sábado, novembro 11, 2006

Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tô só pensando alto.


Ontem eu fui ver “O ano em que meus pais saíram de férias”, filme de Cao Hamburgo - não sei se é assim que se escreve. Sim, de onde veio todo aquele papo sobre barras anti-pânico... Achei um dos filmes mais lindos que eu já vi. É singelo, suave e delicado, ao mesmo tempo em que trata de um tema super grave: os órfãos – literalmente – da ditadura. Crianças cujos país sumiram nos anos de chumbo. E no pior deles: 1970.


O filme vale a pena por vários fatores. As crianças, por exemplo. O molequinho protagonista é um misto dos meus primos Serginho e Juninho quando eram crianças (se você não conheceu meus primos crianças, sinto muito). O núcleo de crianças judias é a coisa mais fofa do mundo. Um deles é a cara do Paul Pfeifer, personagem da série Anos Incríveis (Wonder Years) – e que diziam que era o Marylin Manson, mas é mentira. A outra garotinha, a Hanna, é de roubar de tão fofa.


Sempre que eu vejo esses filmes sobre ditadura eu penso muito no nosso presente. Eu nasci em 1976. Final do período militar. Lembro-me de Figueiredo e suas pérolas. Lembro-me das pessoas contando casos. E deles sempre me despertarem um grande interesse. E o que eu sempre pensava era: como as coisas chegaram a esse ponto? Como deixaram? Por que não fizeram nada?


(Parentesão: De repente, acho que não foi gratuito eu ter caído no doutorado em história, estudando esse período e, mais de repente ainda, acho que não por acaso, meu novo orientador calhou de ser um ex-guerrilheiro do MR-8, trocado por um embaixador...mas deixa pra lá. Diria Paulo Coelho que coincidências não existem e o Universo conspira a favor, mas não acredito nisso. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tô só pensando alto. Fecha parentesão)


Hoje, quanto mais estudo esse período, mais entendo a merda em que a gente vive. E que certas respostas estão lá atrás. (Mas, uma coisa não tem nada a ver com a outra, né?) O golpe não foi apenas militar, mas civil-militar. A ditadura só se firmou tanto tempo, dentre outras coisas, pela conivência da classe média, que sai às ruas com Deus, pela Pátria e pela Liberdade e depois pede pra que os milicos parem de matar seus filhos. E não foi só a Globo que apoiou o golpe, mas também o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e todos os grandes veículos de comunicação. E as contribuições vinham em dinheiro e de todas – eu disse TODAS – as grandes e médias empresas brasileiras, sem contar as internacionais claro, que viam no golpe uma solução contra a ameaça do socialismo. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, né?


E aí, quando o garotinho do filme diz, no final: “esse foi o ano de 1970. Ano em que o Brasil foi tri-campeão e eu me tornei uma coisa que eu nem sabia o que era. Exilado. Acho que exilado quer dizer quando o pai da gente é tão atrasado que nunca mais chega”, você compreende o silêncio sepulcral que se abate no cinema. Pois um país que não foi capaz de explicar sequer pras suas crianças porque seus pais não voltaram é um país que nunca será nada. Um país onde os valores são invertidos de tal forma que atirar no outro é motivo de medalha (uma coisa não tem nada a ver com a outra, né?), igualando bandidos e mocinhos, é um país que não aprendeu nada com a sua história. Não aprendeu que a militarização da vida cotidiana não pode ser a solução de problemas muito mais graves, não importa a que ponto tenhamos chegado. Porque isso significaria que eles venceram.


Nós não pudemos ter um tribunal de Nuremberg pois a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita de 1979 absolveu militares e opositores do regime. O máximo que conseguimos é “condenação moral”.


Aí quando eu escuto pessoas dizendo “nossa, de novo essa história sobre a ditadura?” eu penso que ela nem sequer começou a ser contada. Porque enquanto não admitirmos que a classe média também foi responsável pelo golpe, que as empresas privadas foram as que mais lucraram, que a CIA colocou dinheiro, e que os milicos foram apenas mais um elo desta cadeia, nunca seremos nada. Enquanto atribuirmos a culpa apenas aos militares, nossos fantasmas continuarão a nos assombrar, arrastando correntes como zumbis. O mínimo que podemos fazer por eles é darmos um enterro decente. Enquanto uma coisa continuar não tendo nada a ver com a outra, nada vai mudar.


E quando eu vejo essa série sobre os Portos Brasileiros feita pelo Jornal Nacional não posso deixar de comparar com um dos vídeos do Ipês*, intitulado Portos Paralíticos. O tempo passa, o tempo voa e as “soluções” são sempre as mesmas. Depois ainda reclamam. Depois ainda votam no Alckimin – ou no Lula, porque tanto faz - e acham que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu é que tô só pensando alto.


* Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, reunia a nata do empresariado brasileiro e alguns militares da Escola Superior de Guerra. Promoveram uma campanha ideológica alertando a classe média contra os perigos do comunismo, num mundo bipolarizado entre URSS e EUA. Segundo algumas interpretações (Ver René Armand Dreifuss, "1964: a conquista do Estado", anos esgotado, mas recém relançado pela Vozes), este instituto é a célula ideológica do golpe. Em outras palavras: eles deram o golpe.

6 comentários:

Anônimo disse...

Existem muitos podres nos porões da ditadura, e o pior é saber que muitos deles não virão a tona.


Ah, não acredito que vc tbm ama papelarias! eu ainda nem tinha lido os seus arquivos(eu ia ler neste fim de semana), mas que legal que vc gosta! ahhh papelaria é tudo de bão! doro cheiro de papel, lápis de cor, giz de cera, eu chegava a comer estas coisas quando era criança. hehe

VanOr disse...

Eu também vou pensar alto aqui: você é foda. Vou ver o filme sem falta amanhã. Já tô arrepiada só de pensar. PS: eu tb me lembro do Figueiredo e de suas pérolas, como "prefiro o cheiro de cavalo ao cheiro do povo". Eu era criança e aquilo já mexia com meus brios. Perguntava pra minha mãe: "pode isso?, o presidente ter nojo do povo?". Minha mamma, pobre criatura de classe mérdia, não dizia nem que sim, nem que não. E, por via das dúvidas, minha escola era católica. Vai que eu crescia com essas caraminholas de comunista na cabeça!

Anônimo disse...

O filme é muito sensível,as crianças dão um show de interpretação....Caio Blat,tb está ótimo como sempre!! A frase do final é de cortar o coração e fazer termos vergonha do Brasil,vergonha essa que continua nos acompanhando!!

Anônimo disse...

Vixe...n assinei o post acima....
beijos
Márcia Motta

osvjor disse...

peraí, mas essa história já foi mais do q contada, a da classe média reacionária, do catolociscimo obscurantista, dos EUA malvados etc... esse livro do Dreifuss fazia muito sucesso na minha época, nos meus tempos de inocente útil... tudo isso é um videoteipe... se é pra contar a história de forma completa, tem q trilhar outro caminho...

Carrie, a Estranha disse...

Osvjor,

Não falo em uma interpretação tão maniqueísta assim. Falo em entender os sujeitos históricos em seus devidos contextos. Não os EUA malvados, mas os EUA q tinham q manter um cordão de isolamento na America Latina - já contaminada.

Q não é q os capitalistas sejam maus, mas eles realmente acreditavam nas medidas modernizadoras.

E não, essa interpretação é sempre tida como "antiga", "datada" ou qualquer outra coisa, mas nunca foi levada a sério. Sempre é tida como "conspiratória".