terça-feira, setembro 07, 2010

Sobre a arte de se render

Certas coisas que acontecem em nossas vidas são tão absurdas que a única explicação plausível seja colocar na conta do destino. Mas eu não acredito em destino. Nem muito menos que nós construímos nossa vida. Quer dizer, construímos na medida em que fazemos escolhas, mas...acredito que simplesmente não temos controle sobre quase nada e as coisas acontecem sem nenhuma causa aparente. Quer dizer, não sei no que acredito. Deus não joga dados. Joga sinuca. E rouba, às vezes. E a bola somos nós.

As coisas se repetem com uma estranha circularidade na minha vida. Talvez seja assim na vida de todo mundo, mas eu só posso falar da minha vida. Nada anda em linha reta. E eu me encontro novamente tendo que recorrer à metáfora da espiral: me vejo em círculos, às vezes na mesma direção, apenas com alguns níveis de diferença. Às vezes o meu eu de agora olha para os lados e vê os outros eus nas mesmas posições, apenas em níveis diferentes - nem melhores, nem piores, apenas outros níveis, diversos. E eles me acenam sorrindo e espantados e logo eu me espanto ao ver que estou fazendo as mesmas coisas que eles. Mas algo sempre muda de um nível para o outro. Somos todos a mesma pessoa apesar dos múltiplos locais pelos quais passamos.  

Esses dias eu estava vendo o discurso do Steve Jobs (pra quem vive em Marte: Steve Jobs é o criador da Apple Computers e dono da Pixar, o estúdio que fez Toy Story) na formatura de uma turma de Stanford, em 2005. Nesse discurso, ele conta basicamente três histórias, todas muito interessantes. Primeiro ele conta sobre a adoção dele e a cláusula que a mãe biológica colocou para a adoção: que os pais adotivos tivessem curso superior e o matriculasse numa universidade. Só que os pais que estavam na fila como preferenciais resolveram, de última hora, que queriam uma menina. Daí quando ele nasceu o casal disse que não queria ficar com ele - se sonhassem em quem ele iria se transformar, aposto que mudariam de ideia. Os que viriam a ser os pais adotivos dele foram contactados sobre a possibilidade de adotar um menino. Responderam positivamente, mas tinha um problema: a mãe não tinha faculdade e o pai sequer havia terminado o ensino médio. A mãe biológica ficou meio assim, mas concordou com o casal contanto que eles prometessem que o garoto ia para a faculdade. Os pais prometeram e economizaram a vida toda para mandar o Steve para uma das melhores - e mais caras - faculdades dos Estados Unidos.

Depois de um semestre cursado, nosso amigo Steve começa a se perguntar se valia a pena estar ali, gastando todo o dinheiro que os pais dele não tinham, num curso que ele não via muito sentido e sem saber o que fazer da vida. Ele desiste, mas ainda fica fazendo tipo uns cursos livres. Passa muitas dificuldades, precisa vender garrafa plástica pra ganhar um trocado. Anda 12 km todos os domingos até um templo Hare Krishna só pra ter uma refeição decente. E aí escolheu cursos que lhe interessavam, mesmo que não tivessem aplicação prática na vida. Foi por isso que fez um curso de caligrafia, já que a universidade dele era pródiga em caligrafia. Anos mais tarde ele utilizou esse conhecimento para criar o Macintosh.

Na segunda história ele diz que após fundar a Apple com apenas 20 e poucos anos na garegem dos seus pais e se tornar milionário, ele conseguiu ser demitido aos 30 - o que é pior: demitido da própria empresa, em função do conselho dos acionistas que se colocou contra ele. Ao ser demitido ele pensou: o que eu vou fazer? Aí ele fundou a Pixar. Que se tornou o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Que, num golpe do acaso, foi comprada pela Apple.

Então ele fala sobre a ideia de ligar os pontos. Você só consegue ligar os pontos depois que você passa por todos eles - e às vezes eles não tem a menor ligação entre si a primeira vista. Só que é muito difícil enquanto você passa por eles. Principalmente se você não é o Steve Jobs. Se bem que nem o Steve era o Steve Jobs nessa época. E, enquanto você ainda não liga os pontos é preciso ter fé. Em si mesmo, no que você está fazendo. E a única coisa que pode lhe dar esta fé é saber que você está fazendo algo de que gosta.

Oquei, até aí eu tô indo, Steve. Concordo contigo em tudo. O problema é que há determinados setores da minha vida que eu, sinceramente, fico tentando ligar os pontos e não consigo sequer achar os pontos pra ligar. Acho que só pode ser piada da vida. Do contrário não é possível. Não é possível. Não entra na minha cabeça que certas coisas aconteçam. Ou não aconteçam. Ou que se repitam.
 
