fazer esse conteúdo exclusivo (se foi, não foi o suficiente, porque dá um trabalho do cão você traduzir, por exemplo, a Escola de Frankfurt pro alunês). Vai ter mais trabalho pra corrigir as provas - porque os alunos vão piorar o nível de leitura e escrita e sem escrita e leitura não se faz nada - vai ter mais dificuldade pra controlá-los em sala (porque eles vão fica acessando outros sites).

Enquanto isso, na Sala da Justiça...sai a classificação do MEC dos melhores cursos do estado do Rio. Famosa rede de ensino que dá tablets tá láááá embaixo. Atrás, inclusive, das duas faculdades onde eu dou aula. Primeiro lugar? UFRJ. Que não tem nem porta nos banheiros. Mas tem pesquisa.

Claro que estou falando a partir da experiência na minha área, na cidade do Rio de Janeiro, em um campus específico. Outros locais eu não conheço. Claro que sempre tive ótimos alunos em todas as turmas (minoria de um ou dois). Claro que quem faz a faculdade é o aluno, que quem é esperto corre por fora. Mas a mentalidade da instituição é a mesma.

Mundo podre.


* frase dita por uma (ótima) aluna minha, desta referida instituição.

5 comentários:

Nayara disse...

Carrie, carrie, toda vez que a ideia de dar aula passa pela minha mente....rapidamente se esvai...exatamente por causa dessas coisas. Outro dia na aula teórica da auto escola (postes do mundo...afastai-vos!) duas meninas conversavam e daí uma delas disse que nunca havia sonhado com a Federal da Bahia pq tudo lá era velho e ultrapassado....ela queria mesmo ir pra uma faculdade particular, que tinha cadeira, ar condicionado e equipamentos modernos...e eu me perguntava: e no conteúdo, senhor, ela vai pensar quando?!

Suzi disse...

Minha querida Carrie... lamento dizer que essa vergonha toda não é monopólio carioca. Sou do Paraná e a coisa aqui não difere nada. Esse nivelamento por baixo me revolta também. Iclusive falo dele aqui: http://migre.me/3IWqu O mesmo ponto de vista.
beijos!

Ila Fox disse...

Ai Carrie... a impressão que dá é q o povo tá cada vez mais preguiçoso? culpa dos controles remotos? :-P

Bom, no nosso tempo, qualquer trabalhinho de escola exigia bastante da gente. Tinha que ir na biblioteca, pegar livros, ler, fazer resumos, escrever à mão, colar figuras... ufa! hoje o cara vai lá, procura no Google, dá um control+C e acha que já fez muito! :(

Amana disse...

So sorry por isso, por todos nós.
Dei aula semestre passado para uma turma de 3o período da Psicologia na UFRJ, e fique mal acostumada. 80 alunos assíduos em sala, ar condicionado fraco, mas todo mundo prestando atenção, lendo os textos, discutindo. é claro que quem passa numa federal já passou por muita seleção escolar antes, e não desconsidero isso. Mas acho que todo o ambiente de estímulo, de cobrança de leitura, de nível alto de exigência faz com que quem quer estudar se sinta motivado, não se sinta um ET.
Já nessas particulares mercadológicas, a coisa é feia. Piorar, piora. Mas sempre me pergunto: não chega uma hora em que a farsa é tamanha que ela desmorona? Tento acreditar nisso para continuar apostando na vida acadêmica...
beijos!

Carrie, a Estranha disse...

Amana,

Deus te conserve c/ todo esse otimismo.

Ila,

É. Total.

Oi Suzi,

Eu sempre acho q no Rio deve ser pior.

Paola,

A maioria não dá a mínima nem hj nem nunca.

Bjs