quinta-feira, junho 18, 2009

Finalmente


Jornalistas não precisam mais de diploma para ser jornalistas. O que não quer dizer que uma pessoa não possa escolha fazer jornalismo – afinal, tem bobo pra tudo nesse mundo, né mess? – e depois trabalhar num jornal. Não, sem sacanagem, o que essa lei quer dizer, ao meu ver, é que qualquer pessoa que tenha curso superior da área humana pode escrever num jornal, coisa que eu, como jornalista, sempre acreditei. Quer seja você historiador, sociólogo, cientista político, antropólogo, bacharel em letras ou direito, você poderá, perfeitamente, fazer o trabalho de um jornalista. Sim, porque o “quem? O quê? Onde? Como? Quando? E por quê?” que compõe toda matéria pode ser aprendido por qualquer débil mental em duas semanas de redação.

É a mesma questão se um cineasta precisa fazer cinema para ser um bom cineasta. Sim e não. Há excelentes cineastas que fizeram faculdade e outros tantos que não fizeram. Mesma coisa com a profissão de ator. Há excelentes atores que se formaram na vida, no trabalho, fazendo cursos aqui e outros ali, estudando sozinhos e outros excelentes atores que se formaram em uma faculdade. Idem escritor. Acho que não tem que haver disputa. O que é diferente de um médico. Não dá pra ser um excelente médico apenas por ver cirurgias, por praticar e estudar sozinho. E acho que isso não desmerece nem uma profissão nem outra. O ministro ter comparado à atividade de jornalista à de cozinheiro não desmerece em nada a primeira, muito menos a segunda – afinal, há quem diga que a velha fórmula da pirâmide invertida e do lead e sublead nada mais seja do que uma receita de bolo. Discordo. Fazer bolo é bem mais difícil.

E olha que eu, enquanto fui atriz, sempre fui das maiores defensoras de que as pessoas têm que estudar, fazer cursos e buscar a técnica. Também acho que a melhor maneira de se “formar” um escritor ou poeta é faze-lo ler, ler, ler, escrever, escrever, escrever, aprender gramática, aprender com outros que fizeram antes. Sempre odiei atores intuitivos, cujo “talento nato” brota como água. O cara pode se segurar uma, duas vezes. Pode dar certo em um ou outro trabalho. Pode enganar bem com o carisma. Pode dar sorte. Mas só isso não sustenta um grande ator. O que não quer dizer que ele precise de uma faculdade. Às vezes o estudo de faz de outras formas. Sou a favor do estudo, não necessariamente acadêmico.

Me lembro de um texto, cujo Alzheimer me impede de lembrar o título e estou com preguiça de revirar meus textos do mestrado para procurar, que dizia que diversas profissões se baseiam em um conhecimento codificado. Medicina é uma delas. Eu tive um cunhado que sacaneava o irmão que era médico dizendo que ele era um técnico, mas não deixa de ser verdade (ainda que os médicos humanistas tenham muito mais vantagem sobre os seus amiguinhos técnicos). O Direito é outra. É formado por um corpo de leis e normas que regem a nossa sociedade. É preciso decodificar esses códigos para se movimentar dentro dele. Jornalismo, não. Jornalismo se baseia em um conhecimento do senso comum que se traveste de conhecimento científico. Tanto é que não se consegue definir coisas básicas dentro do jornalismo como o que é notícia.

Costuma-se dizer que o jornalista tem “faro” pra notícia. Uou! Nem um pouco objetivo, hein caros amigos? “Faro”? O que é “faro”? Alguém diz que um médico tem um “faro” bom para diagnósticos? Não. Ele abre o livro, estuda, depois através do exame do paciente ele é capaz de dizer o que ele tem (ok, nem sempre e também não quero dizer que um certo dado subjetivo e de intuição não sejam necessários ao trabalho do médico). O que é notícia? Não se tem uma definição sobre. Notícia é o que é relevante para a maioria. E o que é relevante para a maioria? Quem determina isso? Notícia são acontecimentos inusitados. Tem uma velha anedota do mundo do jornalismo que a gente escutava na faculdade que era “se um cachorro morde uma pessoa não é notícia, mas se uma pessoa morde um cachorro é”. O que dá margem para o sensacionalismo, as notícias feitas para criar impacto, apenas, tão características do início do jornalismo, da chamada penny press (a imprensa a 1 penny) ou yellow press (que na tradução ficou como imprensa marrom), cujos herdeiros são os nossos tablóides, Caras e Quems da vida.

