terça-feira, julho 13, 2010

Sempre que uma pessoa começa uma frase com o "meu terapeuta disse" ou "o meu terapeuta acha" ou ainda "o meu terapeuta recomendou" eu levo muito susto. Pra início de conversa eu detesto o nome "terapeuta". Me lembra algo paliativo, uma coisa que se faz pra aliviar a dor, o cansaço, quase como uma massagem - no ego, talvez? Segundo, me constrange muito pessoas que falam sobre suas terapias em público. Eu faço análise há uns 10 anos - e ainda tá desse jeito?, pensou o leitor sarcástico ali do fundo. Pois é, caro amigo. Imagine se eu não fizesse. Tentei 5 analistas diferentes. Com uma eu fiquei cinco anos e com a outra acho q já vai pra quase isso. Nunca dei certo com analistas homens. Mas o que eu quero dizer é: alguma vez algum de vocês me ouviu dizer "minha analista disse"? Pois é. Nem nunca vão ouvir. Porque não se trata disso. Além do mais, acho que é quase como uma relação amorosa. Não dou detalhes da minha vida sexual aqui e nunca daria da minha análise. Questão de pudor mesmo. Falo de exames ginecológicos, mas de análise, não.

Eu sei que existem diversas linhas, mas, sinceramente, eu não preciso de alguém pra me dar conselhos ou dizer o que acha da minha vida. Isso não funciona comigo. Pra isso eu tenho minha mãe, meus irmãos, meus amigos, o Personare. Psicanálise não se trata disso. Não é motivação, não é "vamos lá, você pode conseguir". Têm pessoas que funcionam nessa base. Eu não funciono. Claro que seria muito mais confortável ter alguém que me dissesse o que eu tenho que fazer, ou que concluisse: você é assim, você é assado. Em diversos momentos eu me emputeço com a minha analista e digo: "você precisa me ajudar, você precisa me dizer o que fazer". E ela diz que quem precisa decidir sou eu.

Eu também me assusto com frases do tipo "meu terapeuta disse", porque o papel do analista é o do não-lugar. Analista é um papel, uma função, não é uma pessoa. É difícil explicar e provavelmente vou estar simplificando as coisas - me desculpem amigos psicólogos - mas eu sinto como se o analista fosse uma espécie de guia ao inconsciente. Então o papel dele é te mostrar as coisas - coisas que você nunca conseguiria atingir sozinha(a) ou por toques ou conselhos de amigos. É como se ele fosse um explorador mais experiente te guiando por uma caverna escura e cheia de perigos. Ele vê uma coisa que você não tá vendo e diz: "olha, aqui tem um buraco. E é o mesmo buraco que tinha lá trás, quem sabe isso sugere que esse lugar tem a tendência de formar buracos". As interpretações são construídas conjuntamente. O analista não pode achar nada, falar nada que ele ache. No máximo ele sugere, mas quem sabe se tem ou não a ver é só o analisando. Ah, você tem medo do escuro, isso quer dizer que você teve problemas na fase anal. Ou: sonhar que está voando significa que você é uma pessoa ousada (ou o que quer que seja). Isso não existe. Uma amiga me deu uma imagem muito legal certa vez: o analista é alguém que pega um discurso em branco, sem pontos ou vírgulas e pontua. Ou te ajuda a pontuar.

Nunca estudei psicanálise - as poucas aulas que assisto no lugar onde minha irmã faz formação, porque às vezes é aberto e eu tô lá de bobeira mesmo, me sinto que nem nas aulas de matemática: diante de uma linguagem e de um universo que eu não decodifico - mas sempre fui muito influenciada pelos meus irmãos. Tenho dois irmãos psicanalistas - um que abandonou a profissão, mas se dedicou muito durante um tempo - e mais velhos, por quem tive sempre não só mais proximidade de idade (ainda que uma proximidade de 9 e 10 anos) como afetiva e intelectual. E que além disso fazem análise há mais de 20 anos. Então a psicanálise sempre foi pra mim a melhor linha, a minha maior referência, a que eu conheço um tiquinho assim. As outras eu não conheço a não ser por ouvir dizer, mas não me atraem. Não acho que vão funcionar comigo. Acho que tem gente que sequer sabe qual é o seu problema. Eu já sei quais são os meus. Sei tudo que eu preciso fazer, mas não faço. Não faço justamente porque é algo da dimensão do inconsciente.

