segunda-feira, janeiro 26, 2009

Botões e roupas


Vi “O curioso caso de Benjamin Button”. Pra quem está em Marte: o filme foi indicado a duzentos Oscars e é baseado no conto do Fitzgerald, o Scott. Narra a história de Benjamin Botões, portador de uma estranha anomalia: nasce velhinho e vai ficando jovem ao longo da vida. O problema é que ele nasce apenas com corpo de velhinho – incluindo as doenças da idade, como artrite, surdez, etc. A cabeça é de criança. Ele é deixado numa espécie de asilo – não porque acham que ele é velhinho, mas porque ele é um bebê feio e estranho e deixam-no nessa casa em Nova Orleans, dirigida por uma negra que não podia ter filhos, e que era também uma espécie de abrigo (eu perdi os primeiros dez minutos do filme).

O Brad Pitt está caminhando a passos céleres rumo a se tornar um dos maiores atores hollywoodianos. Na primeira cena em que ele aparece como velhinho, apesar da decrepitude, o semblante ao mesmo tempo curioso e amedrontado não resta dúvida de que se trata de uma criança. Quando o tempo passa e ele vai ficando jovem, o fato dele ser estupidamente bonito funciona muito bem, pois a beleza tem uma relação mais estreita e óbvia com a juventude (não querendo dizer que pessoas velhas não possam ser bonitas a seu modo – que é sempre o melhor modo de se ser bonito), mas a velha noção de beleza = juventude = bondade funcionam muito bem em um filme como esse. Nesse sentido, não poderiam ter achado melhor ator. Talvez alguns poucos outros, mas o fato do Brad Pitt estar numa idade intermediária ajudou bastante também.

Chorei do instante que eu cheguei ao cinema ao momento que eu saí. Não, o filme nem é nem um dramalhão. Mas algo nele me remeteu a uma atmosfera estranhamente mágica e familiar – ou magicamente estranha. Eu tenho uma forte queda – um tombo, eu diria – pelo fantástico, fantasioso, irreal e surreal na ficção (e na vida) e o filme segue nessa linha, desde o tema central, até os periféricos.

Apesar de não ser o cerne do filme, questões como o acaso e o destino aparecem pontuando a narrativa (aliás, alguém que tenha visto o filme desde o começo pode me dizer o que aquele relógio grande tem a ver? De tempos em tempos ele aparece. Como entrei no cinema no momento em que ele era deixado na porta da mãe adotiva, desconfiei que o relógio possa ter aparecido antes).

Temas como o Acaso ou o Destino, Aleatório ou Premeditado me são muito caros. Não entendo como podem ser tratados como binômios antagônicos e excludentes. Pra mim deveriam ser sinônimos no dicionário, pois se tratam de coisas sob as quais você não tem o menor controle. Se existe um Destino, Moiras lúgubres que tecem a malha da vida, ou se somos apenas saquinhos de carne, sangue e merda vagando a esmo pelo Universo não faz a menor diferença no final das contas. O que se quer é conforto. E conforto não há, quaisquer que sejam os caminhos escolhidos para se crer. Da mesma forma, em ambas as alternativas, a hipótese Deus seria igualmente válida ou não. Quem disse que, no caso de haver Deus, Ele tenha um propósito para cada um de nós? Ou, na ausência Dele, não haja um princípio regulador de tudo – ainda que esse princípio seja o caos? Pode haver um Deus (ou vários) que age como hábil titereiro, com planos fulminantes para todos nós, ou um Deus fanfarrão que joga dados com a sua vida, ou ainda outro que lhe dá o livre arbítrio de escolher entre o Bem e o Mal e ainda diversos outros que sequer conseguimos conceber. Então: what’s the point?

O ponto é que é divertido especular. Pensar, em momentos angustiantes da vida, que um Destino certo – e bom – está prestes a cair sobre as nossas cabeças, como Maná no meio do deserto, ainda que você não acredite ou lute contra. Ou lembrar que tudo pode estar prestes a ruir sob nossos pés, porque assim estava escrito. Ou que tudo pode ruir porque acontece de ruir de vez em quando. Ou ainda: pensar que uma ida a esquina pode mudar totalmente o rumo da sua vida. São infinitas as variáveis e seja lá no que for que você acredite, o mundo não vai parar por causa das suas crenças ou falta delas, amigo. O bonde vai seguir. Você pode perder seu tempo perguntando por que eu? ou simplesmente pensar por que não seria eu?