Ficamos na mesma. Vamos por outro caminho, então. Quem decide o que é notícia? O editor. Baseado em quê? Em critérios de relevância. E o que é relevância? Ok, temas que sejam de interesse de toda a sociedade. Descobertas do mundo da ciência, decisões do governo, etc, etc. Mas nem todo dia há notícias relevantes para preencher um jornal, concordam? Mas o jornal continua tendo que sair, com o mesmo número de notícias do dia anterior. E aí, o que se faz? E aí, como diria o meu amigo Robert Darnton, historiador da cultura, francês, “toda notícia que couber a gente publica”. Isso tem um duplo sentido: caber no sentido de tamanho e caber no sentido de encaixar na temática do jornal.

Eu fico realmente impressionada como as pessoas tomam o jornalismo, a notícia, como realidade – muito mais do que, sei lá, só pra dar um exemplo, a novela das oito. “Oh, Carrie, a novela é ficção, o jornal é o que aconteceu hoje de dia”. Concordo. Mas não é porque a novela é ficção que ela descreve menos a realidade. Ela descreve e interfere na realidade de milhares de pessoas. Muito mais do que o Jornal Nacional. Enfim, mas isso é papo pra outro post. Só acho que, parafraseando Churchill, se as pessoas soubessem como são feitas as notícias e as salsichas, ninguém se atreveria a consumi-las.

O problema – e eu falo isso como ex-estudante de jornalismo e professora – é que a faculdade de jornalismo, como é estruturada hoje em dia no Brasil, se divide entre Teoria e Prática (e as duas partes se odeiam e não se entendem). Os professores de Prática e Técnica de Jornalismo (I, II, III...mil) são aqueles tipos jurássicos, que se acham os guardiões da verdade, quase sempre mal humorados, enraivecidos e fedendo a cigarro. Os professores de Teoria são pessoas que ou não são jornalistas ou não trabalham com isso e que passam os dias a falar de temas que nada tem a ver com o dia a dia de um jornalista, publicitário ou o que seja.

Resultado: as faculdades formam o proletariado do jornalismo. O cara que vai entrevistar o buraco da rua, a mulher que perdeu tudo na enchente, ou seja: o burro de carga. Não que os jornais não precisem dos burros de carga e eu não estou querendo desmerecer essa categoria de profissionais. Claro que precisam. Só não acho que ninguém precise cursar quatro anos pra ser burro de carga. Um curso técnico já resolvia. É que nem fazer com que a pessoa estude 4 anos pra ser lixeiro. Não precisa. É um profissão super digna, das mais essenciais (sem ela estaríamos todos literalmente na merda), mas, não é preciso curso superior para tanto. E há aquela meia dúzia que vai ser editor ou fazer algum trabalho um pouco mais autoral dentro do jornalismo – e estes não necessariamente serão jornalistas.

(Bom, estou aqui pensando com os meus botões, só pra usar uma gíria antiga, se todo lugar não faz isso: forma sempre a massa, enquanto a chefia é sempre pra poucos, mas...).

Agora, só cá entre nós, o problema maior ainda é que o jornalismo é um grande negócio, desde que foi fundado e cada vez mais. Mas as pessoas acham que não. Acham que lendo Caros Amigos estão tendo um jornalismo mais imparcial do que em Veja. O que acontece é que quando a gente tende a concordar mais com o ponto de vista de determinado veículo acha que esse é o ponto de vista certo e por isso imparcial.

E, acreditem, jornalistas crêem piamente na tal da imparcialidade. Em ouvir “todos os lados da história”. Não percebem que, ao contar uma história estamos sempre dando forma a um conhecimento aleatório e esse simples “dar forma” imprime sentido. Carregado de ideologia, claro. É que eles sempre acham que a ideologia deles é melhor do que a dos outros.

Ai, cara. Na boa. Que preguiça tudo isso, viu...

10 comentários:

Taísa disse...

