terça-feira, dezembro 12, 2006

Bonito que dói: Guimarães Rosa pra crianças (?)

FITA VERDE NO CABELO

(Nova velha estória)


João Guimarães Rosa


Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.


Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.


Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: ¾ “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.


E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeiínhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.


Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:


- “Quem é?”

- “Sou eu...” - e Fita-Verde descansou a voz. - “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.”

Vai, a avó, difícil, disse: - “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.”

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.


A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:

- “Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”

- “É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...” - a avó murmurou.

- “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”

- “É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta...” - a avó suspirou.

- “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”

- “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha...” - a avó ainda gemeu.

Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.

Gritou: - “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!”

Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.


3 comentários:

Anônimo disse...

É, pois é.

Anônimo disse...

Carrie, é MUITA coincidência, mas acabo de postar algo, hoje mesmo, sobre Guimarães Rosa. O cara era um gênio.

Anônimo disse...

É isso aí, Guimarães Rosa e Joyce tem mesmo tudo a ver. Por sinal, muito bom conversar com alguem que entende e gosta de literatura. Assim fica fácil.