Mas o filme não é sobre isso, ainda que também fale sobre. O filme é sobre muitas coisas. Também sobre se sentir diferente. E descobrir que todo mundo se sente tão diferente que no final somos todos iguais na nossa diferença. Em outras, o ordinário é tão pesado e sufocador que nos marca a ferro e fogo pra sempre. E quer você acredite que é único ou singular, ou tedioso e banal, provavelmente você estará errado e certo. Novamente: você pode perder seu tempo perguntando por que eu? ou simplesmente pensar por que não seria eu? Então, pra que se preocupar?

Em um dos momentos do filme Benjamin conhece um pigmeu que passa uns tempos no asilo/hospedaria. O pigmeu percebe que Benjamin também é diferente e ambos se tornam amigos. Um dia ele diz a Benjamin: “pessoas como nós vão passar a vida inteira sozinhas. As pessoas altas e normais também. Só que elas vão morrer de medo”. Você pode perder seu tempo perguntando por que eu? ou simplesmente pensar por que não seria eu? Então, pra que se preocupar?


O filme é narrado por um diário do próprio Benjamin que é lido por uma moça a uma velha senhora, personagem da Cate Blanchet, que se encontra no estágio terminal em uma cama de hospital. Elas estão em alguma cidade dos EUA na rota de um furacão. O tempo todo as imagens do canal do tempo vão dizendo as condições meteorológicas. Ora o furacão está vindo em direção a elas – que precisam decidir se ficarão e o enfrentarão, ou correrão o risco de fugir dele e ter que arcar com o risco de deslocar uma moribunda – ora se dispersa.

Aparentemente mudando de assunto, Ronaldo Fraga, estilista mineiro (responsável, dentre outras, pelo visual de Fernanda Takai, do Patu Fu, nos discos e shows) fez um desfile de levar a platéia às lágrimas no segundo dia de São Paulo Fashion Week. “Tudo é risca de giz” – tema do desfile - utilizou ao invés de lindas modelos magérrimas, “modelos” velhos (velhos mesmo, muito mais de 65, cabelos brancos) e crianças. O cenário eram enormes bonecos do grupo de teatro de bonecos Giramundo, que eram manipulados durante o desfile – alguém aí tinha falado em titereiro que manipula o mundo? Os vestidos - estampas engraçadinhas, vestidos-saco, mangas-morecego e cores alegres – vestiam senhoras e crianças, homens e mulheres.



O que qualquer um com olhos pode ver é o quão bonito e jovial e elegante ficaram as roupas.





Sempre me impressionou esse papo de que as pessoas, depois de uma certa idade, precisam fazer de tudo pra parecerem jovens – e o “tudo” entendido como dentro de um padrão. O que é tido como “chófem” depois de uma certa idade é: passou dos 40, corte seus cabelos acima dos ombros, pinte todos os seus fios brancos se não quiser parecer um profeta do Apocalipse – de preferência ficando loura (mesmo porque é muito mais fácil ficar loura do que pintar de escuro, por exemplo, que realça qualquer fio branco que surge) – use certas cores, certos comprimentos e certas estampas. Evite outras tantas. Freqüente lugares da “terceira idade” – pior eufemismo já criado nessa linha – ande com gente da sua idade e fique no seu lugar. Siga essa receita e você será “chófem” pra sempre.

Assim como chófem tem que freqüentar lugar de chófem; gay freqüentar lugar de gay; gente solteira, bar de gente solteira, gente casada, restaurante de gente casada onde só se vê gente casada...




E o que você vê são hordas de senhoras absolutamente iguais: de cabelinhos curtinhos, pintadinhos, de escova, de botox e plástica...rigorosamente idênticas. Como as tantas adolescentes de cabelão na cintura que a gente vê. Vendo esse desfile, eu, que nunca cogitei que cabelos brancos pudessem ser bonitos e charmosos em mulheres, pensei em como eles podem ser modernos.

Não quero, com isso, criticar quem faz plástica e pinta os cabelos. Porque exigir que todos “assumissem” suas rugas da mesma forma seria o mesmo que condená-las em absoluto. Cada um assume suas rugas como quer. Até escondendo-as. Infelizmente a pluralidade em termos estéticos continua sendo apenas conceito de propaganda da Natura ou Dove. Mas é assim que se muda.