As pessoas dizem nossa, mas é muito tempo! Não resolveu antes então não tá dando certo. Existem coisas que se resolvem em meses. Existem pessoas que procuram analistas para coisas pontuais e conseguem resolver. Outras questões podem aparecer, mas aquela específica foi resolvida. Mas eu retorno a minha análise por outros motivos. Não só porque alguns problemas são realmente difíceis demais e vão levar talvez a vida inteira pra que eu consiga conviver com eles, mas também porque eu acho que o inconsciente é uma espécie de músculo. Se eu não exercitá-lo na análise ele atrofia. É que nem musculação: não adianta fazer durante um tempo e parar. Oquei, a análise continua funcionando depois que você para, assim como a sua musculatura não desaba de uma hora pra outra. Qualquer um que já tenha feito esportes ou um trabalho de consciência corporal sabe que o corpo tem memória. Por mais enferrujado que você esteja, se já praticou esportes o corpo lembra rapidinho de tudo. Acho que o trabalho de psicanálise até pode continuar fora do consultório, mas não existe essa de auto-análise.

É profundamente tentadora a ideia de ficar falando sobre si mesmo. De desabafar. Mas não é disso que se trata a psicanálise. Também se tem aquela ideia de que o analista é aquele cara que fica quieto o tempo todo, só diz "hum, hmm..." e no máximo "fale-me sobre seu pai" - talvez influenciados por uma má leitura de Freud. Não é nada disso. Se fosse pra pagar alguém pra ficar em silêncio eu fazia isso com a minha Peposa. Tem sessões em que minha analista fala tanto que eu digo: xô falar!

Mas as pessoas - já ouvi até psicólogos dizerem isso - falam que ah, eu tenho amigos, não preciso de psicólogo. Ou frases como correr (ou insira aqui qualquer atividade) é minha terapia. Terapia até pode ser. Mas não confundir com psicanálise.

A verdade é que as pessoas vão muito despreparadas procurar um psicólogo. Natural, ninguém tem obrigação de saber se o cara é jungiano, lacaniando, comportamental, existencialista, transacional...como eu disse, a única pequena experiência que eu tenho é com psicanálise. Vejo psicólogos que misturam Floral de Bach, religião e sei lá mais o que nas suas consultas...oquei, mas não é pra mim. Aliás, psicólogo não está autorizado a receitar remédio nenhum. Quem faz isso é o médico psiquiatra. A não ser que o cara seja psicólogo/terapeuta e psiquiatra ao mesmo tempo. Psiquatras trabalham com diagnósticos. Rótulos. Psicanalistas, com estruturas: neurótico, perverso e psicótico. Não existe ninguém normal pra psicanálise. Na melhor das hipótese contente-se em ser neurótico.

Outra coisa que me espanta é a crença que as pessoas tem de terapia é caro. Os bons psicólogos negociam. Minha analista diz isso nos cursos dela: psicanálise não é profissão. Se você depende do dinheiro dos seus pacientes pra viver, logo o tratamento vai estar comprometido, porque você vai querer que o cara fique ali pra sempre. O que é então? Hobby? Sacerdócio? Como os psicanalistas devem ganhar dinheiro? Sei lá. Isso não é problema meu. Mas se você tem um analista preocupado demais com dinheiro, saia fora. Psicanálise não é isso. Psicologia sim, mas psicanálise não. ADENDO: não quero dizer que psicólogos só pensem em dinheiro, mas que psicólogo é uma profissão, ao contrário do analista. Não sei exatamente o que acho disso. Se fosse psicanalista acho que me preocuparia mais. Acho essa posição meio complicada, afinal atende-se em locais onde se gasta luz, aluguel...