Tem um exercício budista que é você acordar e, ainda na cama - deitado mesmo ou sentado - colocar as palmas das mãos pra fora e simplesmente pensar "eu me rendo". A quê? Não importa. A Deus, ao Destino, ao Acaso, a Vida...a ideia é se render a algo que você simplesmente não controla. Algo maior que acontece e sob o qual você não tem o menor poder.
 
Cada vez mais eu acho que, se não todas, pelo menos as grandes questões da vida fazem parte de um universo que a gente não pode controlar. O que é muito difícil das pessoas entenderem, porque o primeiro pensamento é dizer então, já que eu não controlo nada, que se foda tudo.  Existe uma diferença entre as duas coisas.
 
Eu estou muito cansada de lutar contra coisas que eu não sei se são lutáveis. Talvez seja a hora de simplesmente se render. Ou, como se diz naquela oração/frase que serve de inspiração pro AA: saber a diferença entre o que você precisa aceitar e o que pode ser mudado - e encontrar forças pra isso.

Pra quem ficou curioso, aqui está o link para a primeira e a segunda partes do vídeo.

25 comentários:

Menina de óculos disse...

Carrie,

Vc conseguiu encontrar uma forma de baixar textos do google books? Eu vi que vc twittou isso e, agora, eu tô super precisando baixar um livro lá e não consigo.
Eu baixei o google book download mas não consegui fazer nada com ele..rsrs
Me ajuda...

Bjs

Ila Fox disse...

Belo texto Carrie! muitas e muitas vezes também me senti assim, como que remando contra a maré.

Em diversas ocasiões eu tive esta mesma sensação sua, a de que as coisas pareciam se repetir em épocas e intensidades diferentes.

Um dia eu me rendi. Acho que foi lá por 2007 se não me engano... mas também não fiquei esperando nada cair do céu, como muitas pessoas que se rendem e esperam as coisas acontecerem. Eu simplesmente fiquei mais atenta aos sinais, ao meu sentimento em relação às coisas ao meu redor.

De certa forma as coisas melhoraram muito desde então, mas não sei se foi mera obra do acaso ou se finalmente eu aprendi a me deixar levar pelo rio...

trinity disse...

Valeu pelo texto maravilhoso, e sobre a comentário e vídeo sobre o Steve, vou utiliza-lo em aula com uam turma q viu o filme "Piratas do Vale do Silício".

Patricia disse...

Leia "o andar do bêbado" fala, justamente, do acaso das coisas. Combina bem com o que você disse;)

trinity disse...

Acheio livro "O andar do bêbado" com uma leitura difícil :S

Cris Medeiros disse...

Estou me sentindo tão assim e me identifiquei demais com seu texto! Assim como se tudo que eu fizesse fosse inútil diante das circunstâncias...

Muito bem escrito o post!

Beijocas

Thiago dos Reis disse...

EXCELENTE texto, Carrie.

A diferença é que o Steve não perdeu o tempo dele escrevendo em bloguinho.


Bem, muito menos comentando né...

de qualquer maneira parabéns.

Ila Fox disse...

Thiago,
Bem provável que se a história do Steve Jobs tivesse começando agora, ele faria um blog sim. ;-)

Carrie, a Estranha disse...

Menina,

Me responderam lá no Twitter, mas um aplicativo pro Mac.

Ila,

Pois é. Essa é a diferença entre se render e ficar esperando as coisas caírem do céu.

Trinity,

Quero dar esse filme pros meus alunos! Vc tem o link?

Vc dá aulas de que? Nunca me disse.

Dama,

Obrigada! Q bom q vc se identificou.

Patrícia,

Já estive pra comprar este livro e desisti.

Thiago,

Obrigada.

Ila,

You got it, girl.

Marcele disse...

É isso! Aponta pra fé, e rema!
Belíssimo texto, Carrie! Parabéns!!!
E por favor... continue "perdendo seu tempo escrevendo no bloguinho", que continuarei ADORANDO "perder" o meu lendo...
bjo

nervocalm disse...

Meu meu diz que acordou uma madrugada e teve um estalo e disse pra si consigo "I welcome life", ou "aceito a vida de braços abertos", querendo mais ou menos dizer "viverei em paz quaisquer cirscunstâncias que me surjam pelo caminho". É um render-se mais positivo, né? E olha que ele vive desse jeito mesmo, chega a ser irritante. :)

Parece que ele estava lendo muito Walt Whitman na época.

Ge disse...

Tem momentos em que a gente para e percebe que quanto mais a gente faz, quanto mais a gente quer decidir as coisas...piores as coisas ficam...Esse render-se pode ser mesmo a melhor alternativa.

bjo

Andréa disse...