Oi Carrie,
Tenho um irmão que está no segundo ano no curso de Jornalismo, e no começo deste ano cogitou trancar o curso e fazer cursinho... justamente pelos motivos que vc citou, dos professores serem divididos nesses dois grupos e por ele não conseguir ver utilidade na grande maioria das disciplinas que precisa cursar... não parou a faculdade simplesmente porque disse que não sabe o q faria se não jornalismo... hehehe ! E agora até q está gostando um pouquinho mais... mesmo assim, vou mandar o link do seu blog pra ele ler, porque gostei muito do seu texto e acho que vai ser legal ele conhecer seu ponto de vista também !
Bjos !

Amana disse...

Belo texto.
Vejo inumeros paralelos com a Psicologia. Inumeros.
E vou dizer de uma vez, pra nao desistir so de pensar como isso gera polemica mundo a fora: nao vejo como um diploma de psicologo efetivamente capacita uma pessoa a lidar com problemas, com gente, com sofrimento, com duvidas.
Sou do time que acredita que tem algo de muito errado nessa industria de diplomas e certificados aliada a exigencias de constante capacitacao do mercado.
Alguma coisa de muito importante se perde por ai...
Bom, to muito cansada pra esticar o argumento, mas isso da umas 3 noites de boteco, hein???
beijos!

(vc foi ao Aquario Publico em NY? Nao to lembrando... vou sabado!)

Carrie, a Estranha disse...

Oi Amana!

Não! Nem sei o q é!

Ta,

Legal. Manda ele vir aqui sim.

Bjs

Ila Fox disse...

Fico só imaginando o povo que tá pagando a ultima prestação do ultimo ano da faculdade de jornalismo, como é que está FELIZ, com esta notícia! :-P

trinity disse...

E eu q prestei vestibular para jornalismo e não cursei, resolvi partir para informática uma classe que nem é regulamentada.

Stella disse...

Olha, eu entendi o que você quis dizer, mas continuo achando que é desmerecer a profissão, sabe? Então, assim, imagina a pessoa que está, sei lá, no terceiro perído dessa faculdade. Logo no início recebe a bomba de que está Perdendo Tempo, afinal, qualquer idiota poderia fazer o mesmo que ele... sei lá, acho sacanagem.
Mas mudanças são necessárias, né... então concordo que o curso seja diluido em vários cursos específicos. Pelo menos poupava tempo pra quem está lá "a toa".

Beijo!

Pati Linden disse...

Bah! Baaaaahhhh!! Mil bah´s! Perfeito esse teu texto. Perfeito. É exatamente o que penso. Eu me formei jornalista, mas tenho a mais clara e absoluta certeza e noção de que o que aprendi, aprendi na vida, no dia-a-dia de uma redação de jornal.
Beijo grande
Pati Linden

Anônimo disse...

"Sou a favor do estudo, não necessariamente acadêmico."

Perfeito.

Ge disse...

Eu também fico imaginando a pessoa que está lá na faculdade de jornalismo...deve se sentir meio que perdeu o tempo mesmo. Mas eu concordo com tudo que disse...sou sempre a favor do estudo...até porque muitas vezes as pessoas só querem um curso universitário apenas por status.

bjus.

Táia disse...

Oi Aline
sou irmã da Amana, fui aluna da sua irmã e estou terminando Jornalismo. Já fiz 8 estágios na área e acabo de deixar o Caderno B. Concordo e assino embaixo. Jornalismo NÃO É CIÊNCIA. Aprendi mais jornalismo no curso de redação da professora Ma. Conceição Xavier Machado aí em VR (não sei se conhece) e no JB do que nos últimos 5 anos de UFF. Ainda assim, acho importantíssimas várias cadeiras da faculdade, como Ética, Antropologia, Geografia e Sociologia, bem mais do que as matérias de redação. Acho tão importantes que acredito que a faculdade de jornalismo é um embuste, e que cada curso deveria ter cadeiras facultativas de jornalismo, assim como acontece com licenciatura. Quer dar aula sobre biologia? Faz licenciatura. Quer ser repórter da área? Faz as cadeiras de jornalismo. "Ah, mas a pessoa não saberia cobrir outras áreas". Como vc disse, qualquer débil mental sabe escrever uma matéria. Se ela é boa ou não, não depende de técnica, mas de talento.
Enfim, concordo demais e vou repassar seu texto para meus colegas. Beijo!