Acho que o acontece também é que as pessoas não estão dispostas a investir num tratamento psicológico. Elas gastam com tudo: dermatologistas, tratamentos estéticos, academia, aula disso, aula daquilo, mas quando chega a hora de pagar pra cuidar da cabeça acha tudo caro.

Não estou dizendo que uma seja melhor do que a outra, só estou falando da minha experiência - que, volto a frisar, é apenas de paciente e não de estudiosa do assunto.

ADENDO 2: tenho milhares de críticas à ideia de psicanálise e não tenho 100% de certeza de que seja "o método mais eficaz pra mim". Tem dado certo no momento. Aliás, eu sempre questiono tudo em que acredito e acreditar não quer dizer que eu não faça críticas.

21 comentários:

Alê disse...

Adorei seu post.
Na fase da pré escola a professora mandou um recado à minha mãe e pediu que eu fosse ao psiquiatra.
Na fase adolescente também fui e na adulta idem.
Todo o diagnóstico é sempre o mesmo e acabam me encaminhando para a psicologia que trata a espiritualidade.
Enfim, hoje tento trabalhar melhor isso em mim e nãos entir vergonha do que sou.
É muito difícil, mas sigamos em frente.
Eu também ouço muito sobre se ter amigos para desabafar, prática de esportes para terapia, mas comigo
não funciona.
Eu pratico natação porque gosto do silêncio debaixo d´água.
Vai entender porque me sinto em paz assim.
Ai Carrie, eu só cheguei a uma conclusão: é muito difícil ser agente mesmo.

Beijos

Alê

Anônimo disse...

Puts, amei seu post Carrie.
Eu sempre te leio no reader e da preguicinha de vir comentar. Mas esse post foi digno de nota, me deixou bem claro esse negocio de terapia, analise e tudo mais. (eu sou daquelas que ja falou que 'se não resolveu ainda não resolve mais' e 'é mto caro)
beijos, obrigada mesmo por esse post.
Simone

***GrAzI disse...

Adorei o posto Carrie!
Enquanto psicóloga (mas não psicanalista! rs) fiquei feliz com a forma simples e objetiva que vc compartilhou sua experiência aqui...
Faço psicoterapia desde a faculdade (lá se vão mais de 10 anos tbém!) e só tive a ganhar... sempre!!

Carrie, a Estranha disse...

Oi Alê,

Só discordo de vc em um aspecto: a psicologia não trata a espiritualidade. Eu não sei como os órgãos reguladores da profissão se posicionam em relação à terapias de vidas passadas ou outras formas de psicologia q misturem religião, mas eu ACHO q, em geral - não estou dizendo no seu caso - isso não seja um bom caminho.

Simone,

Puxa, q legal! De nada. Eu é q agradeço pelo comentário.

Grazi,

Q bom. Espero não ter ofendido nenhuma linha. Rsrsr

Bjs

Luciana Nepomuceno disse...

Hoje não atendo mais. Mas, se algum dia voltar ao setting, vou deixar seu texto na sala de espera. Aliás, estou com vontade de fazer panfletos e sair distribuindo por aí. Sério, pertinente, objetivo, claro. Grata. Por mim, pelo me analista, pelos meus analisandos, hj posso falar em nome de todos.

Alê disse...

Olá

Ah, com certeza essa parte da espiritualidade é complicada e de verdade, nem eu entendo como se enquadra na área da psicologia, psicanálise e psiquiatria.

Mas,existem psiquiatras que atendem e abrangem o tema da espiritualidade.

Sabe, eu também acho complicado esse atendimento porque não sei, parece que acaba misturando tudo sabe?

Eu já fiz terapias de vidas passadas e não gostei.

Hoje, eu faço sem abranger a espiritualidade e gosto muito.

Concordo com você que a psicologia não trata a espiritualidade, porque (momento desabafo) acabamos virando mais objeto de estudo do que paciente (putz, é certo usar esse termo?).

Ai Carrie, eu não entendo muito sobre essa área de psicologia, psicanálise e psiquiatria.

Adoro ler Jung porque me sinto muito bem, mas enfim, é isso.

Olha seu psot foi muitoe sclarecedor e se você puder num futuro não muito distante (olha a pedinte aqui :D), dissertar um pouco mais sobre esse assunto, vou adorar.