Nossa, concordo tanto! Eu também to procurando os pontos pra ligar e cadê? Call me covarde, mas to cansando de remar e os que conheço tbm cansaram. Tinha um professor que dizia que "para os neuróticos a vida se repete", ali, só ali(rs), eu entendi que era neurótica...Vida repetida, estranha em que se está sempre andando em círculos e não há salvação. Vc vai continuar andando em círculos, não pode parar, tipo aquele filme "Velocidade máxima". Parou, morreu.

trinity disse...

Carrie,
Eu aluguei o filme na locadora p/ passar para eles, já q as vezes o aparelho não lê cópias piratas. Pela web eu assisti no youtube o filme, mas se eu descobrir um link para baixar eu te envio.
Então, comecei a lecionar este ano (mas continuo na empresa) em uma escolinha particular e depois entrei na ETEC (escolas técnicas do estado) e atualmente leciono Aplicativos Informatizados e Gestão de Sist. Operacionais que foi a turma que passei o vídeo.

Anônimo disse...

Carrie,
acho que entro no seu blog há anos e nunca comentei, mas hoje você acertou direitinho e não tinha como não comentar! ADOREI!
A frase do AA é perfeita, temos que saber as diferenças e saber mudar o que for preciso!

Beijos,
Andrea Carvalho.

Thiago disse...

Piratas do Vale do Silicio é EXCELENTE...e passa uma visão empreendedora e de aprendizado não convencional muito grande, até por colocar em cena simultaneamente Jobs e Gates...

Bom, um link para o filme seria:
http://www.torrentreactor.net/torrents/3985092/The-Pirates-of-Silicon-Valley-1999-DVD-Rip
(pra legendas, só fazer cadastro e procurar: http://legendas.tv/)

Outro link (teoricamente) em PTBR:
http://www.torrentportal.com/details/4073734/Piratas+Vale+do+Silicio.avi.torrent
(quando vi estava sem seeds...mas ele falando oferecendo LSD perguntando 'Viagenzinha?' é impagável!)

No mais, bom texto!

Carrie, a Estranha disse...

Marcele,

Obrigada, querida. Mesmo.

Nervocalm,

É exatamente isso.

Aliás, esses estalos de madrugada são bizarros. Tenho muito. Talvez seja a hora da verdade - o q quer q isso signifique.

Gosto bastante do Walt Whitman, mas conheço pouco. Engraçado q esse livro budista q eu li esse exercício citava o Walt Whitmam. Mas quem eu amo muuito, e q eu acho q tem tudo a ver com essa filosofia é o Thoureau. Lembrei dele não sei porque.

Trinity,

Q legal! Nossa, q nome grande de disciplina! Rsrsr...Bacana.

Andrea,

É um enorme prazer qdo novas pessoas entram e comentam.

Tiago,

Obrigada pelos links.

Bjs a todos.

Ana Manga disse...

Nem pra amiga virtual eu sirvo mais, sou uma sumida ingrata, mas continuo sempre te amando a distância <3

Carrie, a Estranha disse...

É mesmo! Humpf! (fazendo biquinho) rsrs. Tá muito sumida. Eu tb te leio. Nem q seja no twitter.

Beijo

Fernanda Araujo disse...

Oi Carrie, como vai?

Tbm adorei seu texto, sinto exatamente a mesma coisa, vários eus em outros níveis, e eu vendo tudo se repetir, um ciclo que insiste em me perseguir e eu simplesmente tenho que me render, pq já tentei lutar várias vezes contr isso, mas parece que realmente não são "lutáveis";

BJÃO

FERNANDA.

Fernanda Araujo disse...

ahh... só esqueci de dizer que a luta geralmente é árdua e só desgasta.....

bjs
Fer.

luciana disse...

Carrie, amei seu texto, na veia. E obrigada também pela informação vinda através do s jobs, caiu como uma luva...

Carrie, a Estranha disse...

Luciana,

Q bom q ajudou! Obrigada!

Oi Fernanda,

Obrigada.

Bjs

Keize disse...

"(pra quem vive em Marte: Steve Jobs é o criador da Apple Computers e dono da Pixar, o estúdio que fez Toy Story)"...
Isso magoa as pessoas...
Tirando isso, ótimo texto!

Carrie, a Estranha disse...

Keize,

Jura?! Nossa, então as pessoas andam muito sensíveis. Sério q isso magoa? Não consigo ver como. Não posso advinhar q toda palavra q eu escrevo, mesmo aquelas sem a menor intenção, possa magoar alguém.

Além disso, qual o problema em viver em Marte?

Obrigada!