quinta-feira, maio 10, 2007

Profissão de fé (e andar com fé eu vou...)


Lutar com palavras

é a luta mais vã.

Entanto lutamos

Mal rompe a manhã.

São muitas, eu pouco.

Algumas, tão fortes

Como o javali.

Não me julgo louco.

Se o fosse teria

poder de encantá-las.

Mas lúcido e frio,

apareço e tento

apanhar algumas

para meu sustento

num dia de vida.

Deixam-se enlaçar,

tontas à carícia

e súbito fogem

e não há ameaça

e nem há sevícia

que as traga de novo

ao centro da praça.


Insisto, solerte.

Busco persuadi-las.

Ser-lhes-ei escravo.

de rara humildade.

Guardarei sigilo

de nosso comércio.

Na voz, nenhum travo

de zanga ou desgosto.

Sem me ouvir deslizam,

perpassam levíssimas

e viram-me o rosto.

Lutar com palavras

parece sem fruto.

Não têm carne e sangue

Entretanto, luto.


Palavra, palavra

(digo exasperado),

se me desafias,

aceito o combate.

Quisera possuir-te

neste descampado,

sem roteiro de unha

ou marca de dente

nessa pele clara.

Preferes o amor

de uma posse impura

e que venha o gozo

da maior tortura.


Luto corpo a corpo,

luto todo o tempo,

sem maior proveito

que o da caça ao vento.

Não encontro vestes,

não seguro formas,

é fluido inimigo

que me dobra os músculos

e ri-se das normas

da boa peleja.


Iludo-me às vezes,

pressinto que a entrega

se consumará.

Já te vejo palavras

em coro submisso,

Esta me ofertando

seu velho calor,

outra sua glória

feita de mistério,

outra seu desdém,

outra seu ciúme,

e um sapiente amor

me ensina a fruir

de cada palavra

a essência captada,

o sutil queixume.

Mas ai! é o instante

de entreabrir os olhos:

entre beijo e boca,

tudo se evapora.


O ciclo do dia

ora se consuma

e o inútil duelo

jamais se resolve.


O teu rosto belo,

ó palavra esplende

na curva da noite

que toda me envolve.

Tamanha paixão

e nenhum pecúlio.

Cerradas as portas,

a luta prossegue

nas ruas do sono.


(Drummond, O Lutador)

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