Tudo isso me lembrou do final (calma, não vou contar) do filme, cuja moral da história é a anti-moral da história: não tenha medo de mudar, seja lá em que idade for. Mas também não tenha medo de continuar sendo a mesma pessoa, seja lá quem você for, se isso for bom pra você. Não mude porque é preciso mudar, porque é preciso inovar e se reinventar. Às vezes se reinventar pode ser continuar no mesmo. Voltar é ir pra frente.

Algumas pessoas nadam. Umas dançam. Outras conhecem Shakspeare. Algumas pessoas são gordas, outras têm cabelos brancos ou nem os têm. Algumas são baixinhas, umas se casam pra sempre, outras não se casam nunca e tantas outras se casam várias vezes.

No final, tudo realmente é risca de giz. Do Bê a ba às rugas.

Então, pra que se preocupar?


20 comentários:

Anônimo disse...

OI LINE.
NO COMEÇO DO FILME A PERSONAGEM DE CATE BLANCHET CONTA UMA HISTÓRIA DE UM RELOJOIERO, O MAIS FOMOSO DA CIDADE (AI VIAJEI, ACHO QUE N. ORLEANS) QUE FOI INCUBIDO DE CONTRUIR UM RELÓGIO PARA A ESTAÇÃO DE TREM. AO MESMO TEMPO, SEU FILHO IA PARA A GUERRA, NA QUAL ACABOU MORENDO. NO DIA DE INAUGURAR O RELÓGIO,O RELOJOIRO FEZ UM DISCURSO SOBRE PORQUE FEZ O RELÓGIO CORRER AO CONTRARIO. SEGUNDO ELE DESTA FORMA PODERIA SE VOLTAR NO TEMPO E TRAZER, NÃO SÓ O FILHO DELE, MAS TODOS OS JOVENS QUE MORRERAM NA GUERRA.
ACHO QUE ISSO FOI UMA ALUSÃO À VIDA DE BENJAMIN BUTTON.
BJ.
DENIS.

Ila Fox disse...

Um post para nos fazer pensar...

E prefiro muito mais estas velhinhas autênticas das fotos acima do que esta orla de velhinhas default que vemos por aí.

Quando eu ficar velhinha posso até não ter meus cabelos tão compridos, mas me nego a corta-los na nuca. -_-

No fim todo mundo vai ficar velhinho mesmo, independente de gastar horrores com plastica.

Mas por via das dúvidas vou usar Renew. :-P

Ila Fox disse...

É engraçado que depois de uma certa idade fica dificil distinguir as velhinhas dos velhinhos.

Ficam iguais, principalmente quando as velhinhas deixam seus cabelos curtinhos.

Crianças bem pequenas e velhinhos bem velhinhos parecem não ter sexo.
Viram anjos. ;-)

Carrie, a Estranha disse...

Oi Deninho!

Ai, que lindo! Muito legal! Sabia q aquele relógio devia ter algum significado! Vou ver o filme de novo.

Ila,

Eu escutei a Glória Khalil falar uma coisa parecida: que o desfile conferiu individualidade aos velhos, já que, depois dos 60 eles ficam todos meio com a mesma cara: um bloco amorfo, como se fossem todos iguais, e infantilizados.

Bjão

Alê disse...

Olá Carrie

Faz tempo que não comento no seu blog e eu adorei esse post sobre filme e do desfile.

Concordo com sua opinião sobre as senhoras de hoje que cada vez mais fazem plásticas para se tornarem mais jovens.

Ah, outra coisa: navegando pelo youtube, olha o que eu achei:

http://www.youtube.com/watch?v=7q0-HtZqysY&feature=related

Beijos

Alê

Anônimo disse...

LINE.
FALANDO EM RONALDO FRAGA E FERNANDA TAKAI.
VOCÊ JÁ OUVIOU O CD DELA CANTANDO NARA LEÃO (ONDE BRILHEM OS OLHOS SEUS). É LINDO.
FOI TRILHA DE UM DESFILE PASSADO DO RONALDO. DÉIA É DOIDA COM RONALDO FRAGA E EU ACABO VENDO.
ESSE CD EU COMPREI...
BJ.
DENIS.

Carrie, a Estranha disse...

Não, não ouvi, Denis, mas ouvi dizer. Se eu não me engano o figurino da capa do CD é dele, tb. Eu sei q ele sempre faz coisas pra ela.

