quarta-feira, outubro 07, 2009

Porque me ufano de meus primos

Anteontem foi aniversário do meu Cosnis querido do coração (como todos os meus primos por parte de mãe o são), pai do João Fanquico e do Irmão. Mas quem recebeu presente fomos nós. A antologia de poemas intitulada “Uma viagem pra Pasárgada” chegou aqui em casa, pelo correio. Trata-se de concurso promovido pela Editora Litteris (a mesma que publicou os dois livros de poesias dele), em homenagem a Manuel Bandeira. A ideia era escrever poemas com a temática de “Pasárgada”. Teve premiação de 1º, 2º e 3º lugar e alguns contemplados com a publicação. A poesia de Júlio entrou nesta leva. Os primeiros lugares, como sempre são os primeiros lugares, são bem ruinzinhos. Segue o de Júlio:


Pasárgada em mim
(Júlio César Meireles de Andrade)

Quisera pertencer àquele lugar
inteiro, completo
viver ali

mas somente fragmentos existem
e, fragmentos, sabemos,
são inabitáveis

e, por alguns segundos,
descendo a Rua Direita [1],
pararia defronte àquela vivenda
e meus olhos descansariam
na beleza do solar [2]

entraria

pelo silêncio dos corredores
conduzido até a cozinha
e ali estaria mãe-madrinha
contando causos da revolução [3]

caminharia

até o Largo da Liberdade
onde a poeira e o frio
não impediriam minhas lágrimas
ao ver, na Collectoria,
com seu terno impecável,
João e sua Cruz [4]

Choraria

e, no Largo do Rancho [5]
esperaria por um espetáculo
do circo de cavalinhos São Paulo [6]
que sequer começaria
devido à fúria de um anspeçada [7].

Tudo em seus devidos lugares,
menos eu.

Todos em seus devidos lugares
observariam, apenas.
minha passagem.

Uma passagem rápida,
lampejo de memória,
seria,
mas com a intensidade
necessária
para que Pasárgada,
em mim,
Permanecesse para sempre.


Notas explicativas (certa de que devo estar cometendo erros e levarei esporro dos parentes mais velhos, seguem pequenas explicações para melhor compreensão do poema):

[1] Como era chamada a hoje Avenida Getúlio Vargas de Andrelândia (MG) - a parte dela que desce.

[2] Sobrado que outrora pertencia a nossa família, depois passou para as mãos da família do Júlio por parte de mãe e hoje é a Fundação Guairá.

[3] Depois de algumas discussões chegamos a conclusão de que a mãe-madrinha deve ser a Tia Ozenda, minha tia-bisavó, mas isso só o poeta poderá dizer. Na “Revolução” de 30, seu filho, Hermógenes Queiroz, foi morto ao ir buscar remédio para o pai, Lindolfo, que havia sido atingido por um tiro da polícia mineira. Dizem que o tiro que acertou Hermógenes era, na verdade, para o meu tio Getúlio, ferrenho Caranguejo (Andrelândia é dividida, até hoje, em dois únicos partidos: os Caranguejos e os Veados, mas isso é assunto pra outro post e também não sei quem estava do lado de quem na "Revolução"). Minha família é toda Caranguejo. Que historicamente está situado mais ao centro-direita (daí o nome, porque "andam para trás" e não querem as mudanças que vem ao passo do Veado - e os Veados são mais centro-esquerda). Hoje, como todo e qualquer partido político é tudo rigorsamente a mesma bosta (prontofalei).

Dizem também – mas aí já é lenda, eu acho – que Hermógenes, no dia de sua morte, pegou um retrato dele e dos irmãos e puxou uma seta de si mesmo e escreveu: “eliminado do mundo dos vivos”. A foto existe até hoje e o escrito idem. Mas eu acredito que provavelmente foi alguém que escreveu depois do ocorrido. Na grande mesa de madeira que até hoje é usada na copa da casa das minhas tias há as iniciais de Hermógenes marcadas de canivete, já que essa mesa ocupava o Sobrado.

[4] Nosso avô, João da Cruz de Andrade, que nenhum de nós conheceu, pois morreu em 1964 com 77 anos. Na mesma revolução Vovô foi obrigado a assinar sua demissão do cargo de coletor federal sob a mira de uma carabina. Demissão, esta, que posteriormente foi revogada. Ele e minha avó se exilaram em uma fazenda em razão dos tumultos na cidade. Não se sabe se pelas tensões passadas, a primeira filha de vovó nasceu morta. O segundo viveu 6 meses apenas e no dia em que morreu a marca de suas mãozinhas permaneceu ainda no espelho e não foi limpa até desaparecer. O terceiro vingou. Foi meu tio Guido. Daí em diante todos os outros vingaram.

[5] O Largo do Rancho era conhecido dessa forma porque era ali que os Caranguejos davam um “rancho” aos seus correligionários – matava-se bois, ofertados pelos fazendeiros, e servia-se pão com carne. Onde hoje é a praça João Zuquim, que vem a ser onde fica a casa das tias. o rancho foi transferido pro bairro do Areão.
[6] Ia ter um circo na cidade no dia em que Hermógenes foi morto.
[7] Anspeçada: V. hierarquia militar. Militar que detinha a posição hierárquica de anspeçada. No túmulo de Hermógenes durante muito tempo ficou escrito: "morto pela fúria da polícia mineira". mas aí chegou um juiz mala e pediu autorização pra família pra retirar, pois estava maculando a imagem da insituição.
Hãn-hãn? Pegaram? A Pasárgada dele é um lugar onde ele nunca esteve, no reino das memórias não vividas. A-há, muleke! Bonito demasssss!

Mas o melhor foi a dedicatória.

“Para as queridas tia Malu e primos(as), fragmentos da nossa história e, completo, o meu amor”.

Luxo. Isto é glamour, com diria Ingrid Guimarães.

E por falar em glamour você já comprou o segundo livro de poesias dele? Nãããããão? Não acredito! Júlio tem por hábito mandar seu livro pra todos os grandes poetas. E o mais impressionante: eles respondem! Já recebeu elogios de vários, mas que eu me lembre e tenha visto: do Carlos Nejar, do Ferreira Gullar e do Afonso Romano Sant’anna. Falei pra ele escanear e botar no blog, fazendo propaganda, afinal, nós não temos parentes importantes (e somos vindos do interiorrrr) pra sermos citados no Prosa & Verso, então essa é a forma de divulgar. Mas aí ele olha pro lado, aperta os olhinhos e diz: “ai, ai”, como quem diz: “carece, não”.

Citei aqui algumas poesias por ocasião do lançamento Voo eu recitei durante o evento de lançamento.

O bicho é tão leso que não bota nem o link pra vender o livro no blog. Segue: clique aqui para comprar o primeiro livro
ou aqui para o segundo.

Ou então escrevam pra ele e recebam o livro autografado:
avecesar@yahoo.com.br.

A pessoa é poeta, dêem um desconto.

Um comentário:

Júlio César Meireles de Andrade disse...

Cosnis, gostei demais do post.
As informações históricas sobre o poema estão um tanto quanto equivocadas. As interpretações são livres e as suas estão bem interessantes.
Em outra oportunidade, com mais tempo, divagaremos sobre o poema.
Um abraço e obrigado pelas divulgações.

PS 1 - o meu email saiu errado, faltou o jf depois do avecesar

PS 2- o João Francisco chegou aqui agora e gostou da peposa. Disse que está com cara de brava.

Beijos