Beijos

Alê

Anônimo disse...

Mário Quintana disse: "A Psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora."

:o)

Carrie, a Estranha disse...

Anônimo,

Perfeito! Não é à toa q um dos primeiros romances policiasi é Édipo. Não à toa (de novo)uma das inspirações de Freud.

Alê,

Acho q meus conhecimentos não vão além desse post, não. Rsrsrs...

Borboleta,

Rsrsrs...essa do conselho é foda. Eu já tive analistas q "aconselhavam". Acho q é muito tentador não aconselhar. E pro analisando é muito confortável.

Anônimo disse...

Oi, Carie

Se vai apresentar trabalho na Anpuh?

Bj. Rogério

Carrie, a Estranha disse...

Oi Rogério,

Na do Rio? Sim. Sexta de manhã num ST sobre Literatura e História.

Vc vai?

Anônimo disse...

Carrie,desculpa o "nada a ver" do meu post ,mas estava querendo saber se você já leu (ou adquiriu) Invisível? Gostaria de uma opinião sua,já que sei que é fã de Paul Auster...

Valeu!

Márcia

Natália disse...

Como futura psicológa, mesmo seguindo a Fenomenologia, amei seu post. Bjos. Ah, recomendei lá no reader.

Anônimo disse...

Oi Carrie,

Eu não sei. Gostaria, mas não me inscrevi pra ouvinte. Vou apresentar segunda a tarde num ST sobre diferenças e desigualdades sociais. Fiquei com raiva de mim, pois tb trabalho com literaura. Mas o trabalho que vou apresentar tem mais a ver com o outro simpósio. Tentarei ir...
Bj. e boa apresentação

Rogério

Carrie, a Estranha disse...

Oi Márcia,

Eu gostei muuuito! Achei muito bom. Um dos melhores. Auster voltando a velha forma, já q o Viagens ao Scriptorium achei bem fraco.

Natália,

Obrigada!

Rogério,

Foi vc q me mandou um e-mail uma vez, não foi? Aparece lá na minha apresent. Tem outra moça daqui, dos leitores, q tb vai estar lá, a Carol. Quem sabe encontramos.

bjs

luciana disse...

Como é que terapia é um negócio mal entendido, não? É super estereotipado na midia... Além disso, acho que as pessoas em geral têm muitos preconceitos a respeito de problemas, dores, dificuldades.

Juliana Correia disse...

Oi Carrie!

Sou eu, a do email, de Salvador! :)
Achei seu texto ótimo, sucinto, bem explicado, claro e bastante bonito pra falar da psicanálise. Adorei também a frase do Quintana que algum anônimo compartilhou por aqui!

Não só compartilhei teu texto no reader como encaminhei por email pra uma galera!

um beijão!

anna v. disse...

Muito bom seu texto, Carrie! Apesar de nunca ter feito análise (ou por isso mesmo, sei lá), concordo contigo em tudo.
Beijos.

Carrie, a Estranha disse...

Luciana,

Ah é. As pessoas acham q "terapeuta" é babá ou algo do tipo.

Juliana,

Quem bom!

Mas vc não me respondeu mais, menina?

Anna V.,

É, acho q é uma questão muito pessoal. Psicanálise não é pra todos, não precisa ser pra todos. É uma (das) resposta(s) q a gente dá pra alguns problemas em certas épocas da vida.

Beijos, meninas

Carmen disse...

Carrie, gostei tanto do post que irei copiar no meu blog, mas com devidos créditos, rs.
Falou e disse tudo querida, e parabéns pela sensibilidade e costumaz inteligência em diversos aspectos.
Beijos!

Carrie, a Estranha disse...

Oi Carmen!

Fique à vontade.

Bjs

A Lesma Lerda disse...

devo ser o maior troglodita que tem no mundo e nunca conheci nenhum analista..mas todos os analisandos que conheci eram/são os maiores filhos da puta que ja vi...
mas obviamente nao vi todos os analisandos nem todos os filhas da puta do mundo..então posso estar enganado né?