Vc sabe q a trilha sonora do amigo oculto aqui de casa é "Tempo, tempo, mano velho". Há uns 10 anos. Esse natal como passamos em Andrel, esquecemos de levar e a família toda ficou arrasada! Rsrsrs

Oi Alê!

Vou ver! Aliás, já tõ vendo e rindo! Como o mundo foi privado de tamanho talento musical?

Bjs

a que deseja disse...

Assisti ao filme ontem e também fiquei emocionada, lindo demais.

Uma outra mensagem do filme que também gostei foi de que as coisas acontecem (ruins ou não) e você tem que ir levando. Não adianta querer descer do bonde, ficar reclamando ou chorar. Elas acontecem e pronto, você estando preparado ou não.

Às vezes dá tanta vontade de fazer birra com Deus, né? rs

Beijo pra vc!

Ila Fox disse...

A lá Carrie.

Um forte temporal derrubou uma árvore de 223 anos de idade no jardim do Palácio de Versailles.

Chama o jardineiro!

http://noticias.uol.com.br/album/090127_album.jhtm?abrefoto=6

Carrie, a Estranha disse...

A que deseja,

É, sem dúvida! E a história do cara q foi atingido por raios 7 vezes? Muito boa. A primeira vez, as pessoas deram uma risadinha. Na últim já tava todo mundo gargalhando.

Ila,

Pois é! Nós chamamos, menina! Rsrsr

bjs

Andrea disse...

Não gostei do filme, é daqueles milimetricamente engendrados para fazer chorar. Mas de fato, Brad está soberbo...consegiu aparacer embaixo daquela maquiagem ridícula.

Mas Mickey Rourke leva o Oscar de ator...vc sabe, é como se fosse o Frota hahahhahahah

Minha torcida estaá com SLUMDOG MILLIONAIRE, esse sim um filmaço.

Anônimo disse...

Faz tempo que eu não deixo um comentário...mas depois que eu li o post não tem como não comentar.

Assisti o filme também e achei-o lindo (o filme e o Brad Pitt..rs)...e chorei do começo ao fim.

Concordo com tudo o que vc disse (a respeito das velhinhas também)...

E Parabéns pelo belíssimo post...bjus.

Carrie, a Estranha disse...

Andrea,

Humpf. Chata.

O Mickey Rourke é o Frota já levantado. :)

Lilith,

Bigada! :)))

Bjs

Anônimo disse...

Carrie, não tens por aí um pouco de tempo a mais? Prometo pagar, de volta, em dobro, ou assim...
Mas uma coisa é certa, quando tiver tempo tenho tanto para ler por aqui.






P.S. Por cá o acordo ortográfico ainda não é "palpável" na imprensa escrita nem nas escolas.

Um abraço da tua cromo portoguesa

Anônimo disse...

Parabens pelo post!

Anônimo disse...

Olá Carrie,

Já tem umas duas semanas que descobri o seu blog e estou fascinada!!
Adoro os seus post e já virou um vício... agora estou sempre por aqui! rs

Parabéns pelos post, concordo com sua opinião!! :)

Bjinhos...

Anônimo disse...

Carrie, adorei esse post...mt bem pensado e escrito, mas quero atualização jáaaaa. Não nos deixe tanto tempo desamparados.... rs.
Bjsssss
Marcele

Carrie, a Estranha disse...

Oi Helena!!!!!


Sim, a cá o acordo não é palpável. Aliás, nossa gramática nunca o foi para o povo.

Anônimo,

Muito obrigada!

Amanda,

Ah, vcs não imaginam qdo eu "vejo" leitores novos! Fico toda boba! Obrigada, querida! Fique à vontade! Que bom que gostou!

Marcele,

Já vou, já vou! Ainda hoje tento por post novo!

Bjs

Taísa disse...

Carrie querida,
Este foi um dos posts que eu mais gostei até hoje. Até pq ele mistura um pouco da ficção com a realidade, coisa difícil de fazer de forma profunda atualmente.
O filme é ótimo, mas a duração me fez apelidá-lo de "O 'demorado' caso de Benjamin Button". Em alguns momentos, ele parecia não passar...
Gostei da maneira que a história foi conduzida e espero que ele receba tantos Oscars quanto mereça mesmo.
Beijos!

Carrie, a Estranha disse...

Oi Tai!

Ah, mas a gente nem sente o filme passar! Sério q vc achou demorado??

Puxa, muito obrigada pelos elogios!

Um beijo grande!